Ainda não recuperado da devastação causada pelo terremoto de 2010, o Haiti enfrenta as primeiras mortes causadas pela chegada do Covid-19 fechando escolas, centros de treinamento vocacional e universidades e decretando toque de recolher das 20 até às 5 horas na tentativa de conter o alastramento da tragédia.
O coordenador humanitário da Missão da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti, Bruno Georges Lemarquis, alerta para o sistema de saúde extremamente frágil existente, de “capacidade limitada” a tão somente 31% dos seus 10 milhões de habitantes. Uma estrutura precária que nega a possibilidade de confrontar minimamente a expansão do vírus.
Em meio ao caos, os preços dos medicamentos dispararam 29% e os de atenção médica 15%, “ficando tudo muito mais difícil para as mulheres e crianças”, denuncia Lemarquis, alertando para as péssimas condições das redes de água e saneamento básico.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), 60% das residências não têm sequer água e sabão e dois terços dos locais não tratam a água antes de bebê-la, ampliando o risco de contágio por um conjunto de enfermidades. A OMS manifestou sua “preocupação” por um sistema que “carece dos recursos e da capacidade para responder de forma adequada se os casos seguirem aumentando”.
“Suponho que o coronavírus já estava circulando por aqui antes e receio que o que esteja por vir seja muito preocupante. Se está sendo muito difícil para todos os países, acho que já devemos estar alarmados com o que acontecerá no Haiti”, disse Conor Shapiro, diretor-geral da Health Equity International, ONG que oferece assistência médica no país.
Haiti era o país mais pobre do Hemisfério antes mesmo do terremoto que matou mais de 316 mil pessoas, deixou mais de 1,5 milhão de desabrigados, e colocou dois terços dos seus habitantes em extrema pobreza e sem acesso à água potável. O sismo trouxe um surto de cólera, que ceifou a vida de mais 10 mil e se tornou endêmico.
“Tantas pessoas vivendo em moradias superlotadas, sem água corrente ou sabão, incapazes de estocar alimentos e de comer se não trabalharem… Acho que a epidemia de cólera predisse o que pode acontecer agora: o Haiti passou por tudo o que é de ruim em sua história. O pesadelo será pior que o da Itália”, diz Brian Concannon, fundador do Instituto de Justiça e Democracia no Haiti (IJDH).
Mais de seis milhões de haitianos vivem por debaixo do nível de pobreza – e mais de 2,5 milhões estão nos níveis extremos – com menos de US$ 1,23 por dia. Para todos eles encarar a quarentena sem um significativo apoio da comunidade internacional representará piorar ainda mais sua situação, multiplicando as mortes por fome.