A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) divulgou nota em que avalia a Medida Provisória 936 que institui o “Programa de Manutenção do Emprego e da Renda” (MP 936), divulgada na noite desta quarta (01) pelo governo Bolsonaro.
Na nota, assinada pela presidente da entidade, Noemia Porto, divulgada nesta quinta (02), os magistrados criticam a imposição de negociação coletiva prevista da medida para os trabalhadores que recebem remuneração de até R$ 3.135.
Para a entidade, “em momento de alta fragilidade, pelas incertezas sociais e econômicas, colocar pessoas com medo para negociarem sozinhas. Isso não é negociação. Será sempre imposição.”
Para a entidade “num cenário de crise, é de que a prioridade das medidas governamentais se dirija aos mais vulneráveis, notadamente, aqueles que dependam da própria remuneração para viver e sustentar as suas famílias. Tais medidas devem ser, além de justas, juridicamente aceitáveis”.
A Anamatra afirma que a MP 936 desconsidera a realidade social do país, com milhões de trabalhadores em situação de vulnerabilidade que se agravou ainda mais com a crise sanitária que atravessamos e que necessitam do trabalho para sobreviver.
A MP insiste “em acordos individuais entre trabalhadores e empregadores; na distinção dos trabalhadores, indicando negociação individual para ‘hiperssuficientes’”.
A MP descola a remuneração do contrato de trabalho e estabelece uma “ajuda compensatória mensal” aos trabalhadores com o contrato suspenso em empresas que tiveram “receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais)”, diz o texto da MP.
Para a Anamatra isso “redundará no rebaixamento do padrão salarial global dos trabalhadores e das trabalhadoras. Tudo isso afronta a Constituição e aprofunda a insegurança jurídica já decorrente de outras mudanças legislativas recentes”.
“A Constituição de 1988 prevê, como garantia inerente à dignidade humana, a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, IV). Por isso, a previsão de acordos individuais viola a autonomia negocial coletiva agredindo, primeiro, o sistema normativo que deve vincular todos os Poderes Constituídos e, segundo, a Convenção nº 98 da OIT, que equivale a norma de patamar superior ao das medidas provisórias”, afirma a nota.
Os magistrados denunciam que a “medida provisória não pode eliminar, alterar ou desprezar a lógica desse diálogo das fontes jurídicas, que ocorre, aliás, em outros campos do direito”.
“A Constituição reconhece as convenções e acordos coletivos de trabalho em seu art. 7º, XXVI, como autênticas fontes de direitos humanos trabalhistas, permitindo que incrementem a condição social dos trabalhadores e das trabalhadoras (art. 7º, caput). Portanto, em autêntico diálogo das fontes normativas, a prevalência de acordos individuais ou de acordos coletivos depende da melhor realização da finalidade de avanço social”, continua a nota.
Ao diferenciar os trabalhadores e as trabalhadoras, para permitir acordo individual, em detrimento da necessidade de negociação coletiva, para casos de trabalhadores que o governo considera que recebem remuneração superior e tenham curso superior, nega a força normativa da Constituição e do Direito do Trabalho. “A proteção jurídica social trabalhista, como outras proteções jurídicas, é universal, e não depende do valor do salário dos cidadãos”, diz nota.
A Anamatra afirma que a medida tensiona e tenta transformar os preceitos constitucionais de maneira ilegítima, uma vez que “a preservação e o prestígio dessa mesma ordem que, ao garantirem a harmonia das relações sociais e trabalhistas, permitirão ao País uma saída mais rápida e sem traumas desta gravíssima crise”.
Os magistrados do trabalho afirmam que, ao contrário de atacar os salários dos trabalhadores, são necessárias medidas que reforcem a Constituição Federal com medidas diferenciadas “para as micros e pequenas empresas, que podem ser beneficiadas com a suspensão de débitos de natureza fiscal, creditícia e administrativa, que poderia se constituir em um grande pacto de desoneração dessas empresas, com o objetivo de que consigam, como contrapartida, manter os empregos”.