“O sistema de detenção de imigrantes cresceu dramaticamente durante o governo Obama, mas Trump o expandiu ainda mais e com um nível de crueldade sem precedentes. Pelo menos seis crianças morreram detidas sob Trump“
AMY GOODMAN E DENIS MOYNIHAN, do Democracy Now!
O que vemos quando olhamos uma criança nos olhos? Até segunda-feira, quase 350 crianças imigrantes permaneciam em condições perigosas e insalubres em um centro de detenção temporário no Escritório de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, em Clint, no Texas. As poucas pessoas fora da agência que podiam vê-las ficaram absolutamente devastadas. Frente à indignação nacional, a agência levou os pequenos a outros lugares, embora no dia seguinte tenham retornado uma centena deles às mesmas instalações.
Quem parece concordar com esta prática de aprisionar crianças é o diretor interino de Imigração e Alfândega, Mark Morgan, a quem o presidente Donald Trump acaba de converter em carcereiro chefe desses jovens, nomeando-o também diretor interino do Escritório de Alfândega e Proteção de Fronteiras.
Em janeiro deste ano, Morgan disse ao apresentador da Fox News, Tucker Carlson: “Eu me aproximei desses indivíduos aos que se chama ‘menores’, de 17 anos de idade ou menos, e olhei para eles. Olhei em seus olhos e disse a mim mesmo: ‘Esses são os que em breve serão membros da gangue MS-13’”.
São poucas as pessoas que têm acesso a essas crianças e jovens, por isso é difícil obter informações precisas sobre o seu bem-estar. Warren Binford, professor de direito da Willamette University, fazia parte da equipe jurídica que expôs as condições de Clint. Binford descreveu o que observou em uma entrevista para o Democracy Now!:
“Quando chegamos lá na segunda-feira de manhã, eles imediatamente nos deram uma lista mostrando que havia mais de 350 meninos e meninas nessas instalações. E então, ao avaliar a lista, ficamos desanimados com a quantidade de crianças muito pequenas que estava retida. Havia mais de cem crianças pequenas presas ali. Imediatamente pedimos aos guardas para começarem a trazer os mais novos e também os que estavam lá há mais tempo. Vimos que havia cerca de meia dúzia de mães adolescentes com seus bebês e por isso pedimos aos guardas para que também as trouxessem”.
A equipe conseguiu entrevistar 60 daquelas crianças. O advogado continuou: “Elas estavam doentes. Elas estavam tossindo. Seus narizes escorriam. Elas estavam muito sujas. Imediatamente começaram a descrever o quão famintas se encontravam”. O horror se aprofundava a cada entrevista que fizeram. “Descobrimos que praticamente ninguém cuidava diretamente das crianças, que elas estavam trancadas nessas celas 24 horas por dia. Em muitas dessas celas existem apenas banheiros abertos. Não há sabão, não há maneira de lavar as mãos. Eles estão sendo alimentados com alimentos processados instantâneos. E muitos deles são obrigados a dormir diretamente no chão devido à escassez de camas colchões e espaço para dormir. Os guardas entregaram as crianças para as crianças mais velhas e disseram-lhes que cuidassem delas”.
Binford continuou seu relato: “Depois do segundo dia de entrevistas com essas crianças tivemos uma reunião urgente em meu quarto de hotel. Perguntamos a nós mesmos o que faríamos com isso, porque alguém ia morrer. Então, ligamos para os advogados responsáveis pelo caso, descrevemos o que havíamos visto e perguntamos o que queriam que fizéssemos. E, pela primeira vez em mais de 20 anos fazendo esse tipo de visita, eles nos disseram para entrar em contato com a mídia a fim de tirar as crianças dessas instalações o mais rápido possível”.
Clara Long, pesquisadora da Human Rights Watch, também fazia parte da equipe. Ela relatou para o Democracy Now! o caso de uma menina de sete ou oito anos. “Perguntei: ‘Com quem você cruzou a fronteira?’ E ela respondeu: ‘Com minha tia’. Imediatamente ela começou a chorar tão forte que não conseguia emitir uma palavra sequer. Enquanto eu tento acalmá-la, acariciando suas costas, vejo que tinha uma pulseira marcada permanentemente com as palavras ‘pai estadunidense’ e um número de telefone escrito”.
Clara Long continuou: “Telefones não são permitidos nessas instalações, mas, naquele momento, tanto eu como os outros membros da equipe simplesmente decidimos: ‘Para o diabo. Vamos começar a fazer chamadas telefônicas. Peguei o telefone, disquei o número e me comuniquei com o pai dela. Ele não tinha a mínima ideia de onde sua filha estava retida”. Long afirma que há muitas crianças detidas pelo Escritório de Alfândega e Proteção Fronteiriça com pais e outros parentes que estão legalmente nos Estados Unidos.
O calvário dos imigrantes e requerentes de asilo foi revelado quando o jornal mexicano La Jornada publicou uma foto de um pai e sua filha, salvadorenhos, afogados no Rio Grande. Ainda se podia ver o pequeno braço dela em volta do pescoço do pai. Oscar Alberto Martinez Ramirez, de 25 anos, e sua filha Valeria, de 23 meses. Eles foram arrastados pela correnteza entre Matamoros, México e Brownsville, Texas, depois de haverem tido o pedido de asilo legal rechaçado na fronteira.
Ao responder uma pergunta sobre a foto, Trump foi previsível e culpou os democratas por sua catástrofe na fronteira. O sistema de detenção de imigrantes cresceu dramaticamente durante o governo Obama, mas Trump o expandiu ainda mais e com um nível de crueldade sem precedentes. Pelo menos seis crianças morreram enquanto se encontravam detidas pelo Departamento de Segurança Nacional de Trump. Antes de 2018, fazia mais de uma década que uma criança havia morrido sob custódia das autoridades de imigração dos Estados Unidos.
Nesta semana se realizaram os dois primeiros debates dos candidatos presidenciais democratas. A menos de uma hora da cidade que sediou a disputa, Miami, em Homestead, Flórida, mais de 2.000 menores desacompanhados estão encarcerados em um centro de detenção com fins lucrativos administrado pela empresa Caliburn. O ex-chefe de gabinete de Trump, general John Kelly, faz parte da junta diretiva. Discutir o destino das crianças imigrantes presas é importante, mas a crise de vida ou morte a que foram submetidas exige uma ação imediata. É preciso abolir todas as prisões de crianças imigrantes. Agora.