A presidente da Câmara de deputados dos EUA, Nancy Pelosi, anunciou que está abrindo formalmente um processo de impeachment contra o presidente Donald Trump nesta quarta-feira (25), supostamente por ter pedido em telefonema ao novo presidente ucraniano, Volodymir Zelensky, que este ajudasse na investigação sobre ação do ex-vice-presidente sob Obama e atual pré-candidato democrata, Joe Biden, durante o governo Poroshenko, para demitir o procurador-geral Viktor Shorkin, que investigava a corrupção na empresa de gás Burisma, cujo filho, Hunter Biden, fora agraciado com cargo no Conselho de Administração após o golpe da Praça Maidan.
Para Pelosi, o telefonema de Trump violou a integridade do sistema eleitoral norte-americano e a segurança dos EUA. Também na quarta-feira, atendendo a um pedido unânime do Senado, a Casa Branca divulgou um resumo da transcrição do telefonema, que ocorreu em julho.
A jornalistas, Pelosi asseverou que o fato é que o presidente dos EUA, violando as suas responsabilidades constitucionais, “pediu a um governo estrangeiro que o ajudasse na sua campanha política às custas de nossa segurança nacional, além de prejudicar a integridade das nossas eleições”.
Em suma, morto o Russiagate, viva o Ucraniagate.
SÓ COM DOIS TERÇOS
Analistas consideram difícil que o impeachment vingue, já que, se há chance de aprovar a abertura de processo de impeachment na Câmara controlado pelos democratas por maioria simples, são pequenas até aqui as possibilidades de obter os dois terços dos votos necessários no Senado de maioria republicana.
Depois do anúncio de Pelosi, Trump reagiu, pelo Twitter: “Um dia tão importante nas Nações Unidas, tanto trabalho e tanto sucesso, e os democratas propositadamente tiveram que arruiná-lo e depreciá-lo com mais notícias de última hora sobre este lixo da caça às bruxas. Tão mau para o nosso país!”, postou o presidente bilionário depois de discurso sobre o imperialismo ‘patriota’ na 74ª Assembleia Geral da ONU.
Nas Nações Unidas, o presidente Trump e o presidente ucraniano Zelensky, em entrevista coletiva, se referiram ao telefonema em que o mandatário norte-americano é acusado de pressionar o homólogo ucraniano para que investigasse Hunter.
“A mim ninguém me pressiona porque sou o presidente de um país independente. A única pessoa que pode pressionar-me é o meu filho, que tem 6 anos”, afirmou Zelensky. Ele descreveu o telefonema como “normal”. “Nós falamos sobre muitas coisas, então eu acho que vocês leram que ninguém me pressionou”, completou.
Pelo seu lado, o presidente norte-americano ironizou que, “do jeito que isso foi ventilado, aquela ligação, seria a ligação do inferno”. Ao contrário, teria sido “amigável”.
Na terça-feira, Trump assinalou que o pedido de impeachment era apenas “a continuação da caça às bruxas. É a pior caça às bruxas da história política”. O telefonema ocorreu no dia seguinte ao fiasco da conclusão final do investigador especial Robert Mueller no Russiagate.
JOE ‘SONOLENTO’ E SUA CRIA
O estopim da história já circula há muito tempo nas redes sociais, com Biden – que depois recebeu de Trump o apelido de Joe ‘Sonolento’ – contando vantagem de como forçou o então presidente Poroshenko a demitir o procurador-geral Shokin, que estava investigando por corrupção seu filho Hunter Biden e a Burisma.
Trata-se de um vídeo de uma conversa descontraída de Biden pai, no Council on Foreign Relations, aquela valhacouto de golpistas amigos dos Rockfellers, em janeiro do ano passado, em que este revelava como ameaçara a Poroshenko e Yats de que iria embora “em seis horas” e que “se o promotor não for demitido, você não vai receber o dinheiro”. Tratava-se de um empréstimo solicitado pelo regime fantoche a Washington. No vídeo, em meio a risadas, Biden é visto finalizando a história: “bem, o filho da p…. foi demitido”. Shokin foi removido de seu cargo pelo Parlamento ucraniano em 29 de março de 2016.
Dois dias depois, Biden se reuniu com Poroshenko a quem informou a liberação de mais US$ 335 milhões e que Washington se dispunha a conceder as garantias para um empréstimo de US$ 1 bilhão. Ainda segundo o vice de Obama, ele estava no telefone com Poroshenko e Yats, ou ambos, “quase todas as semanas”, por meses.
Quanto à velha receita do ‘siga o dinheiro’, registros bancários dos EUA mostram que a empresa do filho de Biden, a Rosemont Seneca Partners LLC, recebeu transferências regulares da Burisma para uma de suas contas – geralmente mais de US $ 166.000 por mês – da primavera de 2014 ao outono de 2015, período em que o vice-presidente era o principal articulador da Casa Branca com a Ucrânia. As investigações do promotor afastado identificam ainda como beneficiário o parceiro de negócios de Hunter Biden, Devon Archer.
“1 DIA E 1 DÓLAR ATRASADO”
Foi Biden que negociou diariamente com Victor Yanukovich durante a crise de 2014, a quem, segundo se diz, quando este ligou no último momento para reclamar que as gangues da Praça Maidan não estavam cumprindo com o combinado, este lhe respondeu, muito americanamente, que “você está 1 dia e 1 dólar atrasado”. Perdeu, playboy.
Antes disso, Biden dizia sempre a Yanukovich para manter a calma e não reprimir Maidan. Curiosamente, o depois marqueteiro de Trump, Paul Manafort, era um dos gurus de Yanukovich.
Também andaram por aquelas paragens o senador John McCain e a subsecretária de Estado, Victoria Nulan, aquela famosa por nomear “Yats” [Arseny Yatsenyuk] primeiro-ministro pelo telefone e por mandar a União Europeia se f (…..). Distribuíram muitas rosquinhas e notas de cem dólares.
Outras pegadas que conduzem à Ucrânia passam pela notória empresa anti-hackers, a Crowdstrike, que entre suas façanhas esteve envolvida desde o “ataque à Sony Pictures”, passando pelo escândalo do Diretório Nacional Democrata da eleição de 2016, a até mesmo uma alegação de hackeamento de canhões ucranianos por “russos”. Ao conversar por telefone com Zelensky, Trump também pediu a ajuda dele sobre esses vínculos suspeitos com o chamado Russiagate.
“UM FAVOR”
No telefonema, Zelensky demonstra sua disposição de desenvolver os vínculos com o governo Trump, a quem agradece o fornecimento de mísseis anti-tanque portáteis Javelin.
Trump pede a Zelensky “um favor”, acrescentando que os EUA “passou por muita coisa” – uma referência ao Russiagate – e que a Ucrânia “sabe muito sobre isso”, fazendo referência à Crowdstrike. “Eu gostaria que o Procurador Geral ligasse para você ou seu pessoal e que você chegasse ao fundo. Como você viu ontem, todo esse absurdo terminou com um desempenho muito ruim de um homem chamado Robert Mueller, um desempenho incompetente, mas eles dizem que muito disso começou na Ucrânia. Tudo o que você pode fazer, é muito importante que você faça se for possível”.
Ao que Zelensky retruca que “sim, é muito importante para mim e tudo o que você mencionou anteriormente. Estamos prontos para abrir uma nova página de cooperação nas relações entre os Estados Unidos e a Ucrânia”. O novo presidente ucraniano respondeu a Trump que o nome que estava indicando ao cargo de promotor-geral iria “analisar a situação, especificamente a empresa que você mencionou”.
LAMA
Quanto a quem são os culpados, aí depende de quem olha. O senador trumpista Graham Lindsey assevera que “destituir qualquer presidente por causa de um telefonema como este seria coisa de doido”. O líder democrata no senado, Chuck Schumer, considerou a transcrição do telefone “ainda pior do que as alegações do relatório Muller” sobre o Russiagate.
O vazamento do telefonema também atinge o advogado pessoal de Trump e ex-prefeito de Nova Iorque, Rudy Giuliani, e o procurador-geral em exercício, William Barr, que teriam ficado de contatar Zelensky sobre as providências a serem tomadas. Segundo o Washington Post, o diretor interino de inteligência nacional, Joseph Maguire, teria ameaçado renunciar se não pudesse depor livremente no Congresso sobre o caso. Posteriormente Trump não encaminhara a questão junto a Barr ou Giuliani.
Conforme o resumo fornecido pelo Departamento de Justiça norte-americano, Trump dissera a Zelensky que havia “muita conversa sobre o filho de Biden, que Biden parou a investigação e muitas pessoas querem descobrir sobre isso, então tudo o que você puder fazer com o procurador-geral seria ótimo. Trump acrescentou ainda que “Biden vangloriou-se de ter impedido a investigação, então se você puder conferir isso… Parece horrível para mim”.
Já há quem tema que a arenga sobre o telefonema acabe por servir a Trump para se fazer de vítima e manter seu eleitorado fidelizado, e desviando a campanha eleitoral do que realmente importa: os graves problemas que assombram a sociedade norte-americana.