
Em fala aos magnatas de Davos, na terça-feira (22), Jair Bolsonaro encheu a boca para dizer que o Brasil é o “país da commodities, das florestas e das belezas naturais” – por isso, os monopólios estrangeiros podem vir aqui, tomá-las de nós.
Bolsonaro tinha 45 minutos para falar em Davos. Conseguiu falar seis minutos – mais que isso, seu pensamento não alcança. Trata-se do “pensamento twitter”, inaugurado por Trump, e seguido fielmente por Bolsonaro, que se atrapalha depois das 240 letras.
No Forum de Davos – a cidade onde Thomas Mann ambientou o sanatório ideológico do livro “A Montanha Mágica” – não apareceram Trump nem Xi Jinping, muito menos Vladimir Putin, e nem Macron ou Thereza May ou o presidente indiano, Ram Nath Kovind.
Governantes de alguma importância, somente Angela Merkel, o japonês Shinzo Abe – e, com boa vontade, o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte.
Era, portanto, um fim de feira. O que havia, além desses, era aquele cordão de puxa-sacos do imperialismo, tipo Macri ou um certo Abdo, que se disse presidente do Paraguai.
Bolsonaro, aliás, começou o seu discurso agradecendo “a oportunidade de falar a um público tão distinto”.
Proferiu aqueles lugares-comuns entreguistas de sempre, com a única novidade de ser mais carnal do que aquele ministro argentino que queria ter “relações carnais” com os EUA:
“Buscaremos integrar o Brasil ao mundo”, “vamos abrir nossa economia”, “nossas ações, tenham certeza, os atrairão para grandes negócios”, “estamos de braços abertos”.
Como se a economia do Brasil fosse pouco “aberta” ou pouco subordinada (quer dizer, “integrada”) à dos EUA e outros países centrais.
Ou, mais explicitamente:
“Temos a maior biodiversidade do mundo e nossas riquezas minerais são abundantes. Queremos parceiros com tecnologia para que esse casamento se traduza em progresso e desenvolvimento para todos.”
Desde quando não temos “tecnologia” para explorar nossa biodiversidade e nossas riquezas minerais?
Por que temos de entregar nossa biodiversidade e riquezas minerais, nesse estranho e nada simétrico “casamento” (onde é evidente, para Bolsonaro, qual é o papel ou a função do Brasil)?
Ou: “Conheçam a nossa Amazônia, nossas praias, nossas cidades e nosso Pantanal”.
É claro que isso não é um convite ao turismo. Bolsonaro não estava falando para uma plateia de turistas – estava falando para alguns saqueadores, negocistas, aventureiros, pistoleiros financeiros, e outras raças de marginais, que têm um interesse bem definido quanto à Amazônia, o Pantanal, as praias, etc. (e não é fazer turismo).
Pediu, também, que “o mundo restabeleça a confiança que sempre teve em nós”.
O “mundo”, é claro, para ele, é o dinheiro estrangeiro, os monopólios financeiros estrangeiros.
Porém… desde quando faltou a eles “confiança” em que o governo (o dos tucanos, do PT ou o de Temer) iria privilegiá-los?
Entre 2003 e 2017, entraram no Brasil US$ 856 bilhões e 320 milhões, como “investimento direto”, isto é, para comprar empresas brasileiras (todos os dados estão em BC, “Balanço de pagamentos 1995-2017 – BPM6”).
Na média anual, US$ 57 bilhões e 88 milhões, um aumento de 178% em relação à média anual do governo Fernando Henrique (US$ 20 bilhões e 527 milhões).
Portanto, é mentira que o dinheiro estrangeiro tenha se retirado do país (aliás, “perdido a confiança”) durante o período anterior ou precise de Bolsonaro e sua trupe de cabeças de bagre para entrar aqui.
Nosso problema é exatamente o oposto: retirar a economia interna, a economia nacional, desse abafamento externo.
Pois uma das causas da estagnação do país é a desindustrialização provocada por essa entrada, essencialmente predatória, de dinheiro estrangeiro.
Mas é inútil tentar saber se Bolsonaro diz essas coisas por ignorância ou por mentira consciente.
Na verdade, o que lhe interessa é entregar o país – entre outras razões, porque julga nosso povo, essa mescla que não é muito branca (claro), uma legião de incapazes que, além do mais, quer ter direito à aposentadoria, ao salário mínimo, e a outros privilégios injustificáveis…
Daí as outras promessas aos negocistas da feira de Davos: privatização, isenções de impostos, desregulamentação, “estabilidade” – ou seja, arrocho salarial e pau em quem não gostar – “respeito aos contratos” – com exceção, evidentemente dos contratos de trabalho – “equilíbrio das contas públicas” (ou seja, garantia de que os especuladores vão continuar desequilibrando o Tesouro. através dos juros).
Quanto à corrupção, Bolsonaro foi prudente: o máximo que fez foi apresentar Sérgio Moro como bibelô do governo nessa área (“Aqui entre nós, meu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o homem certo para o combate à corrupção e o combate à lavagem de dinheiro”).
Também, com o seu filho, mais Queiroz, mais o Guedes, mais o Lorenzoni, e sabe-se lá o que aparecendo a todo momento nos relatórios da Polícia e do Ministério Público…
Apesar disso, Bolsonaro afirmou também que nunca foi formado um ministério tão “qualificado” quanto o seu.
As confusões e o bate-cabeça dos primeiros dias de governo comprovam bem como é “qualificado” este governo.
Aliás, alguns “qualificados”, como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, conhecida como a “rainha do veneno”, por suas ligações com a máfia dos agrotóxicos, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, respondem por crimes em suas respectivas áreas. Ela, por fazer negócios com a JBS quando ocupava cargo público, e ele por falsificar carta ambiental em São Paulo para beneficiar grileiros.
E acabou o discurso com a proclamação da crença de que “nossas relações trarão infindáveis progressos para todos”.
Pensando bem, aquele argentino das “relações carnais” com os EUA era mais direto.
S.C.