Portanto, se não é ofensa, deve ser carinho.
O autor destas linhas é filho de um paraibano, nascido em Cabedelo – embora criado no Rio Grande do Norte – que emigrou para o Rio de Janeiro na década de 30 do século passado, tangido pela fome.
Sou filho de um “paraíba”, mesmo que meu pai tivesse nascido em Alagoas, no Maranhão ou na Bahia. Sei o que é ser chamado de “paraíba”.
No Rio de Janeiro, sobretudo na Zona Sul ou na Tijuca, “paraíba” é o termo pejorativo (e, por isso, racista) que algumas camadas da população – aquelas mais metidas a besta, que se acham muito superiores – usam para se referir aos nordestinos.
É aquele pessoal do samba de Billy Blanco (que, aliás, era paraense, portanto, quase nordestino):
Não fala com pobre,
não dá mão a preto,
não carrega embrulho
Prá que tanta pose doutor?
Todo mundo, no Rio, sabe disso: “paraíba” não designa os paraibanos; é uma forma de rebaixar os nordestinos – pelo menos na cabeça desse pessoal -, assim como seu equivalente em São Paulo (“baiano”).
Algo, portanto, preconceituoso, com ranço escravocrata (“paraíba de obra”), sobretudo em um país onde o principal contingente de trabalhadores da indústria era – se ainda não é – composto por nordestinos.
Na sexta-feira, Bolsonaro foi ouvido (e gravado), quando falava para Onyx Lorenzoni: “Daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada para esse cara”.
O governador do Maranhão – e os demais governadores do Nordeste – já apontaram que essa frase, além de ofender os nordestinos (os “paraíba”), é um atentado à Constituição, a começar pelo seu primeiro artigo, segundo o qual a República Federativa do Brasil é “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal” (v. HP 20/07/2019, Governadores do Nordeste repudiam racismo e retaliações de Bolsonaro).
Entretanto, na sua ridícula palhaçada em frente ao Palácio da Alvorada, disse Bolsonaro para sua claque:
“Tem algum nordestino aí?”
Alguns da claque disseram que sim (claro, para essas coisas é que existe a claque).
“Alguém tá ofendido comigo aí? Atenção, imprensa, tem algum nordestino ofendido comigo aí?”
E a claque:
“Não”
Depois disso, é inevitável dar razão ao governador Flávio Dino, do Maranhão:
“Seria mais digno [Bolsonaro] ter se desculpado. Mas o ódio impede um gesto de respeito e grandeza. Lamento muito. Amanhã há de ser outro dia” (v. Flávio Dino: “Não tenho medo de ditador, de subditador, de projeto de ditador”).
C.L.
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