Em meio à recomendação de isolamento social em decorrência da pandemia de coronavírus, uma falta repentina de botijões de gás de cozinha tem provocado filas em distribuidoras na região metropolitana de São Paulo.
Empresas citam alta repentina na procura pelo botijão e menor abastecimento.
Nas zonas norte e leste da capital paulista, moradores relatam dificuldades para encontrar o produto desde a quarta-feira (27).
O supervisor de manutenção aposentado Gilberto Silva, de 58 anos contou que algumas distribuidoras aumentaram o preço em cerca de 50%. “Na Brasilândia (zona norte) estavam vendendo o botijão a R$ 120”.
Segundo a ANP, até o sábado passado (21) o consumidor da capital paulista pagava em média R$ 67,80 por um botijão de 13 quilos. Esse valor dava um lucro médio de 35% às revendedoras, que pagavam em torno de R$ 50 por botijão nas distribuidoras de gás.
A professora Alvirene Góes afirma ter pago, ontem, bem mais no bairro onde mora, na Vila Jacuí, zona leste: R$ 230. “Eu nem estou pensando em estocar. Meu gás simplesmente acabou. A gente foi tentar buscar, e em todo lugar o preço estava absurdamente alto, mas não tive escolha, tive que pagar”, diz.
A reportagem conferiu os preços em um aplicativo de delivery de botijões, o ‘Chama’, entre o sábado (28) e a segunda-feira (30). Na região central de São Paulo, os preços variavam de R$ 80 a R$ 120, o valor varia de acordo com a distribuidora. Nos bairros do Limão, Mandaqui e Tucuruvi, por exemplo, todos da Zona Norte, cada botijão custava entre R$ 90 e R$ 140.
O aplicativo permite a comparação dos valores do produto e aponta que, durante o período de isolamento, o valor do botijão de gás pode aumentar até 35% na cidade.
Segundo o aplicativo, que tem 2.000 distribuidoras cadastradas, em São Paulo a média de preços do botijão de 13 quilos no início de março, antes da quarentena, era de R$ 71. Agora, o botijão não é encontrado por menos de R$ 81 na cidade.
Os preços abusivos foram encontrados em diversas regiões da capital. Itaquera, na zona leste, não foi encontrado por menos de R$ 90,00. Na Lapa, na oeste, não havia oferta menor que R$ 88,00.
DISTRIBUIÇÃO
Um funcionário de uma distribuidora contou para a Hora do Povo que as empresas que operam no envasamento dos botijões, como Consigaz e Ultragaz não estão entregando de acordo com a demanda pedida. “Peço 400, mas só chegam 150”. Ele também apontou que “as pessoas estão estocando botijão com medo do desabastecimento”, o que dificulta ainda mais.
Neste mesmo contato, o funcionário apontou que “as empresas estão com dutos em reforma e não estão conseguindo envazar em Mauá (cidade da região metropolitana de São Paulo), que tem uma alta capacidade de envasamento de botijões. Estão trazendo de cidades do litoral, como Santos, ou do interior, que tem menor capacidade de envasamento”.
Segundo ele, este seria o motivo para a falta de botijões na capital e em outras cidades da região metropolitana, somado ao aumento da demanda, já que mais pessoas estão ficando constantemente em casa, além daquelas que resolveram estocar o produto.
A questão levantada pelo funcionário não é mencionada pelas empresas de envasamento. Segundo elas, a entrega aos revendedores está normal e o problema é somente o excesso de compra do consumidor.
A Consigaz diz que tem entregado aos revendedores quantidades de botijões superiores ao planejado para o período e, mesmo assim, tem sido insuficiente. “O consumidor deve estar antecipando a compra de gás ou até adquirindo um botijão de reserva, o que é desnecessário”, informou a empresa.
A Ultragaz também fala em aumento da demanda. “Para dar uma ideia, na Grande São Paulo, só a Ultragaz comercializa 1,5 milhão de botijões de 13 quilos por mês. Somente na última semana, além da demanda normal, houve aumento de 300 mil botijões adicionais.”
A empresa disse repudiar a prática abusiva de preços e informou que orienta revendedores em relação ao tema. A companhia pede que consumidores fiquem em casa e utilizem o telefone e canais de venda online para os pedidos. Em nada fala sobre menor entrega por problemas em dutos.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), o disparo nos preços é um problema pontual. “O abastecimento está normal. Em alguns lugares pode ter faltado botijão porque houve aumento da demanda, por dois motivos: primeiro, as pessoas estão comendo em casa, gastando mais gás; o segundo motivo é que possivelmente também tem gente estocando, desnecessariamente, devido à quarentena”, informou a agência.
De acordo com o Sindigás, o sindicato das empresas de gás, a demanda pelo botijão de gás está elevada, o que gerou um atraso momentâneo em alguns locais, com filas dos revendedores para retirar o produto.
“O consumidor antecipou suas compras, gerando uma corrida desnecessária para a compra do botijão. A situação está sendo monitorada permanentemente. As alterações necessárias para adequar o suprimento estarão concluídas no prazo de uma semana a 10 dias”, comentou o sindicato.
O Sindigás aponta, também, que não há motivos para uma corrida dos consumidores em busca do botijão de gás. “Esse movimento gera a sensação de escassez, que não é real, e pode desencadear a subida dos preços, que são livres em todos os elos da cadeia do gás.”
A Liquigás, a empresa de distribuição de gás de cozinha, subsidiária da Petrobrás no seguimento, não emitiu nenhum comunicado sobre o problema enfrentado em São Paulo.
Em novembro de 2019, a Liquigás foi vendida por R$ 3,7 bilhões para o grupo formado por Copagaz, Itaúsa (holding de investimentos do Itaú Unibanco) e Nacional Gás Butano. Sua privatização faz parte do plano de entrega do patrimônio público ao setor privado de Bolsonaro.
A venda ainda precisa ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
PRIVATIZAÇÃO
A crise de abastecimento enfrentada agora, em meio à pandemia do novo coronavírus é mais uma prova de que o serviço privado em nada é melhor que o público e que na verdade piora a qualidade do atendimento prestado a população.
Não existem bilhões que sejam justificáveis com a falta do insumo básico para o povo poder se alimentar com dignidade. O consórcio que comprou a Liquigás se tornou o maior do Brasil no seguimento, após a compra da estatal.
A Petrobrás afirma que o abastecimento de gás está normal em todo o país, assim como as entregas estão sendo realizadas normalmente nos pontos de fornecimento, conforme informado às distribuidoras. A empresa ressalta que não há qualquer necessidade de estocar botijões de gás neste momento, pois não haverá falta de produto para abastecer a população.
As importações adicionais se somarão às produções atuais das refinarias da região Sudeste com a chegada de três navios no Porto de Santos previstas para os próximos dias, segundo divulgou a Petrobrás.
MAÍRA CAMPOS