A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 5, que alterava a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e estabelecia uma tutela do Congresso sobre as investigações de procuradores e promotores, foi derrotada, na Câmara, durante a noite de quarta-feira (20/10).
Para que fosse aprovada, a PEC nº 5, como toda emenda constitucional, necessitava de 308 votos (3/5 dos deputados). Entretanto, obteve 297 votos a favor, 182 contra e 4 abstenções, o que garantiu a sua derrota.
Na justificativa da PEC, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) apontou como um dos seus objetivos, “eliminar certa sensação (…) de impunidade em relação aos membros do Ministério Público”.
É interessante, ele não aponta uma impunidade real, mas uma “sensação de impunidade”. Certamente, se falasse em alguma impunidade real, seria cobrado pelos procuradores a mostrar aonde está essa impunidade – até porque, não faltam procedimentos instalados contra membros do Ministério Público.
Mas o autor da proposta fala apenas em “sensação de impunidade” – e sem dizer quem está sentindo essa “sensação de impunidade” quanto ao Ministério Público (quanto a outros setores, nós sabemos).
Por quê?
Porque o objetivo da proposta é estabelecer uma impunidade real, mas não entre os procuradores e promotores, e, sim, para os malversadores de dinheiro público, isto é, entre os corruptos.
Não é à toa que os elementos do círculo de Bolsonaro ficaram tão assanhados com a PEC nº 5.
Enquanto isso, entre os procuradores, achou-se (ou inventou-se), apenas, uma “sensação de impunidade”…
Vejamos, então, a proposta, pois ela, em muito, é clara por si mesma.
Hoje, o CNMP é composto pelo Procurador-Geral da República (presidente); por quatro membros do Ministério Público da União; por três membros do Ministério Público dos Estados; por um juiz indicado pelo STF e outro juiz indicado pelo STJ; por dois advogados, indicados pela OAB; e por dois juristas indicados pelo Congresso Nacional.
Portanto, são 14 membros, que escolhem, por votação secreta, o Corregedor Nacional do Ministério Público, responsável pela fiscalização cotidiana das atividades da instituição.
A PEC nº 5, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) – substitutivo do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) -, pretendia acrescentar mais três membros no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), todos designados pelo Congresso Nacional. Assim, os membros escolhidos pelo Congresso passariam de dois para cinco – e os membros do CNMP passariam de 14 para 17.
Além disso, o corregedor passaria a ser escolhido pelos parlamentares – e não mais por votação secreta do CNMP.
A PEC, em sua forma original, e em forma ligeiramente alterada no substitutivo, previa a anulação de atos dos procuradores e promotores pela Corregedoria e pelo plenário do CNMP.
Hoje, o corregedor pode instalar processo disciplinar contra um procurador – e o CNMP pode, inclusive, demiti-lo. O recente caso ocorrido em Curitiba, onde um procurador foi demitido pelo Conselho por improbidade administrativa, é um exemplo, assim como o processo administrativo do ex-senador Jucá, que acusa procuradores de vazamento em um processo no qual é acusado.
Porém, o corregedor ou o CNMP não podem interferir nas investigações de um procurador ou promotor – ou de um grupo deles – se não houver motivo para isso.
Com a PEC nº 5, isso passaria a ser possível, inclusive a anulação dos atos dos membros do Ministério Público – com um detalhe: a homologação automática pela Justiça. Ou seja, o procurador ou promotor que se sentisse injustiçado não teria o recurso à Justiça.
É muito justo que órgãos potencialmente investigados pelo Ministério Público, como o Congresso Nacional, tenham representação no CNMP. Coisa diferente é conceder ao Congresso o controle de investigações – e, mesmo, o poder de anulá-las –, através do corregedor e do aumento de membros no Conselho. Até porque isso poderia redundar em controle – e até anulação – de investigações de membros do próprio Congresso. O que não seria, em absoluto, justo.
O motivo pelo qual o sr. Arthur Lira ficou tão ansioso pela aprovação da PEC – passou por cima da comissão especial que examinava a proposta; tentou quatro vezes, sem sucesso, votá-la em plenário; promoveu 10 substitutivos, para fracassar no último, quando forçou a votação – não parece misterioso.
Os processos contra Lira não acabaram – aquela situação que fez um órgão de imprensa pedir que ele fosse impedido de concorrer à presidência da Câmara, exibindo um relatório da Polícia Federal que, em 2008, descreveu Lira, então deputado estadual de Alagoas, como “um político sem limites para usurpar dinheiro público”.
Obviamente, o problema é o combate à corrupção.
Pois não há desajuste no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que justifique a tentativa de estabelecer uma tutela do Congresso sobre ele. O CNMP é um órgão, inclusive, de que fazem parte representantes do STF, do STJ, da OAB e do Congresso Nacional.
As funções do Ministério Público estão na Constituição. O CNMP foi estabelecido pela Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional nº 35/2004).
O que a PEC nº 5 pretendia – e, segundo os deputados Lira e Teixeira, ainda pretende, pois eles manifestaram a intenção de apresentar o texto original ao plenário da Câmara – é alterar a Constituição para impedir a capacidade de investigação do MP.
E não tenhamos dúvida, pela votação dos corruptos sequazes de Bolsonaro, derrotados na quarta-feira, sobre o que – que crimes – se pretendia instalar a impunidade, com essa alteração do CNMP.
Após a derrota de quarta-feira, Teixeira lamentou o “clima nacional” que se formou contra a PEC.
Ele parece não ter meditado sobre os motivos desse “clima nacional”.
Mas não é para menos.
C.L.