A OAB Nacional divulgou uma nota técnica, em conjunto com a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), sobre a Medida Provisória 927, editada por Bolsonaro, que altera relações de trabalho durante o período de epidemia do coronavírus.
No documento, a OAB afirma que a MP viola garantias mínimas asseguradas ao trabalhador ao permitir “negociação individual”, sem a participação de sindicatos e associações representativas, possibilitando redução dos salários e de direitos.
Para a entidade, a MP “produz efeitos brutais que violam garantias mínimas que a Constituição brasileira assegura aos trabalhadores, sobretudo com prejuízos severos à renda dos trabalhadores e à sua integridade física. O conteúdo da MP 927, por outro lado, extrapola de modo perigoso os limites da decretação de calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6/2020, assim como o alcance da emergência de saúde pública decretada pelo Ministro da Saúde, conforme a Lei nº 13.979/2020. Além disso, as alterações legislativas decorrentes da MP 927 representam, comparativamente, caminho oposto ao adotado por países europeus cujas regulações trabalhistas tradicionalmente inspiram o nosso Direito do Trabalho, como Itália, França, Espanha e Reino Unido, que embora assolados pela mesma situação catastrófica, buscam preservar a capacidade econômica dos trabalhadores e a base de consumo da sociedade”.
A nota ressalta que “a MP 927, em desarmonia com os princípios elementares do Direito do Trabalho e com o texto da Constituição da República, passa a fomentar a celebração de acordos de trabalho individuais, de maneira exagerada e prejudicial aos trabalhadores (art. 2º). Além disso, o empregador passa a ter poder exclusivo sobre matérias tipicamente coletivas, como a prorrogação de convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 30). Nesses dois aspectos, resultam transgressões evidentes a comandos constitucionais que caminham no sentido de condicionar excepcionalidades que possam resultar em redução salarial, aumento exaustivo da jornada de trabalho ou extensão de normas coletivas sem entendimento prévio entre empregadores e trabalhadores, representados por seus sindicatos representativos (art. 7º, IV, X, XIII, XIV e XXVI; art. 8º, III e VIII, da Constituição brasileira). Um dos elementos centrais do Direito do Trabalho se extrai precisamente da irrenunciabilidade, razão pela qual não se pode admitir medidas prejudiciais ao trabalhador que venham a ser impostas ao alvedrio do empregador ou concretizadas em acordos individuais nos quais não haja o necessário equilíbrio entre as partes (art. 468 da CLT). Não fosse por todas essas inegáveis transgressões do sistema constitucional brasileiro, o art. 2º da MP 927 viola também o disposto no art. 4 da Convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo texto busca privilegiar a utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego”.
Para a presidente da Abrat, Alessandra Camarano, “a MP destrói e mitiga todas as relações de trabalho e traz prejuízos para a classe trabalhadora. Sem a participação de sindicatos, a medida permite a redução de salários, antecipação de férias, férias coletivas e uso do banco de horas. Chama a atenção a autorização para empregado e empregador celebrarem acordos individuais que terão preponderância sobre os demais instrumentos normativos e negociais, contrariando a Constituição. Esse é um precedente perigo que viola normas internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, afirma.
A nota é assinada pelo presidente Nacional da OAB, Felipe Santa Cruz; pelo presidente da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CNDS/CFOAB, Antonio Fabrício de Matos Gonçalves; pelo membro da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CNDS/CFOAB, Mauro de Azevedo Menezes e pela presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas – ABRAT, Alessandra Camarano.