O músico Evaldo Rosa dos Santos, de 51 anos, foi executado a tiros de fuzil em uma ação de militares do Exército, em Guadalupe, no Rio de Janeiro, na tarde de domingo (07).
A vítima estava com sua família dentro do carro, a caminho de um chá de bebê, quando teve seu carro alvejado por mais de 80 tiros.
Evaldo estava dirigindo um carro Ford Ka branco, junto à sua esposa, o filho de 7 anos, seu sogro Sérgio Gonçalves e uma amiga da família.
Daniel Rosa da Silva, filho mais velho de Evaldo, de 29 anos, relatou que, além dos 80 tiros disparados contra o carro, foram encontradas mais de 200 cápsulas no chão.
Em um primeiro momento, o Comando Militar do Leste (CML) afirmou por meio de nota, que a patrulha se deparou com um assalto e que dois criminosos atiraram contra os militares, que responderam ao ataque.
“Os militares responderam à injusta agressão”, dizia a nota do CML.
A versão inicial, no entanto, foi logo desmentida por testemunhas que presenciaram a execução. A amiga da família, que estava dentro do veículo durante a fuzilaria, contestou a versão do Exército e afirmou que os militares não fizeram nenhuma sinalização – nem pediram que o carro parasse – antes de abrir fogo.
“Eu não vi onde foi o tiro, mas eu acho que foi nas costas. Só que a gente pensou que ele tinha desmaiado no volante. A gente saiu do carro, eu corri com a criança e ela também. A gente saiu do carro e mesmo assim eles continuaram atirando”, declarou a amiga, por telefone, à TV Globo.
“Não tinha blitz, não tinha arrastão, não tinha vestígios de nada, tava normal. A gente tá sem entender até agora”, completou ela.
Segundo o Comando Militar do Leste (CML), a nota inicial, que falava em bandidos que abriram fogo foi emitida a partir das informações iniciais transmitidas pela patrulha.
O Comando não informou porque publicou uma nota, assumindo uma versão falsa, sem investigar o que realmente aconteceu.
Não havia arma alguma no carro. Nem bandidos. Apenas uma família – com um menino de sete anos.
“Para mim, isso é uma execução”, declarou Daniel, filho mais velho de Evaldo. “Foram 80 tiros no carro, mais 200 cápsulas de munição pelo chão. Vão botar o Exército na rua para garantir a segurança? Que segurança foi essa? Acabaram com uma família”.
E, sobre o irmão, que escapou milagrosamente ileso: “Imagina uma criança perguntando o tempo todo pra você: ‘onde está meu pai?’”.
O delegado da Divisão de Homicídios da Polícia Civil, Leonardo Salgado, informou que os militares envolvidos no assassinato saíram rapidamente do local.
O delegado afirmou que não há nenhum indício de que os ocupantes do carro fossem bandidos ou tivessem reagido a abordagem dos militares. A Polícia Civil realizou a perícia no local.
“Tudo indica que houve o fuzilamento do veículo de uma família de bem indo para um chá de bebê. Uma ação totalmente desproporcional e sem justificativa”, disse o delegado.
Vídeo obtido pelo portal Ponte mostra a fuzilaria, seguida pela revolta dos moradores de Guadalupe. “É morador, porra!”, alerta um homem. “O Exército acaba de matar uma família agora”, diz quem registra a ação. “Assassinos!”, grita uma pessoa.
Já em um segundo momento, ainda no domingo (07), após a repercussão do caso, o Comando Militar do Leste (CML) divulgou uma nova nota determinando que todos os militares e testemunhas sejam ouvidos na Delegacia de Polícia Judiciária Militar.
Segundo o CML, já estaria em andamento “uma apuração preliminar da dinâmica dos fatos ocorridos” e que já tinham começado a ser coletados “os depoimentos de todos os militares envolvidos e de todas as testemunhas civis”. O comunicado informou também que toda a investigação estaria sendo supervisionada pelo Ministério Público Militar.
Envolvidos no assassinato são presos
Na manhã desta segunda-feira (08), o Exército declarou que prendeu em flagrante 10 militares envolvidos no fuzilamento. Em nota, o CML disse que além das prisões, os envolvidos foram afastados da corporação em virtude de descumprimento de “regras de engajamento”, depois que foram constatadas “inconsistências identificadas entre os fatos”.
A viúva de Evaldo, Luciana Nogueira, ficou emocionada depois de reconhecer o corpo do marido no Instituto Médico Legal (IML). “O meu filho estava no carro, viu tudo”.
“Ele quer foto do pai. Eu falei que o pai está no hospital. Por que o quartel fez isso? Os vizinhos começaram a socorrer, mas eles continuaram atirando. Eu falei, ‘moço, socorre o meu esposo‘. Eles não fizeram nada, e ficaram de deboche”, disse ela.
Luciana ainda disse que eles escolheram ir por aquele caminho por se sentirem seguros com a presença do quartel. “Eu falei: ali é calmo, ali é nossa área. E eu vi o quartel. Tava protegida, da mesma forma que, quando eu vejo um policial, eu me sinto protegida”, disse. “Eu perdi meu melhor amigo. Eu estava com ele há 27 anos. Adorava música, um homem caseiro, trabalhador. Cuidava de mim como ninguém. Meu deus, meu deus”, repetia.
Luciana afirmou que, mesmo depois de seu marido ter sido atingido, os militares seguiram disparando
“Eles ficaram de deboche. Por que o quartel fez isso? Eu falei para ele: ‘calma, amor, é o quartel’. Ele só tinha levado um tiro. Vizinhos começaram a socorrer. Mas eles continuaram atirando e vieram com arma em punho. Fui botando a mão na cabeça e gritando: ‘moço socorre meu marido’. Eu perdi meu melhor amigo”, disse.
REINCIDÊNCIA
Essa é a segunda vez em menos de 4 dias que homens do exército matam civis desarmados na cidade do Rio de Janeiro.
Na madrugada de sexta-feira, Christian Felipe Santana de Almeida Alves, de 19 anos, foi morto por um tiro de fuzil no peito pelo Exército, em Realengo.
A corporação alegou que o jovem era criminoso e que a atitude tomada foi a ideal, após a moto em que o garoto estava na garupa furar um bloqueio.
A família e as testemunhas negam a versão do exército.
O jovem que conduzia a moto, de 17 anos, declarou que um soldado disse que o tiro acertou Christian porque “o fuzil estava torto”, pois ele queria acertar o pneu.
Christian foi enterrado na tarde de sábado.
No domingo, sua família realizou um protesto na Vila Militar.
AMEAÇA A JORNALISTA
O repórter da Rede Globo, Carlos de Lannoy, foi ameaçado de morte logo após fazer matéria no “Fantástico”, na noite deste domingo (07), sobre a operação do Exército que resultou no fuzilamento do carro da família de Evaldo Rosa dos Santos.
Lannoy compartilhou em sua conta do Twitter, uma mensagem postada em nome de Erik Procópio, enviada a ele minutos depois do “Fantástico” exibir a reportagem. “Mexeu com o Exército, assinou sua sentença! Sua família vai pagar! Aguarde Cartas!”, diz a postagem ameaçadora. Lannoy afirma que levará o caso à Justiça.
Veja o vídeo: