O ministro Sérgio Moro, em áudio enviado ao Movimento Brasil Livre (MBL), pediu desculpas por ter chamado os membros da agremiação de “tontos”, em uma das mensagens publicadas pelo site The Intercept Brasil e pelo jornal Folha de S. Paulo.
A mensagem se refere a uma manifestação promovida pelo MBL em frente ao edifício onde morava o ministro Teori Zavascki, do STF, relator dos processos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
Escreveu Moro ao procurador Deltan Dallagnol, pelo aplicativo Telegram:
“Não sei se vcs têm algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condomínio do ministro. Isso não ajuda evidentemente.”
Essa mensagem é do dia 23 de março de 2016.
Moro, portanto, tem, agora, que decidir se reconhece as mensagens divulgadas por The Intercept como verdadeiras – o que fez, ao se desculpar com o MBL – ou se não reconhece as mensagens como autênticas (como disse em seu depoimento ao Senado).
Entretanto, ele pretende as duas coisas ao mesmo tempo, o que é ridículo. No áudio de agora, diz Moro ao pessoal do MBL:
“Consta ali um termo [tontos] que não sei se usei mesmo, acredito que não, pode ter sido adulterado, mas queria assim mesmo pedir minhas escusas, se eu eventualmente utilizei.”
Para que essas “escusas”, se ele não soubesse que a mensagem é verdadeira?
Mas o próprio fato de dizer “não sei se usei mesmo, acredito que não”, e, ao mesmo tempo, “queria assim mesmo pedir minhas escusas, se eu eventualmente utilizei”, revela o carreirista – e o mentiroso.
É mais importante, para ele, o apoio do MBL do que a verdade.
E como se fosse uma grande ofensa falar em “alguns tontos do MBL”, que estavam, por sinal, fazendo uma tontice (para dizer o mínimo)!
Moro, portanto, com esse áudio, expõe outra característica muito desagradável: o servilismo. Aliás, desde que entrou para o governo Bolsonaro, tais espetáculos se tornaram frequentes.
A reportagem da Folha de S. Paulo – e o texto do The Intercept Brasil – têm o seguinte contexto:
No dia 22 de março de 2016, a Polícia Federal (PF) divulgou uma lista de 279 políticos que receberam dinheiro da Odebrecht.
A lista – uma série de planilhas – fora apreendida no dia 22 de fevereiro de 2016, na casa de Benedicto Barbosa Silva Júnior, conhecido como BJ, presidente da Odebrecht Infraestrutura.
Era uma relação que incluía, por exemplo, 75 nomes do PT, 45 do PMDB, 33 do PSDB e 23 do PP.
Moro, na época, declarou que era “prematura conclusão quanto à natureza desses pagamentos” e lembrou que “não se trata de apreensão no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht e o referido Grupo Odebrecht realizou, notoriamente, diversas doações eleitorais registradas nos últimos anos”.
No que, aliás, tinha razão. Por isso, decretou sigilo sobre o material apreendido – mas ele já fora divulgado pela PF.
Nós mesmos, na época, preferimos nos acautelar, pois as planilhas, nitidamente, e na melhor das hipóteses, misturavam alhos com bugalhos (v. HP 2016 Biblioteca).
A DESGRAÇA
A força-tarefa da Lava Jato tinha conhecimento dessas planilhas havia um mês – até porque a Operação Acarajé (23ª fase da Lava Jato), na qual elas foram apreendidas, foi uma operação da própria força-tarefa – quando a PF as divulgou.
Moro estava contra essa divulgação, com um elemento a mais: depois que o ministro Teori Zavascki o repreendera pelo levantamento do sigilo das conversas telefônicas entre Dilma e Lula, ele estava escabreado.
Seu receio era o de que a divulgação de uma lista onde existiam contribuições eleitorais legítimas da Odebrecht provocasse um tumulto político, fazendo com que o ministro Zavascki atribuísse a ele a divulgação – e retirasse de sua mão alguns processos.
No mesmo dia, enviou uma mensagem ao procurador Dallagnol:
“Tremenda bola nas costas da PF. E vai parecer afronta [ao STF]”
Depois de Dallagnol dizer que não houvera má-fé por parte da PF, Moro respondeu:
“Continua sendo lambança. Não pode cometer esse tipo de erro agora.”
A resposta de Dallagnol foi a costumeira bajulação:
“Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações.”
Depois, Dallagnol escreveu ao delegado Márcio Anselmo, da PF, que investigava a Odebrecht:
“Moro está chateado. Vai apanhar mais do STF, porque vai parecer afronta.”
Mas, em relação a isso, o procurador fez a sugestão óbvia: que a PF analisasse, nas planilhas, o que eram contribuições legais e o que eram propinas.
O delegado respondeu que não via motivos para “tanto alvoroço”.
A resposta de Dallagnol:
“O receio é que isso seja usado pelo STF contra a operação e contra o Moro. O momento é que ficou ruim. Vem porrada.”
Tudo isso foi no dia 22 de março de 2016.
No dia seguinte, depois que o MBL colocou faixas em frente à residência, em Porto Alegre, do ministro Teori Zavascki, chamando-o de “traidor” e “pelego do PT” – por ter repreendido Moro, no caso das escutas telefônicas de Lula e Dilma – o então juiz escreveu a mensagem, que mencionamos, a Dallagnol:
“Não sei se vcs têm algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condomínio do ministro. Isso não ajuda evidentemente.”
A resposta de Dallagnol foi:
“Não sendo violento ou vandalizar, não acho que seja o caso de nos metermos nisso por um lado ou outro.” – e depois disse a Moro que os procuradores não tinham contato com o MBL.
Moro, segundo o The Intercept Brasil, desistiu do assunto.
Cinco dias depois, ele enviou a lista da Odebrecht para o STF, com os processos a que ela estava ligada.
O ministro Zavascki devolveu os processos e manteve no STF apenas as planilhas com nomes de políticos com direito a foro privilegiado.
A história é essa.
A desgraça de tudo isso é que os trechos de mensagens divulgadas são sobre algo em que Moro tinha razão.
Mas isso apenas enfatiza, com as suas desculpas ao MBL, uma motivação muito pouco edificante.
C.L.