
Crimes contra honra serão exceções. Por 8 a 3, a Corte fixa tese sobre responsabilização de plataformas por conteúdo de usuários
Enquanto não houver nova legislação sobre o tema, o artigo 19 do MCI (Marco Civil da Internet) deverá ser interpretado pela responsabilização civil das plataformas digitais, chamadas de big techs, por conteúdos publicados por usuários.
Esse foi o entendimento estabelecido pela maioria do plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), que fixou nova tese sobre o assunto, por 8 votos a 3.
O artigo 19 do Marco Civil condiciona a responsabilidade civil das plataformas por danos a terceiros à necessidade de ordem judicial prévia. Na interpretação atualizada, lida pelo ministro Dias Toffoli na sessão desta quinta-feira (26), “há um estado de omissão parcial que decorre do fato de que a regra geral do artigo 19 não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância, com proteção de direitos fundamentais e da democracia”.
Dessa forma, “o provedor de aplicações de internet será responsabilizado civilmente, nos termos do artigo 21 do Marco Civil da Internet, pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crime ou atos ilícitos, sem prejuízo do dever de remoção do conteúdo. Aplica-se a mesma regra nos casos de contas denunciadas como inautênticas”.
PONTO RELEVANTE
Outro ponto relevante é a responsabilização da plataforma quando “não promover a indisponibilização imediata de conteúdos”, que configurem crimes graves como:
· condutas e atos antidemocráticos;
· crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo;
· crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação;
· incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero;
· crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio ou aversão às mulheres;
· crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes; e
· tráfico de pessoas.
No documento, os ministros ressaltam que a decisão é prospectiva, ou seja, não afetará casos passados. Além disso, há apelo ao Congresso Nacional “para que seja elaborada legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais”.
MAIS DEVERES
A redação da tese incluiu também lista de deveres das plataformas, que agora precisam “editar autorregulação que abranja, necessariamente, sistema de notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência em relação a notificações extrajudiciais, anúncios e impulsionamentos”.
Há ainda a ordem para as bigh techs disponibilizarem canais específicos para atendimento, com acessibilidade e ampla divulgação. As regras de cada plataforma deverão ser revisadas de forma periódica.
Ficou decidido, também, que os provedores precisam ter representantes em território brasileiro para funcionar no País. “Os provedores de aplicações de internet com atuação no Brasil devem constituir e manter sede e representante no País, cuja identificação e informações para contato deverão ser disponibilizadas e estar facilmente acessíveis nos respectivos sítios.”
AJUSTE NO MCI
Essa decisão ajusta o MCI, estabelecido pela Lei 12.965/14, cujo projeto foi aprovado pelo Congresso, já que não estabelece, explicitamente, a obrigatoriedade de representação de plataformas digitais no Brasil. No entanto, o artigo 11 do Marco Civil exige que todas as plataformas que oferecem serviços no Brasil respeitem a legislação brasileira, incluindo aquelas que coletam dados ou se comunicam com usuários no País, mesmo que sejam empresas estrangeiras.
A exigência, então, de representante legal no Brasil para plataformas que atuam no País pode ser decorrente da interpretação do artigo 11, em conjunto com outras leis e decisões judiciais, como a necessidade de intimação e responsabilização das plataformas por conteúdos ilegais.
TENTATIVA DE CONSENSO
Antes da sessão desta quinta-feira, os ministros se reuniram em almoço na Presidência do STF, a fim de tentar construir consenso sobre a tese.
“Hoje, ao longo de aproximadamente 4 horas, nos reunimos na Presidência para definir: as teses jurídicas, o resultado dos recursos, os casos concretos, e para identificar os consensos possíveis, ou, na ausência destes, as maiorias possíveis, a respeito das teses que desejamos afirmar, e que irão nortear o Supremo Tribunal Federal e os demais órgãos judiciais do País em casos semelhantes”, afirmou o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso.
COMO VOTARAM
Apesar do esforço, não houve consenso. Assim, 8 ministros declararam o artigo 19 parcial ou totalmente inconstitucional: Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia.
Os ministros André Mendonça, Edson Fachin e Nunes Marques votaram pela validade do artigo 19 e não endossaram a nova tese.
DECISÃO SOBRE “CASOS CONCRETOS”
Durante a sessão, Barroso reforçou que “o tribunal não está legislando”, mas “decidindo casos concretos e estabelecendo critérios que irão prevalecer até que o Poder Legislativo, se e quando entender apropriado, venha a disciplinar a matéria”.
“O tribunal não tinha a opção de se abster de julgar a questão sob o argumento de que não existe uma lei específica ou de que se trata de um tema divisivo na sociedade”, completou o presidente da corte.
CASOS CONCRETOS
A Corte analisou conjuntamente 2 ações. No Recurso Extraordinário 1.037.396 — Tema 987 da repercussão geral, com relatoria de Toffoli —, foi discutida a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exige o descumprimento de ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização do provedor pelos danos decorrentes de atos praticados por terceiros — ou seja, as publicações feitas por usuários.
O caso concreto era o de perfil falso criado no Facebook. Esse pedido teve a preventiva negada pelo STF.
No Recurso Extraordinário 1.057.258 — Tema 533 da repercussão geral, com relatoria do ministro Fux —, era discutida a responsabilidade de provedores de aplicativos e ferramentas de internet pelo conteúdo publicado por usuários, assim como a possibilidade de remoção de conteúdos ilícitos a partir de notificações extrajudiciais.
O caso dizia respeito à decisão que obrigou o Google a apagar comunidade do Orkut. Nesse processo, o plenário aprovou o recurso.