O governo brasileiro oficializou a retirada do país do Pacto Global por uma Migração Segura, Ordenada e Regular. O Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, orientou, nesta terça-feira (8), que diplomatas brasileiros comuniquem à Organização das Nações Unidas (ONU), promotora das resoluções, que o Brasil está fora. O documento do Itamaraty diz ainda que o Brasil não deverá “participar de qualquer atividade relacionada ao pacto ou à sua implementação”.
Negociado desde 2017, e tendo o governo Trump como principal opositor, o movimento, apoiado por 165 países, estabeleceu 23 diretrizes para o acolhimento de imigrantes. “É crucial que os desafios e as oportunidades da migração sejam algo que nos una, em vez de nos dividir”, diz um dos trechos do documento, elaborado pela ONU.
A saída do Brasil representa um alinhamento automático do Planalto ao governo norte-americano, já que Donald Trump havia pressionado alguns países a seguirem seus passos e não assinarem o documento. Entre os países que obedeceram estão Israel, Hungria, Itália, Chile, Eslováquia e, agora, o Brasil. O pretexto adotado para a retirada é que o pacto não respeitaria a soberania dos países participantes. O Brasil se associou à ONU pelas mãos do então chanceler Aloysio Nunes em dezembro de 2018.
Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, já haviam anunciado no Twitter que o país deixaria o pacto. “Jamais recusaremos ajuda aos que precisam, mas a imigração não pode ser indiscriminada”, afirmou Jair Bolsonaro, em sua rede social. O ministro Ernesto Araújo classificou o pacto como um “instrumento inadequado para lidar com o problema (migratório)”, defendendo que “imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”.
O então Ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, criticou a decisão do governo Bolsonaro. Segundo o ex-chanceler, o pacto “não se sobrepõe à soberania dos países” e supõe “uma colaboração voluntária”, pois “não é um tratado, não é uma convenção que cria obrigações jurídicas”. “Eu acho que não é bom. O Brasil tem se distinguido por uma dedicação a temas que têm nos credenciado, que fazem parte do nosso perfil diplomático, que valorizam o Brasil”, disse.
Segundo especialistas, esta medida tem tudo para dificultar a vida dos brasileiros que estão hoje no exterior na condição de imigrantes. É que fora dos auspícios do Pacto Global para a Migração, os imigrantes brasileiros, que já são em número maior do que os estrangeiros no país, passarão por dificuldade ainda maiores do que já passa.
É o que alerta também o professor de relações internacionais Juliano da Silva Cortinhas. “O Brasil não tem um problema sério de migração. Temos uma parcela muito pequena da nossa população composta por migrantes, são cerca de 0,4% de migrantes chegando no Brasil, e temos muito mais brasileiros vivendo no exterior do que estrangeiros vivendo no Brasil. Então, a saída do pacto prejudica mais os brasileiros do que a permanência no pacto”, disse ele.
Recentemente o Papa Francisco também saiu em defesa do Pacto Mundial para a Migração e insistiu que “é preciso ter compaixão com os migrantes”. Falando para milhares de fiéis que compareceram à missa dominical na Praça São Pedro, no Vaticano, Francisco apelou à comunidade internacional a trabalhar “com responsabilidade, solidariedade e compaixão” em relação aos migrantes”.
Para o líder da bancada comunista na Câmara Federal, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a decisão do governo é “absurda e irracional”. O parlamentar, que foi relator da atual Lei de Migração do Brasil (Lei 13.445/17), criticou duramente o abandono do Pacto. “Puro preconceito ideológico e sabujismo aos EUA. Viramos as costas para o mundo e para uma questão humanitária. O governo Bolsonaro tem um compromisso inabalável com o erro. Lamentável!”, afirmou o deputado, em sua conta no Twitter.
Leia abaixo os 23 objetivos que visam à cooperação internacional em relação à imigração:
1- Coletar e utilizar dados precisos e desagregados como base para políticas;
2- Minimizar os fatores adversos e os estruturais que levam pessoas a deixarem seus países de origem;
3- Fornecer informações precisas e oportunas em todos os estágios da migração;
4- Assegurar que todos os migrantes tenham prova de identidade legal e documentação adequada;
5- Aumentar a disponibilidade e a flexibilidade dos caminhos para a migração regular;
6- Facilitar o recrutamento justo e ético e salvaguardar condições que garantam um trabalho decente;
7- Abordar e reduzir vulnerabilidades na migração;
8- Salvar vidas e estabelecer esforços internacionais coordenados em migrantes desaparecidos;
9- Reforçar a resposta transnacional ao contrabando de migrantes;
10- Prevenir, combater e erradicar o tráfico de pessoas no contexto internacional de migração;
11- Gerenciar as fronteiras de forma integrada, segura e coordenada;
12- Reforçar a certeza e a previsibilidade nos procedimentos de migração para triagem, avaliação e encaminhamento;
13- Usar a detenção de migração apenas como uma medida de último recurso e trabalhar para alternativas;
14- Reforçar a proteção, assistência e cooperação consulares em toda o ciclo de migração;
15- Fornecer acesso a serviços básicos para migrantes;
16- Capacitar os migrantes e as sociedades para a plena inclusão e coesão social;
17- Eliminar todas as formas de discriminação e promover o discurso público baseado em evidências para moldar percepções de migração;
18- Investir no desenvolvimento de competências e facilitar o reconhecimento mútuo de competências, qualificações e competências;
19- Criar condições para os migrantes e as diásporas contribuírem plenamente para o desenvolvimento sustentável em todos os países;
20- Promover uma transferência de remessas mais rápida, segura e mais barata e promover a inclusão financeira dos migrantes;
21- Cooperar para facilitar o regresso e a readmissão seguros e dignos, bem como reintegração sustentável;
22- Estabelecer mecanismos para a portabilidade dos direitos de segurança social e benefícios;
23- Fortalecer a cooperação internacional e as parcerias globais para garantir a segurança, ordenação e migração regular.