JOÃO VICENTE GOULART (*)
A política externa do multilateralismo, praticada nos países latino americanos nas décadas dos anos 1950 e início dos anos 1960, deixou, além da compreensão da extensão diplomática, uma concepção de soberania entre os povos, que iniciavam naquele ocasião a proposta de um novo tipo de relações mais fraternas entre os povos de diferentes culturas.
Começavam, naquele período, a surgir posições de países não alinhados do eixo Leste-Oeste, a partir da Conferência de Bandung, na primeira reunião de cúpula, que começava a rejeitar o alinhamento ideológico às grandes potências, como opção de política externa.
Jango, naquele oportunidade, em agosto de 1961, a convite do Presidente Mao-Tsé Tung, visitava a República Popular da China como o primeiro líder latino-americano, iniciando na oportunidade o pioneirismo do entendimento multilateral com aquele país oriental então com 800 milhões de habitantes.
Desta relação pessoal surgiu, posteriormente, após o golpe de 64, o estabelecimento de relações diplomáticas pela ditadura brasileira que entendeu, após a visita de Nixon, dez anos após a visita de Jango, que as relações com a China Popular, dada a importância de seu comércio, teriam que superar a política de não alinhamento, com os países ditos “comunistas”.
Na Argentina deu-se essa relação com o povo chinês pelo líder argentino, já no exílio, Juan Domingo Perón, também muito antes do estabelecimento oficial de relações diplomáticas, acontecidas em 1972 pelo ditador militar argentino, General Alejandro Augustín Lanusse.
Escreve Perón a Mao, naquela oportunidade:
“CHINA POPULAR”, escribe Perón, así, con mayúsculas, es un “ejemplo’ y la “base inconmovible de la Revolución Mundial”. Dice que su caída, en 1955, se debió a “la acción nefasta del imperialismo”; que impidió “que nosotros cumpliéramos la etapa de la Revolución Democrática a fin de preparar a la socialista”.
Esta introdução ao momento político, das relações internacionais, antes do estabelecimento de relações oficiais entre Brasil, Argentina e a República Popular da China, nos mostra como foram importantes as participações de líderes visionários com aquele povo asiático, uma solidariedade que até hoje perdura.
Há três dias atrás, após uma gestão solidaria a pedido do governo argentino, através da vice-presidenta Cristina Kirchner, o presidente da China, XI Jinping, veio ao telefone e fez questão de lembrar à vice-presidente, que durante a sua juventude, como membro das brigadas do líder Mao Tsé Tung, sendo um camponês, teve de viver em um buraco no seu pequeno povoado de Liangjiahe, junto a sua família na China central, que naquele momento sofria uma penúria econômica, dado a guerra civil.
Xi Jinping, lembrou Cristina que quase não tinham o que comer naquela difícil situação, e que a primeira comida decente em muitos anos, foram umas latas de alimentos que chegaram da Argentina, e que fora uma doação do Partido Justicialista argentino, em ajuda à resistência do povo chinês.
Essa atitude, diz Xi, foi algo que nunca esqueceu, e que hoje, sem dúvidas, o povo argentino pode contar com a doação de 15.000 respiradores e 14 toneladas de insumos médico-hospitalares, que estão em caixas com a inscrição de uma frase de Martín Fierro, em espanhol, onde se pode-se ler: “Que los hermanos sean unidos, esa es ley primera…” e, posteriormente, em mandarim: “En agradecimiento al pueblo que alimentó a un muchacho pobre y campesino que hoy les quiere retribuir”.
“Los Hermanos” começam a operação de trazer para o seu país, através de sua companhia estatal, do povo argentino, Aerolíneas Argentinas”, essa doação, com sabor histórico da relação profunda entre os homens, entre os povos e principalmente entre a opção de solidariedade e a opção do confronto.
Esse exemplo nos mostra o quanto a distância da solidariedade e da fraternidade não só entre os diferentes povos, mas principalmente entre o nosso povo, dividido pelo discurso de ódio, é prejudicial ao país. A boçalidade que o governo Bolsonaro vem realizando para provocar a insubordinação social, o caos político, o desprestígio de nossas instituições democráticas e, assim, provocar uma ruptura que lhe dê sustentação para um golpe de Estado, também nos alerta que devemos estar preparados, e dizer a este governo, que conhecemos o caminho da resistência.
João Vicente Goulart
Diretor IPG – Instituto Presidente João Goulart