
Em entrevista em Brasília na quarta-feira (24), o embaixador do Irã, Seyed Ali Saghaeyan, pediu que o Brasil resolva o problema do reabastecimento de combustível aos navios iranianos que estão desde junho aguardando ao largo do Porto de Paranaguá e alertou que Teerã poderá ter que buscar novos fornecedores de milho e soja.
O Irã é o principal parceiro comercial brasileiro no Oriente Médio e o principal importador de milho do Brasil, segundo dados do Ministério da Economia, tendo no primeiro semestre comprado quase um terço do total da commodity exportado. Em carne bovina, o Irã foi o terceiro maior comprador, somente atrás da China e dos Emirados Árabes Unidos.
No ano passado, o Brasil obteve um superávit de US$ 2,2 bilhões no comércio com o Irã, tendo importado apenas US$ 39,9 milhões. No primeiro semestre de 2019, o superávit está em US$ 1,27 bi, com importações de 26 milhões.
“Eu disse aos brasileiros que eles deveriam resolver o problema, não os iranianos”, apontou Saghayan. “Mas se não for resolvido, talvez as autoridades de Teerã tenham que tomar algumas decisões, porque isso é o livre comércio e outros países estão disponíveis”, acrescentou.
Saghayan não falou nisso, mas é evidente, que, quando um país está sob um bloqueio da escala de “zerar a exportação do petróleo”, sua principal fonte de divisas, garantir que os dólares disponíveis se convertam efetivamente em bens essenciais, como comida, é uma questão de vida ou morte.
À DERIVA
Os navios que são alvo do impasse são o Bavand e Termeh, fundeados em Paranaguá (PR), sendo que há dois outros de bandeira iraniana, Ganj e The Finder, na mesma situação em Imbituba (SC). O MV Bavand já está carregado com 48,4 mil toneladas de milho e deveria ter partido para o Irã no dia 8 de junho. O MV Termeh aguarda, desde o dia 9 de junho, o combustível para seguir até o Porto de Imbituba (SC), para ser carregado com 60 mil toneladas de milho a granel.
Sob ordens do governo Bolsonaro, que confessou querer aprofundar a vinculação ao regime Trump, a Petrobrás se recusou a proceder ao fornecimento de combustível para os navios seguirem viagem, sob alegação de isso violaria as sanções norte-americanas contra o Irã e colocaria a estatal como possível alvo da lista negra do Departamento do Tesouro norte-americano.
“COMPLETA SURPRESA”
A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) declarou “completa surpresa” com a questão, acrescentando, conforme seu diretor-geral, Sérgio Mendes, “que os navios das nossas exportadoras continuam exportando normalmente”. Só este ano, até junho, o Irã importou cerca de 2,5 milhões de toneladas de milho do Brasil.
Mendes enfatizou que “comida está fora dessa história, alimento está fora de qualquer processo de sanção”. “Tanto que os navios dos nossos associados estão carregando normalmente”, apontou.
Uma liminar, que havia sido obtida na justiça do Paraná obrigando a Transpetro a fornecer em caráter de urgência o combustível IFO 380 para que os dois navios pudessem regressar ao Irã, foi cassada em caráter preliminar pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, após recurso da Petrobrás, e ainda irá à análise do pleno do STF.
EXCEÇÃO HUMANITÁRIA
O escritório de advocacia que representa a empresa exportadora fundamentou o pedido da liminar no fato de que as sanções de Washington não poderiam impedir a Petrobrás de reabastecer embarcações que transportam milho, já que a própria legislação norte-americana estabelece a “exceção humanitária” no caso de comida, commmodities agrícolas, medicamentos e equipamentos médicos.
A empresa exportadora assinalou ainda, que não está na lista negra do Departamento do Tesouro norte-americano, e que a empresa iraniana é somente dona da embarcação e não tem qualquer relação contratual com a Petrobrás.
Inexiste impasse com o Departamento do Tesouro dos EUA ou com as autoridades portuárias, com toda a documentação de liberação dos navios já fornecida pelas autoridades brasileiras.
Também não há qualquer relação entre a importação de ureia e o fornecimento de combustível pela Petrobrás, pois a importação já foi finalizada e a uréia é um fertilizante comum que a própria estatal comercializa. E por ser uma commodity agrícola, é de livre circulação, mesmo sob as normas norte-americanas invocadas pela direção da Petrobrás nomeada por Bolsonaro.
EXTRATERRITORIALIDADE
A fundamentação da liminar acrescenta mais duas questões. A primeira, o risco para o meio ambiente, a tripulação, o navio, a carga e inclusive outras embarcações fundeadas em Paranaguá, caso o navio fique à deriva.
A segunda, o não reconhecimento pela legislação brasileira da extraterritorialidade de leis norte-americanas – apesar da manifestação, pela Procuradoria-Geral da República, de endosso ao recurso da Petrobrás.
Ou seja, “as restrições de contratação com entidades listadas pelo OFAC [departamento do Tesouro americano que trata de sanções econômicas] são aplicáveis a cidadãos e entidades norte-americanos, não à Petrobras”.
Também foi contestada a declaração da diretoria da Petrobrás de que o não-fornecimento de combustível seria meramente uma “decisão comercial” e que existiriam outros fornecedores – quando a estatal tem o monopólio do combustível específico requerido.
“SEM INTERFERÊNCIAS”
“Países independentes e grandes como Brasil e Irã devem trabalhar juntos sem a interferência de quaisquer terceiros ou países”, concluiu Saghaeyan, que revelou ter solicitado uma reunião com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, visando um solução.
O embaixador disse, ainda, que o Irã está avaliando o envio de combustível para os navios alvo do impasse, acrescentando que tal opção, entre outras desvantagens, levaria mais tempo e seria mais cara.
A.P.
O Brasil voltou a chupar as bolas dos Americanos.