O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, conduziu seu partido, o Bharatiya Janata, a uma vitória por larga margem nas eleições na Índia, com dados oficiais mostrando o BJP com 302 dos 542 mandatos em disputa, acima dos 282 de 2014 e dos 272 necessários para a maioria na câmara baixa do parlamento. A contagem de votos só se encerra na manhã desta sexta-feira.
As eleições na Índia foram realizadas em sete fases ao longo de 39 dias, com mais de 600 milhões de indianos votando, no mais alto comparecimento às urnas já verificado: 67%.
O líder do principal partido de oposição – Partido do Congresso -, Rahul Ghandi, reconheceu a derrota e já parabenizou Modi, a quem desejou “sorte”, depois de uma campanha conturbada, marcada por troca de insultos, acusações e fake news.
Ele é o herdeiro da dinastia Nehru-Ghandi, que comandou a luta pela independência da Índia, o regime secularista e a consolidação como país chave do não-alinhamento. O Partido do Congresso perdeu força ao derivar no início dos anos 1990 para o neoliberalismo e sai da eleição em escombros.
“ÍNDIA FORTE E INCLUSIVA”
Modi foi recebido com uma chuva de pétalas de rosa ao chegar à sede do seu partido na noite de quinta-feira, onde foi aclamado por milhares de ativistas. Ao celebrar a vitória nas redes sociais, ele prometeu uma Índia “forte e inclusiva”, em que pese as denúncias sobre o caráter supremacista hindu do seu partido e sobre a xenofobia contra muçulmanos, dalits e outras minorias por parte dos adeptos mais extremados.
O resultado de certa forma é uma reviravolta do quadro precedente, quando o BJP perdeu em dezembro do ano passado eleições em três estados e em janeiro uma greve geral com 150 milhões de pessoas de dois dias parou a Índia contra o desemprego – que é de 30% entre os jovens – e o arrocho.
Também era forte o clima de descontentamento no campo, onde o suicídio de camponeses endividados se tornou comum e com os preços dos principais produtos agrícolas despencando. Dois terços dos indianos ainda vivem em áreas rurais e metade da força de trabalho vive da agricultura, apesar das megacidades como Mumbai ou Nova Delhi. Um quarto da população da Índia vive abaixo da linha da pobreza, mas o país também tem uma classe média gigante, em função do seu mais de 1,3 bilhão de habitantes.
Havia ainda o desgaste causado pela chamada “desmonetização”, o recolhimento e substituição de notas de valor maior, a pretexto do combate à corrupção, que infernizou em 2016 a vida dos indianos num país em que só uma minoria tinha conta em banco e onde as famílias compravam tudo em dinheiro vivo. Também a instituição de novo imposto nacional sobre bens e serviços em substituição aos impostos de 26 estados, que afetou especialmente as pequenas empresas.
Seu governo também foi incapaz de criar os milhões de empregos prometidos em 2014. No ano passado, a Indian Railways anunciou 63 mil vagas; 19 milhões de pessoas se inscreveram. A seu favor, Modi tinha o crescimento de mais de 7% na economia no ano passado, entre os maiores do mundo, acima até do da China.
MARÉ VIRA
Em fevereiro, o ataque com um homem-bomba que matou 40 policiais indianos na contestada região da Caxemira, no Himalaia, e a resposta de Modi, ordenando que fosse bombardeado no vizinho Paquistão o que seria um campo de treinamento de separatistas, virou a maré a seu favor.
O que quase levou a uma guerra entre duas potências armadas nuclearmente, mas afiançou aos olhos dos eleitores a imagem de estadista buscada por Modi.
O atentado tirou do foco da sociedade indiana a discussão sobre o impasse na economia e o aumento da desigualdade, para a sempre não resolvida questão da traumática separação logo após a independência da Índia e fundação do Paquistão.
Como registrou a Reuters, “após o ataque aéreo no Paquistão, quase todas essas questões importantes começaram a desaparecer e os agricultores decidiram votar no BJP”, disse Raghubar Das, 55 anos, que cultiva arroz e trigo nos arredores de Ayodhya, que muitos hindus devotos acreditam ser o berço do deus-rei Rama. “Lembre-se, eles não votaram no BJP, eles votaram em Modi. Todo mundo ama um líder forte”.
SOERGUIMENTO DA ÍNDIA
Imagem também sustentada na conclamação de Modi pelo soerguimento da Índia e a sua postura de reafirmação do país, soberanamente, na cena mundial, onde jamais mostrou subserviência seja a quem for – Putin, Xi Jinping, a rainha Elizabeth ou Trump. Um fato que claramente confirma essa postura é a manutenção da decisão de adquirir o sistema de defesa fabricado pela Rússia – o S-400 -, apesar das fortes pressões da Casa Branca.
Como se sabe, a parcela da Índia – antes dos britânicos – na riqueza mundial em 1700 era quase igual à a Europa. No início do século XX, a “mais brilhante joia da coroa britânica” era o país mais pobre do mundo em renda per capita, segundo o historiador Angus Maddison.
A vitória de Modi começa a repercutir internacionalmente. A Índia já é a terceira maior economia do mundo pelo critério de paridade de poder de compra. Integra a Organização do Tratado de Xangai (com Rússia, China, repúblicas ex-soviéticas da Ásia central e Paquistão), o Brics (com Brasil, Rússia, China e África do Sul) e o Fórum RIC (Rússia, Índia e China), e vem sendo cortejada por Washington para sua estratégia de contenção de Pequim. A parceria com a Rússia vem de décadas e Moscou inclusive cede por aluguel submarinos nucleares à Índia.
Através do Global Times, a China já no dia 20 saudara a vitória de Modi, a quem creditava “a reaproximação entre os dois países”. Após o início do processo eleitoral, a Rússia havia concedido a Modi a maior condecoração russa. Trump se apressou a cumprimentar Modi.
O primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, felicitou Modi pela vitória e manifestou seu desejo de trabalhar com ele “pela paz, progresso e prosperidade no sul da Ásia”.
“ELEITORES VIGILANTES”
Em uma postagem que fez em uma rede social, Modi disse que seus eleitores se tornaram chowkidars (vigilantes) para “proteger a Índia do mal do casteísmo, comunalismo (divisão em etnia), corrupção e nepotismo”.
O difícil é ver o BJP e sua ideologia de supremacia hinduísta e castas sendo capaz de unir o país. Suas alas mais extremistas vem sendo denunciadas por insuflarem linchamentos de muçulmanos e dalits por consumirem carne. Um fanático acusado de planejar um ataque a bomba contra muçulmanos foi eleito parlamentar.
Membros do BJP já anunciaram que vão procurar Modi para nova tentativa de construir um templo hindu no local de uma mesquita demolida por extremistas hindus na cidade sagrada de Ayodhya, em 1992, o que provocou confrontos pelo país inteiro com 2 mil mortos. Fanatismo ainda mais deletério levando-se em conta que a minoria de muçulmanos indiana é de 170 milhões de pessoas.
O obscurantismo também tem proliferado, com alucinadas proclamações de que na antiguidade os hindus já dominavam a aviação, a cosmonáutica e até a genética. E com alterações nos textos de história excluindo protagonistas muçulmanos – além de tentativas de recontar a luta de independência para dar algum papel aos chauvinistas.
Esse chauvinismo hinduísta também ameaça os fundamentos da Índia como nação pluralista e laica. Chamam a isso de “revolução açafrão”. Um dos seus adeptos comentou que Modi “não deu aos hindus o que prometeu, mas colocou os muçulmanos no seu lugar”.
Para o escritor indiano Kapil Komireddi, o papel a que Modi ascendeu é decorrência do despertar grosseiro de muitos hindus quanto ao seu passado, uma resposta equivocada “aos traumas legados pela história, especialmente a divisão da Índia para acomodar as demandas do nacionalismo muçulmano”. Na partilha em 1947, 200 mil pessoas morreram e milhões tiveram que deixar o local em que viviam.
FAKE NEWS A RODO
As fake news tiveram quase o céu por limite durante a campanha eleitoral: os gastos do BJP para impulsionar postagens no Facebook e no Google suplantaram os do Partido do Congresso por 6 para 1, conforme a Reuters, e as histórias eram escabrosas. Raul Ghandi, descendente dos fundadores da Índia moderna, foi acusado de ser “muçulmano”. Sua mãe, Sonia Ghandi, que nasceu na Itália, segundo as fake news “teria mais dinheiro do que a rainha da Inglaterra”. Foram postadas imagens de edifícios na Itália que seriam dela. Pelo outro lado, postagem falsa dizia que o pai de Modi cometia pequenos furtos para sobreviver, que trocava por ouro, e que Modi o teria roubado, provocando sua morte por ataque de coração.
Não só as fake news contaram. Apesar de ser assumidamente um governo voltado para os interesses empresariais, Modi não deixou de lado algumas realizações mais populares. A construção de 100 milhões de sanitários nas áreas rurais, enfrentando um problema sempre adiado. Também lançoou em 2015 o programa “Moradias para Todos”, com a meta de construir 50 milhões de residências até 2020.
Sobre a contradição entre os monopólios privados externos e a indústria nacional, certamente conta ponto para Modi os comentários da agência de notícias britânica que, apesar de reconhecer seus méritos no tocante aos investimentos externos, reproduz reclamação da Amazon – e de outras corporações norte-americanas – de que o governo favorece empresas indianas em detrimento das queixosas. A Índia também tem se mantido firme na defesa da sua indústria farmacêutica, sendo líder nos genéricos, mesmo com todas as pressões de Washington.
ANTONIO PIMENTA