O partido que foi o principal algoz da Espanha sob a Troika e entusiasta do arrocho salarial, da reforma da previdência e da xenofobia, o PP, sofreu a maior derrota da sua história nas eleições desse domingo (28), despencando de 137 deputados para 66 – menos da metade.
Os social-democratas do PSOE sagraram-se vencedores, ampliando sua bancada de 85 para 123. A participação nas eleições foi a maior em dez anos, chegando a 75,4%.
Jornais espanhóis e do mundo inteiro registraram o “colapso do PP”, depois de certa euforia sobre a possibilidade de um governo bem de direita em Madri, que reuniria além do PP os neoliberais reciclados do Ciudadanos (CS) e o “Vox”, agremiação de neofascistas e neofranquistas recém saída do forno, em função dos arroubos do extremismo no mundo inteiro, agravado pelos episódios de contestação na Catalunha e pela decisão do governo de Pedro Sánchez de mandar afinal retirar os restos mortais do ditador Francisco Franco do Memorial Vale dos Caídos e honrar os mortos da Guerra Civil.
“NÃO PASSARÃO!”
O PSOE fez do mote de barrar o Vox o grande estímulo para eleger seus deputados e vencer a eleição. “Quem ganhou foi uma Espanha plural e diversa. É o que vamos construir a partir de hoje”, afirmou o primeiro-ministro Sánchez.
O grande temor para as forças progressistas era a repetição em escala nacional do cenário que passou a existir na Andaluzia em dezembro do ano passado, um governo do PP-CS, com apoio tácito do Vox. O PSOE governava ali há 36 anos.
Diante da sede do PSOE em Madri, uma pequena multidão festejou aos gritos de “Viva a Espanha, viva o socialismo!” e “Não Passarão!”. Logo seguido de “Sim, podemos!” – o grito de guerra do Podemos que, junto com a Esquerda Unida, formou a aliança Unidas Podemos (UP), que inclui os comunistas.
Para a aprovação de um governo Sánchez, são necessários 176 votos no parlamento e, como o PSOE só tem 123, a participação da UP – que conquistou 42 vagas – se torna indispensável.
As duas forças somam 165 deputados e assim será necessário ainda agregar nacionalistas e outros independentes. Com a declaração de vitória, o PSOE passa imediatamente às consultas para o novo governo.
MENSAGEM BASTANTE CLARA
A outra ‘alternativa’ que vinha sendo acalentada na mídia, um governo PSOE-CS, foi repelida aos gritos de “Rivera não”. Rivera é o líder do Ciudadanos. “Bastante clara a mensagem”, acedeu Sánchez
O PSOE governara a Espanha durante os últimos oito meses, com Sánchez como primeiro-ministro de um governo de minoria, graças à sustentação garantida pelos partidos de esquerda e pelos nacionalistas da Catalunha e do País Basco.
A retirada do apoio dos partidos da Catalunha na votação do orçamento em fevereiro acarretou a queda do governo e necessidade de antecipação de eleições, diante das divergências sobre a autonomia catalã e com líderes catalães ainda presos e processados.
O governo Sánchez também decretou aumento de 20% do salário mínimo, num rompimento importante em relação à política de arrocho do ex-primeiro-ministro Rajoy. O sucesso da “Geringonça” no vizinho Portugal, em que foi possível um acordo para alívio do arrocho da Troika entre o PS português e os comunistas e bloquistas de esquerda em troca de sustentação parlamentar, com base em metas concretas pré-concertadas, também vinha sendo um estímulo para avançar nesse sentido.
Outra qualidade do governo Sánchez foi a grande participação das mulheres em seu ministério.
VITÓRIA AMPLA
O PSOE ganhou em quase toda a Espanha, com exceção de quatro pequenas províncias – vencidas pelo PP -, da Catalunha – vencida pelos independentistas da ERC -, e do País Basco, onde a vitória foi dos nacionalistas. Venceu na Andaluzia, onde perdera em dezembro.
O apelo do PSOE ao ‘voto útil’ contra o Vox acabou repercutindo no resultado da aliança Unidas Podemos, agora a quarta força política do país, que fez 42 deputados, de 71 que detinha. “É um resultado suficiente para frear a direita e construir um governo de coalizão das esquerdas”, afirmou o líder do Podemos, Pablo Iglesias. Mesma posição do líder da Esquerda Unida, Alberto Garzón.
Na Catalunha, a Esquerra Republicana (ERC), com 15 deputados, deslocou a agremiação do ex-presidente regional, Carles Puigdemont, que está asilado na Bélgica, cujo partido, o Juns per Catalunya (JxCat), alcançou sete cadeiras. O líder do ERC, Oriol Junqueras, está preso, acusado de sedição contra o Estado espanhol e complô pela independência da Catalunha. O ERC conquistou mais seis cadeiras, e o JxCat perdeu uma.
O El Mundo considerou que esse resultado expressa um deslocamento do eleitorado catalão para uma postura mais moderada na relação com Madri. Foi na Catalunha que mais cresceu a participação em relação ao pleito de 2016 – quase 18% a mais.
VOX XINGA PP DE “DIREITINHA COVARDE”
Dentro do bloco de direita, o Ciudadanos (CS) melhorou sua posição, indo para 51 deputados, o que no momento não servirá de muito para o anseio de ser a nova cara dos neoliberais, sem aquele desgaste todo – além da corrupção – associado ao PP como gestor da cartilha de Frau Merkel. Seu líder, Albert Rivera, se autonomeou novo chefe da “oposição a Sánchez”. A mídia espanhola anda prevendo uma briga de foice, pelo posto, entre a direita.
Já o neofascista Santiago Abascal chamou o PP de “direitinha covarde” e responsabilizou o principal partido conservador pela derrota, acrescentando que “não foi capaz de se opor à esquerda e entregou os meios de comunicação e a educação à esquerda progressista”. Desinteressadas pesquisas de reta final asseveravam que o Vox chegaria a 36-38 deputados, mas não funcionou.
Para o líder que substituiu o detestado Rajoy, Pablo Casado, o jeito foi reconhecer que o resultado foi “muito ruim”, constatação que deve ter requerido enorme esforço intelectual. Como remendo, assinalou que o objetivo do PP é mostrar – a Merkel? a Trump? – “que seguimos como a melhor opção para o futuro da Espanha”. Ele também culpou a “fragmentação da direita” pelo resultado e pediu uma “reflexão” a respeito, lamentando os ataques sofridos (do Vox) no final de campanha.
MARCAS DA CRISE
No ano passado, a Espanha teve um crescimento de 2,5%, acima da média da zona do euro, mas o desemprego continua alto, da ordem de 14% em geral e de 36% entre os jovens. Para os jovens que têm emprego, 30% só conseguem empregos temporários, sendo que metade disso é de menos de seis meses.
A pobreza na Espanha quadruplicou desde 2008, segundo relatório da Oxfam, e a brecha na expectativa de vida entre os que vivem nos bairros ricos ou nos bairros pobres já é de sete anos e Madri e chega a 11 em Barcelona.
Ainda segundo o informe, uma em cada seis famílias de classe média espanhola caiu na pobreza durante a crise, e não saiu apesar da recuperação. É o legado infame do receituário de Berlim, junto com o FMI, para salvar bancos às custas do empobrecimento de milhões. Achaque que foi iniciado pelo próprio PSOE enquanto governo, e levado ao auge por Rajoy.
Pesquisa do Centro de Investigações Sociológicas da Espanha revelou que os entrevistados consideram como principais problemas do país o desemprego (61,8%); a corrupção (33,3%), a política e os partidos espanhóis (29,1%) e a crise na Catalunha (11%). Em maio faz um ano que o escândalo da corrupção do PP, que vinha se arrastando há anos, finalmente estourou e levou à queda de Rajoy e sua substituição por Casado. Também no ano passado ex-ministro da Fazenda e ex-diretor do FMI, Rodrigo Rato, foi condenado a quatro anos e meio de cadeia por fraude de US$ 12,5 milhões no banco Bankia, que dirigia e faliu.
“TRABALHO ÚTIL DE MR. RAJOY”
Nem todos achavam que a vitória de Sánchez estava seriamente ameaçada. A revista dos Rothchilds, The Economist, aconselhou os espanhóis a darem aos socialistas “uma maioria dominante”. Dado o conselho ao populacho, chegou a vez de orientar Sánchez de que, no interesse de “sustentar o crescimento”, muitas reformas precisavam de “mais”. Com base “no trabalho útil de Mr. Rajoy”, a publicação exortou o primeiro-ministro a atacar o sistema de ensino, a previdência, a estrutura política complicada e o mercado de trabalho.
O governo Sánchez também vinha tendo uma política menos desumana em relação aos imigrantes ilegais do que governos como o da Itália, e a Espanha se tornou nos últimos meses a maior porta de entrada de africanos que cruzam o Mediterrâneo.
Conservadores e neofascistas acusaram o governo Sanchez de conciliar demais com os catalães e de estar prestes a aceitar um plebiscito. Na realidade, foram as ações do governo Rajoy, de brutais cortes de verbas que afetaram duramente a Catalunha e de revogação de autonomias já reconhecidas, que abriu caminho para a atual crise.
O que não impediu o PP e o Ciudadanos de, respectivamente, condenarem Sánchez por ser “o candidato favorito dos inimigos da Espanha” e por querer “liquidar a Espanha”. Provavelmente, a opinião do Vox é impublicável.
Em seu discurso da vitória, Sánchez prometeu que seu governo “será de todas as espanholas e todos os espanhóis” e que irá trabalhar por “justiça social” a partir de “nossas ideias de esquerda”. “Não vamos colocar cordões sanitários”, acrescentou, apontando que a “única condição” que exigirá será “respeitar a constituição”.
O PSOE teve 7,4 milhões de votos (26%); o PP, 4,3 milhões (17%); o Ciudadanos, 4,1 milhões (16%); o Unidas Podemos, 3,7 milhões (14)%, o Vox, 2,6 milhões (10%); ERC,1,0 milhão (4%); JxCAt, 497,6 mil (2%) e PNV, 373,5 mil (1,5%). No Senado, o PSOE elegeu 123 senadores, contra 54 do PP – o desastre do parlamento se repetiu na câmara alta -, seguido pelo ERC (nacionalistas catalães), com 10, e o PNV (nacionalistas bascos), com 9.
ANTONIO PIMENTA