“Valor distribuído a Estados e Municípios é muito pouco diante do que poderiam receber se a exploração e a venda do petróleo no mercado internacional fosse feita pela Petrobrás”
Duas questões vêm sendo levantadas por especialistas para alertar sobre o grave crime que o governo Bolsonaro está prestes a cometer ao decidir retirar da Petrobrás e leiloar, no próximo dia 6 de novembro, os campos de Atapu, Búzios, Itapu e Sépia, localizados nas áreas do Pré-Sal que extrapolaram o limite de 5 bilhões de barris de petróleo que foram comprados pela Petrobrás no contrato conhecido como “Cessão Onerosa”.
PETROBRÁS DESCOBRIU O PETRÓLEO
A estimativa da Agência Nacional do Petróleo (ANP) é de que serão leiloados neste dia, de 6 a 15 bilhões de barris de petróleo, todos eles descobertos pela engenharia, os investimentos e a capacidade da Petrobrás. Este montante só é comparável ao volume contido no Campo de Libra, onde era estimada uma reserva de 8 a 12 bilhões de barris, e que foi leiloada no governo Dilma, em 2013.
A primeira questão, levantada pelo professor do Instituto de Energia da USP e ex-diretor da Petrobrás, Ido Sauer, é a de que a obtenção de R$ 106,5 bilhões com o bônus de outorga – que terá parte de seu valor dividido entre União, Estados e Municípios – é muito pouco diante do volume de recursos que está em disputa nesses campos.
Para ele, a “guerra” que está sendo travada no momento é pelos cerca de R$ 2,4 trilhões em petróleo e gás que podem ser obtidos desses campos.
A segunda questão é trazida pelo consultor da Câmara dos Deputados, Paulo César Ribeiro Lima. Em seu estudo, ele mostra que, além do ganho enorme que as multinacionais terão, como aponta Ildo Sauer, com a diferença entre o preço que elas pagarão pelo do barril no leilão [em torno de US$ 6], somado aos custos de produção – que são baixos [em torno de US$ 10] – e o preço final de venda, que está em torno de US$ 60 no mercado internacional, elas serão beneficiadas ainda com uma isenção bilionária de impostos, garantida pela Lei nº 8.939/2017.
Assim como em Libra – maior campo de petróleo já descoberto até então no Brasil – o regime adotado agora, pelo governo Bolsonaro e seu preposto na Economia, Paulo Guedes, será o de “Partilha de Produção”. Ganhará o leilão o consórcio que apresentar um percentual maior do excedente em óleo para a União.
No leilão de Libra, a União, representada pela Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), empresa criada à época, ficou com 41,65% e as multinacionais com o restante, ou seja, as empresas estrangeiras ficaram com a maior parte das riquezas a serem extraídas.
PETROBRÁS FORA
Na época, a Petrobrás, mesmo minoritária no consórcio formado pela inglesa Shell, a francesa Total e duas empresas chinesas, ainda conseguiu manter-se como operadora única, apesar do início do processo de “desinvestimento” de Graça Foster e Bendine.
Agora, no leilão da Cessão Onerosa, a estatal, administrada por privatistas escancarados, anunciou que só tem interesse em operar os campos de Búzios e Itapu.
Vários especialistas, entre eles o próprio Sauer, defendem que o melhor para o país e para a Petrobrás seria o regime de Contrato de Serviço, adotado em vários países do mundo, e onde todo o petróleo retirado pertence à União. Ela paga em dinheiro ao consórcio pelos serviços de produção, estando embutidos neste pagamento os lucros das empresas envolvidas.
Em alguns casos, a lei 12.351, em seu artigo 7º, parágrafo único, permite, inclusive, que a União contrate a própria Petrobrás, sem nenhum leilão, quando as autoridades considerarem a área como estratégica para o país.
DISTRIBUIÇÃO DAS “MIGALHAS”
O Congresso Nacional aprovou, na noite de quarta-feira (09), a distribuição de parte dos recursos que serão obtidos com o bônus de outorga para Estados e Municípios. Houve uma grande discussão sobre quanto deveria ir para cada unidade da Federação.
Ao final, os parlamentares chegaram a um acordo. Do total de R$ 21,9 bilhões destinados a Estados e Municípios, 15% vão para Estados e Distrito Federal, ou seja, R$ 10,95 bilhões. Estados próximos às jazidas de petróleo ficarão com 3%, ou R$ 2,19 bilhões. É o caso do Rio de Janeiro. Os municípios receberão 15%, ou R$ 10,95 bilhões.
O texto determina os seguintes critérios de distribuição para os estados: dois terços: repartidos de acordo com o Fundo de Participação dos Estados (FPE); um terço: repartido de acordo com a Lei Kandir, um mecanismo que reduz os ganhos de estados produtores e exportadores.
O professor Ildo Sauer classificou de “fim da picada” toda essa disputa por um valor que pode ser considerada, como ele diz, “uma migalha” diante do que esses mesmos Estados e Municípios poderiam receber se a exploração e a venda do petróleo no mercado internacional fosse feita pela Petrobrás.
Grande parte dos recursos obtidos com o diferencial entre o custo de produção da Petrobrás para a extração de um barril de petróleo – que é de US$ 8 a US$ 12 – e o preço final de venda, que está na casa dos US$ 60, poderia ser investido em Educação, Saúde Pública, Segurança, Ciência e Tecnologia, etc.
Quem ganharia seriam exatamente os Estados e os Municípios, hoje sufocados pela politica recessiva e pró-rentismo, adotada a partir de 2013 e agravada com o bolsonarismo.
“Eles comemoram esse valor [R$ 106,6 bilhões] mas quem se apoderar da área vai ganhar de R$ 750 bilhões a R$ 2,4 trilhões ao longo de 20 ou 30 anos. Isso é hipotecar o futuro do país a troco de migalhas”, advertiu o professor da USP.
ISENÇÕES PARA AS MULTINACIONAIS
Por maior que seja o percentual que o consórcio vencedor ofereça à União no regime de partilha, e mesmo se levarmos em conta o montante obtido com o bônus de outorga, a anistia fiscal às petroleiras e as isenções fiscais a que as novas empresas multinacionais terão direito, garantidas pela Medida Provisória 795, que deu origem à Lei nº 8.939/2017, retirarão boa parte de qualquer ganho.
Cálculos feitos pelo consultor da Câmara dos Deputados, Paulo César Ribeiro Lima, apontam para perdas que podem chegar a R$ 1 trilhão em 22 anos, que é o prazo que elas obtiveram para não pagarem o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Além disso serão reduzidos ou zerados o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), Contribuição para o PIS/PASEP, COFINS, Contribuição para o PIS/PASEP-Importação, COFINS-Importação e do Imposto de Importação.
MAMATA ATÉ 2041
Inicialmente as isenções para as petroleiras seriam mantidas até 2022, mas a atuação intensa e descarada dos lobistas das multinacionais em Brasília, garantiu que a mamata perdurasse até 2041.
Ou seja, com o leilão, que o governo pretende realizar dia 6 de novembro, além de reduzir os ganhos do país, pela retirada da Petrobrás do processo de exploração do petróleo, a União, Estados e Municípios perderão recursos bilionários para as multinacionais através das isenções fiscais e perdões de dívidas garantidos pela “nova” legislação tributária, que na época foi chamada de “MP do trilhão”.
Isso sem falar das perdas que esses contratos trarão para as empresas nacionais que deixarão de produzir para a Petrobrás. Isso agravará ainda mais o desemprego no país. As multinacionais que virão explorar o Pré-Sal já têm as suas cadeias de fornecedores em seus países de origem e é delas que elas vão comprar seus equipamentos.
Boa parte desses recursos que estão no fundo do mar na costa brasileira será remetida para os países sedes dessas multinacionais. É para os países de origem dessas multinacionais que será escoado, através da remessa de lucros, o gigantesco excedente econômico existente no Pré-Sal brasileiro. Excedente econômico este que foi apontado, pelo professor Ildo Sauer, como a garantia de desenvolvimento para o Brasil.
SÉRGIO CRUZ
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