“Desemprego em massa é uma escolha política” do governo Trump, denuncia parlamentar democrata: não se vê isso na Europa assolada pelo coronavírus
Quase 22 milhões de norte-americanos pediram o seguro-desemprego desde o meio de março, quando os Estados Unidos se tornaram o epicentro da pandemia do novo coronavírus, e já têm 30% dos mais de dois milhões de contágios confirmados no mundo e mais de 34 mil mortos.
Assim, foram ceifados no intervalo de um mês todos os empregos criados após o crash de 2008.
“Esse dramático salto nos pedidos de seguro-desemprego é uma peculiaridade americana. Em quase nenhum outro país os empregos estão sendo destruídos tão depressa”, advertiram os economistas Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, da Universidade da Califórnia.
Para a deputada democrata Pramila Jayapal, “desemprego em massa é uma escolha política” do governo Trump.
Como ressaltaram Saez e Zucman, em recente artigo no New York Times, “não há nada de eficiente em deixar a taxa de desemprego subir para dois dígitos”. Como esses demitidos tinham plano de saúde pago pelo empregador, boa parte deles ficou, ainda, sem direito à assistência médica em plena pandemia. São mais de nove milhões – e suas famílias – nessa condição.
“GRIPE COMUM”
Na medida em que a farsa da “gripe comum” dos comícios de Trump foi desautorizada pela verdade evidente dos contágios em massa em Nova Iorque e dos hospitais apinhados, tornou-se inadiável – a contragosto da Casa Branca – a instauração de quarentena e consequente fechamento dos serviços não essenciais, das escolas e de quaisquer fontes de aglomerações.
Para grande parte dos trabalhadores desses setores, na medida em que não foram criados mecanismos de salvaguarda do emprego ou só tardiamente anunciados, a única saída foi recorrer ao seguro-desemprego.
Na alternativa encontrada pela Grã Bretanha, Dinamarca e outros países europeus, evitou-se esse desemprego em massa através de, em essência, o governo passar a pagar 80% ou 90% da folha de salários.
PROTEÇÃO DO EMPREGO
“Mundo afora os governos estão protegendo o emprego”, destacaram Saez e Zucman. “Os trabalhadores mantêm seus empregos, mesmo nas indústrias que estão fechadas, e o governo cobre a maior parte do salário através de pagamentos diretos aos empregadores”, destacaram.
“Salários, são, em efeito, socializados durante a duração da crise”, destacaram. Não pode ser uma alternativa assim tão difícil já que, na Grã Bretanha, foi adotada por um governo conservador, cujo primeiro-ministro é Boris Johnson, muito apreciado por Trump.
Jayapal apresentou um projeto de lei para implantar nos EUA esse esquema que se mostrou mais eficaz em manter os empregos em países europeus e que conta com o apoio de sindicatos e pequenas e médias empresas, de acordo com o portal Common Dreams.
Como assinalaram Saez e Zucman, quando acabar o distanciamento social na Europa, as pessoas serão capazes de voltar a trabalhar, “como se tivessem estado em uma longa licença paga pelo governo”, enquanto os trabalhadores norte-americanos estarão penando e esperando a economia se recuperar para aparecer uma chance de emprego.
Pela proposta da deputada, o governo garantiria às empresas condição de cobrir os salários de seus empregados até o teto de US$ 100 mil anual, enquanto durar o distanciamento social.
ASSOMBROSA SANGRIA
Na semana que terminou em 11 de abril, foram 5,2 milhões de pedidos de seguro-desemprego, enquanto nas semanas precedentes foram, respectivamente, 6,9 milhões, 6,6 milhões e 3,3 milhões.
São números assombrosos, só vistos na Grande Depressão dos anos 1930. De acordo com a Associated Press, economistas temem que a taxa de desemprego possa chegar a 20% em abril, o que seria “a taxa mais alta [de desemprego] desde a Grande Depressão”.
Como destacou a economista Heidi Shierholz, do Instituto de Política Econômica (IPE), esse total de pedidos de seguro-desemprego é “mais de cinco vezes maior do que em qualquer período de quatro semanas da Grande Recessão de 2008”.
A impressão que fica é de os EUA estarem diante da catástrofe do Katrina, misturada com a Grande Depressão. “Esta crise combina a escala de uma retração econômica nacional com o passo de um desastre natural”, disse o economista Daniel Zhao à Associated Press.
Shierholtz assinalou que, apesar de algumas provisões cruciais, o pacote de março “não é páreo para o dano que a economia está enfrentando”. “É preciso fazer mais”, enfatizou.
“Neste ponto parece que mesmo sob o melhor cenário – uma rápida retomada na segunda metade do ano – a taxa de desemprego ainda estará perto de 10% no quarto trimestre do ano”, apontou a economista, que pediu ao Congresso dos EUA que aja para mitigar o dano.
Há o agravante, que tem sido insistentemente alertado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de que a suspensão apressada da quarentena, antes que estejam dadas as condições de proteção do sistema de saúde e de realizar testes em massa e rastreamento de contatos, possa precipitar uma segunda onda de contágios e consequente segunda quarentena, com danos ainda maiores à economia. Ainda não há vacina nem tratamento comprovado contra o coronavírus.
Enquanto o país é arrastado para esse turbilhão, o governo federal anda ocupado com coisas como atrasar o envio do cheque de ajuda aprovado pelo Congresso para todos os cidadãos norte-americanos, para que o nome de Donald Trump seja impresso nele, segundo os jornais norte-americanos.