O governo Trump foi objeto de uma avalanche de críticas nas redes sociais depois atribuir na sexta-feira (8) a vitória sobre a Alemanha nazista unicamente aos “EUA e Grã Bretanha”, sem fazer uma só menção à União Soviética, o país que teve o papel principal na derrota do nazismo na II Guerra Mundial, ao preço de 27 milhões de mortos.
Na versão do presidente Trump – é ele de viva voz quem reescreve a História -, “em 8 de maio de 1945, os EUA e o Reino Unido conseguiram a vitória sobre os nazis! O espírito dos EUA sempre vencerá. No final, é isso que acontece”.
O tuite incluía vídeo de Trump, acompanhado de sua esposa, Melania, na cerimônia de colocação de oferenda de flores nos 75 anos do fim da II Guerra.
Como registrou a RT, “nem nas tuitadas que se seguiram, nem no vídeo em si há uma só menção à URSS, que desempenhou o papel central no triunfo sobre a Alemanha nazista. Só a cruenta batalha de Stalingrado, que se deu de 17 de julho de 1942 a 2 de fevereiro de 1943, é considerada como ponto de inflexão na luta contra o fascismo no continente”.
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, desancou a declaração da Casa Branca. “Chame como quiser: falsificação, zombaria do senso comum, história reescrita. Mas quando esse comentário é feito pelas autoridades oficiais do país que se diz líder do mundo livre, defensor da democracia e lutador implacável contra falsificações, não dá para aturar”, pelo Twitter.
Ela lembrou que há duas semanas, em 25 de abril, no 75º aniversário do encontro de soldados soviéticos e americanos no Rio Elba, os dois países haviam emitido uma declaração conjunta, que enfatizava o papel de muitos países e povos na vitória e o sacrifício de milhões de soldados e civis na luta contra o nazismo.
200 DIVISÕES ALEMÃS
Da parte dos internautas, não demorou a reação à falsificação dos fatos pela Casa Branca. Em resposta à tuitada, muitos postaram a icônica foto de um soldado do Exército Vermelho levantando a bandeira soviética sobre o Reichstag, a imagem que se converteu mundialmente no símbolo da vitória sobre o Terceiro Reich.
Aliás o Facebook censurou a famosa foto, e depois recuou, dizendo ter sido por engano.
O jornalista Ben Norton sublinhou que a Casa Branca “está tentando reescrever a história”. “Absolutamente falso. Foi a União Soviética que derrotou a Alemanha nazista, não os EUA e o Reino Unido”.
“Durante a maior parte da II Guerra Mundial, EUA e o Reino Unidos enfrentaram apenas 10 divisões alemãs combinadas. Só os soviéticos lutaram contra mais de 200 divisões alemãs”, reiterou.
“REPUGNANTE”
“A exclusão da nação que fez mais do que as demais para esmagar os nazistas mostra o quão baixo os EUA afundaram”, asseverou George Szamuely, pesquisador-chefe do Instituto de Políticas Globais de Londres.
Ele classificou a mensagem da Casa Branca como “repugnante” e “uma ofensa à história e à humanidade”
“Incorreto. O Exército Vermelho Soviético foi o principal motor da destruição do nazismo. Cerca de 26 milhões de cidadãos soviéticos morreram durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo 11 milhões de soldados. Os alemães sofreram 3/4 de suas perdas lutando contra o Exército Vermelho”, escreveu o estudioso e escritor Tim Anderson, citando o livro do historiador britânico Max Hastings intitulado ‘Inferno: o Mundo em Guerra, 1939-1945’.
“Isso é nojento demais”, registrou um internauta.
“Eu não tenho certeza se é ignorância, arrogância ou ambos. É extremamente desrespeitoso. Independentemente do que pensam da antiga União Soviética, a realidade é que foram eles que tomaram Berlim e perderam mais compatriotas do que qualquer outra nação”, destacou outro tuitador.
CONTRA O REVISIONISMO
A tentativa de “reescrever a história”, para aliviar o fascismo e ignorar a contribuição central dos soviéticos – foram eles que viraram a maré da guerra, até então os exércitos de Hitler eram tidos como ‘invencíveis’ – também foi registrada por jornalistas e historiadores nestes peculiares 75 Anos da Vitória sobre a maior ameaça que a humanidade já enfrentou, vistos desde as janelas solitárias da quarentena em tempos de pandemia.
Como assinalou o jornalista inglês Neil Clark, “a verdade é que nos últimos anos a contribuição soviética para a derrota de Hitler foi minimizada no Ocidente ou, pior ainda, ignorada completamente”.
“Quantos ingleses sabem o número de cidadãos soviéticos, civis e soldados, mortos na ‘Grande Guerra Patriótica’? Eu arriscaria um palpite de que menos de 5% na Grã-Bretanha diria ‘27 milhões’”.
“Para colocar isso em perspectiva, as perdas da Grã-Bretanha (civis e soldados) foram em torno de 450.000, os EUA, 420.000”, apontou, destacando que isso “é cerca de metade do número estimado de mortos apenas no cerco de Leningrado”.
“Cerca de um quarto da população da União Soviética foi morta ou ferida na guerra. É justo dizer que nenhuma família foi deixada sem ser afetada”.
Clark acrescentou que levar em conta esses 27 milhões de mortos não se coaduna com o script de demonizar a Rússia e seu presidente.
“‘Agressão Russa’ é o grito robótico daqueles que não querem que o povo entenda que os temores da Rússia de ser ameaçada desde suas fronteiras ocidentais pela expansão da Otan não provêm da paranoia, mas são reais demais”, enfatizou.
“Olhe o que aconteceu desde o fim da velha Guerra Fria. O Pacto de Varsóvia foi desmantelado, mas a Otan começou uma ‘Drang nach Osten [Impulso para o Oriente]’”. A agressão não se detém, mas é a Rússia “que é apresentada como pecadora e está sob sanções”.
27 MILHÕES DE RAZÕES
Ao honrar o Dia da Vitória – acrescentou Clark -, há 27 milhões de razões pelas quais devemos “rejeitar o revisionismo pernicioso que ronda”, e em vez disso prestar homenagem a todos aqueles que perderam suas vidas – e que “alguns, vergonhosamente, querem que esqueçamos”.
O jornalista pediu uma reflexão sobre as palavras do presidente dos EUA Franklin Delano Roosevelt, de julho de 1943: “O mundo nunca viu maior devoção, determinação e auto-sacrifício do que foram exibidos pelo povo russo e seus exércitos… Com uma nação que, ao salvar a si mesma, está ajudando a salvar todo o mundo da ameaça nazista, este nosso país deve estar sempre feliz em ser um bom vizinho e um amigo sincero no mundo do futuro.”
Outra forma de revisionismo é a que vem sendo implementada, sob orientação de conselheiros da CIA, em países ex-socialistas do leste europeu, como Ucrânia, Polônia e Lituânia, em que os atuais governos no poder transformaram colaboracionistas do nazismo em ‘heróis nacionais’ ou acusam cinicamente a URSS de ser “co-responsável” pela II Guerra, e vêm se dedicando a destruir monumentos em homenagem aos libertadores da ocupação de Hitler.
Que a paz impiedosa de Versalhes era só a ante-sala de uma guerra ainda mais terrível, tinha sido denunciado amplamente, inclusive por personalidades como Keynes, o que se agravou com a Grande Depressão.
Como então Wiston Churchill registrou (você escolheu “a paz à honra”, e perdeu “a honra e a paz”), foi a política de apaziguamento do então primeiro-ministro inglês, Nelville Chamberlain, que liberou o caminho de Hitler para a guerra mundial, ao permitir o Fueher, sem dar um tiro e sem oposição, anexar em 1938 a Áustria e a Tchecoeslováquia, depois de ter remilitarizado a Renânia em 1936.
A Polônia, que depois seria invadida – e hoje, acusa a Rússia -, antes fez tratado de não-agressão com Hitler (1934) e aproveitou em 1938 para também levar um naco de território na espoliação nazi da Tchecoeslováquia.
A rendição aos nazistas na Tchecoeslováquia teve como efeito colateral deixar evidente que a meta de tal política era empurrar Hitler para leste, contra a União Soviética.
Os ingentes apelos de Moscou para um pacto de defesa anti-nazista foram barrigados por Paris e Londres, quando ainda era possível deter Hitler.
À URSS, que buscou socorrer a Espanha republicana enquanto EUA, Grã Bretanha e França lavavam as mãos, evitar a anexação da Tchecoeslováquia e dar retaguarda à resistência da China ao fascismo japonês, restou ganhar tempo com pacto Ribbentrop-Molotov, enquanto logrou evitar combater em duas frentes, ao demover o Japão de atacar na frente oriental.
O NOME DA ESPERANÇA
Ao mesmo tempo, a URSS, como a nação de maior crescimento no mundo numa década de depressão, elevou nesse período seu desenvolvimento, graças à industrialização socialista, tal que, quando chegou o momento, a máquina econômica e militar soviética suplantou a máquina de guerra alemã, subsidiada pelos recursos de toda a Europa ocupada.
Queiram ou não, Stalingrado é o abençoado nome da batalha que definiu o esmagamento da besta fera hitlerista. Foram as tropas soviéticas que libertaram Auschwitz e mostraram ao mundo a face mais tenebrosa da barbárie.
Foi a bandeira soviética que tremulou sobre o Reichtag.
E a política de uma ampla frente tentada antes, que teria detido o nazismo antes que cometesse a devastação dantesca como fez, acabou se concretizando, diante de sua ascensão, nas figuras de Roosevelt, Churchill e Stalin.
Nesses tempos de obscurantismo e pandemia, com o ultraliberalismo em crise aberta, sob exacerbação da desigualdade e metástase do rentismo, eis que o fascismo recém vazado dos esgotos insiste em se criar, atacando a honra dos soviéticos e da Rússia, para dividir os democratas.
Por mais mentiras que propaguem, ou falsificações que ousem expor, a verdade é que foram os soviéticos que salvaram as avós e avôs de todos nós da maldade e imensa insanidade nazistas, que tanto atraem essa gente.