O embaixador chinês junto à ONU em Genebra, Chen Chu, classificou as repetidas acusações do secretário de Estado, Mike Pompeo, culpando a China pela pandemia do novo coronavírus, de tentativa de “desviar a responsabilidade” em meio à falha do governo Trump de “conter a disseminação do vírus nos EUA”, país que se tornou o campeão mundial de mortos e contágios de Covid-19.
Como apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos especialistas do mundo inteiro, inclusive o principal infectologista dos EUA, Dr. Anthony Fauci e até mesmo pelo Diretor interino de Inteligência Nacional norte-americana, Richard Grenell, o novo coronavírus “não foi feito nem manipulado em laboratório”, e surgiu como outras epidemias anteriores, passando de animais que agiram como hospedeiros para humanos, como o HIV, o Ebola e o SARS antes.
Mas com 75 mil mortos pela Covid-19, aos quais se somarão não se sabe quantos mais, já que estão reabrindo a economia sem controlar a pandemia, 1,2 milhão de contágios, e em campanha pela reeleição, Trump passou a apostar em jogar a culpa sobre a China, para que o debate não seja sobre sua negligência criminosa e impressionante incompetência no enfrentamento da doença, que chegou a chamar de “gripe comum”, com o país mais rico do mundo incapaz sequer de fabricar respiradores ou máscaras de proteção, de testar em massa, e caminhões frigoríficos improvisados como necrotérios nas portas dos hospitais.
A Coreia do Sul e os EUA tiveram seu primeiro morto da Covid-19 no mesmo dia. Agora, a nação asiática tem sob controle a pandemia, com uma estratégia de testar em massa, rastrear contatos e isolar e cuidar dos doentes, enquanto os EUA encomendam centenas de milhares de sacos negros para corpos. Total de casos e mortos: Coreia, respectivamente 10.822 e 256; já os EUA, 1.290.000 e 76.537.
SEM PROVAS
Também a porta-voz da chancelaria chinesa, Hua Chunying, foi direto ao ponto sobre as alegações de Pompeo, de “abundantes provas” contra a China: “O sr. Pompeo falou várias vezes, mas não pôde apresentar qualquer prova”. “Como é que ele não pôde? Porque não ele não tem nenhuma”, salientou.
Questão depois registrada pelo Wall Street Journal como “China desafia Pompeo a mostrar as provas”. Continuando, a porta-voz afirmou que o assunto da determinação da origem do vírus deveria “ser entregue a cientistas e profissionais médicos, e não a políticos que mentem para seus próprios fins políticos domésticos”.
No caso, a referência é o famoso vídeo em que Pompeo, quando era diretor da CIA, se gabava de que “nós mentimos, nós fraudamos, nós roubamos”.
“Parem de desviar o foco para a China”, conclamou Hua, acrescentando que Washington deveria primeiro “cuidar adequadamente” dos seus assuntos internos para conseguir “o mais importante agora”, que é “controlar a pandemia doméstica dos EUA e pensar em maneiras de salvar vidas”.
ORIGEM NATURAL
A reação da porta-voz não foi diferente da resposta do diretor de Emergências da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mike Ryan. “Não recebemos dados ou evidências específicas do governo dos EUA sobre a suspeita de origem do vírus, por isso continua sendo para nós uma especulação”. “Se esses dados e evidências estiverem disponíveis, cabe ao governo dos EUA decidir se e quando compartilhá-los”, acrescentou.
A OMS – destacou – se concentra “nas evidências que temos e as evidências que temos são do sequenciamento e tudo o que nos foi transmitido é que o vírus é de origem natural”, disse ele.
Como afirmou o Dr. Fauci em entrevista à revista National Geographic, “se olharmos a evolução do vírus nos morcegos, as provas científicas vão fortemente na direção de que o vírus não poderia ter sido manipulado artificialmente ou deliberadamente”. “Olhando a evolução no tempo, tudo indica fortemente que esse vírus evoluiu na natureza e depois mudou de espécie”, acrescentou.
Por sua vez, Grenell emitiu uma declaração afirmando que a comunidade de inteligência norte-americana “concorda com o amplo consenso científico de que o vírus da Covid-19 não foi feito pelo homem nem geneticamente modificado”.
Mesma posição do secretário de Saúde da Grã Bretanha, Matt Hancock: “temos olhado isso e não há qualquer evidência de que este é um coronavírus feito pelo homem. Não há nada que possa confirmar essa alegação”.
Um dos descobridores do coronavírus que causou a SARS há quase duas décadas, o zoólogo Peter Daszak, condenou a “politização da pandemia”. Com mais quatro cientistas dos EUA, Grã Bretanha e Austrália, ele é autor de um estudo publicado em março no jornal especializado Nature Medicine, que concluiu que o vírus não foi propositalmente manipulado e que provavelmente veio de um animal.
“Começamos a ver teorias da conspiração, o apontamento de dedo à China e esse tipo de politização é muito infeliz porque o que nós precisamos agora é de comunicação aberta entre os cientistas no mundo”, sublinhou.
Sobre as alegações contra o laboratório de virologia de Wuhan, Daszak disse que “tudo que eu ouvi em meus 15 anos de trabalho com o pessoal naquele laboratório foi absolutamente normal do que se esperaria em um laboratório de virologia”. O cientista acrescentou que “ninguém tem o vírus de morcegos que levou à Covid-19”. “Não o encontramos ainda; achamos parentes próximos, mas não é o mesmo vírus”.
ESCALADA
Trump começou sua escalada, primeiro com o uso do termo – racista – de “vírus chinês”. Depois passou a dizer que a China poderia ter evitado a pandemia, mas por ter encoberto a gravidade do surto, a situação saíra de controle. Em seguida, passou a dizer que a China poderia “ter evitado as mortes de centenas de milhares de pessoas no mundo inteiro”, mas escolheu deixar o mundo se contaminar. “Eles tinham uma escolha”, mas escolheram o encobrimento.
O próximo passo foi alegar que o coronavírus viera de um laboratório de virologia de Wuhan, talvez por acidente.
Agora passou a dizer, como fez em seu especial na Fox News, que o “ataque do vírus” foi “pior” do que Pearl Harbor e o 11 de Setembro. “Isto é pior do que Pearl Harbor. Isto é pior do que o World Trade Center. Nunca houve um ataque como este”.
Em paralelo, Pompeo alimentava a histeria antichinesa, dizendo que os chineses tinham uma tradição de “infectar o mundo” – declaração que parece saída de um manual de nazismo – e não parou de abanar a história do “laboratório de Wuhan”. Ele também acusou “o Partido Comunista Chinês” pelo “encobrimento”.
Parece uma tentativa de repetir, contra a China, o conto das armas de destruição em massa que não existiam. Os EUA exigiam que o Iraque, que não tinha armas de destruição em massa, “provasse” que não tinha armas de destruição em massa e usaram isso como pretexto para invadir o país e assaltar o petróleo. Agora, é a China “teria de provar” que o vírus “não veio do laboratório de Wuhan” – como acham a OMS, o Dr. Fauci e até Grenell. E teria que permitir que os homens de preto de Pompeo fossem lá procurar.
A GRANDE MENTIRA
Como muito bem lembrado por André Damon, do World Socialist, o método evoca o usado pela Alemanha nazista, derrotada há 75 anos pelas forças aliadas, encabeçadas pelos soviéticos.
“O que a ‘grande mentira’ busca é intimidar através de sua enorme imprudência. Segundo a Wikipedia, “é uma técnica de propaganda e uma falácia da lógica. A expressão foi cunhada por Adolf Hitler, quando ele ditou seu livro Mein Kampf em 1925, sobre o uso de uma mentira tão ‘colossal’ que ninguém acreditaria que outra pessoa ‘pudesse ter a insolência de distorcer a verdade de uma maneira tão infame’”.
“O uso desse método ocorre no momento exato em que o governo dos EUA abandona qualquer esforço sistemático para retardar a propagação da pandemia, permitindo efetivamente que grandes seções da população sejam infectadas. O governo Trump está tentando obter uma saída de emergência. Aconteça o que acontecer, a culpa é da China”, acrescentou Damon.
Tentam manchar a China com a mentira de que, intencionalmente ou por incúria, ter deixado o vírus se espalhar, matar centenas de milhares e devastar as economias no planeta inteiro. A China, que deu exemplo ao mundo de como enfrentar a pandemia, aplicando a ciência e convocando o povo para a batalha para deter a enfermidade.
Conforme as agências de notícias, nos círculos trumpistas estaria sendo discutido desde dar o calote na dívida dos EUA com a China – o problema é o dano à credibilidade do “sacrossanto dólar” -, até fazer uma lei permitindo que qualquer cidadão americano processe num tribunal americano a China pelas “perdas com o coronavírus”. O risco aí, como adiantou a Foreign Policy, é que a moda pode pegar e com tantos malfeitos e crimes dos EUA, vai ter muita gente acionando Washington.
O INIMIGO É O CORONAVÍRUS
Como afirmou a porta-voz, a China apóia uma revisão da pandemia de Covid-19 no tempo apropriado. “Tais revisões são para promover a cooperação internacional em saúde, melhorar a governança global de saúde pública e apoiar os países em desenvolvimento em fortalecerem seus sistemas de saúde de modo que o mundo esteja melhor preparado para desafios similares no futuro, enfatizou.
Como ela lembrou, nos últimos dias, inclusive, surgiram vários indícios de que a origem do vírus pode ser diversificada. Estudos apontaram variedades do vírus mais antigas [do ponto de vista genético] do que a que ocorreu na China. A OMS disse na terça-feira que o registro de que a Covid-19 emergiu em dezembro na França – mais cedo do que pensado previamente – “não era surpreendente” e convocou os países a investigarem qualquer suspeita de casos mais cedo, relatou a Reuters. Também, northjersey.com reportou que um prefeito em New Jersey disse acreditar que esteve doente do novo coronavírus em novembro.
Quanto às comparações com Pearl Harbor e o World Trade Center, Hua lembrou aos aprendizes de feiticeiro que o inimigo é “o coronavírus, não a China”.