Declarou nas redes sociais. No discurso na Cúpula da União Africana, sábado (17), ele retomou o tema e disse que “a solução para essa crise só será duradoura se avançarmos rapidamente na criação de um Estado palestino”
O presidente Lula afirmou nas redes sociais que a “reação desproporcional e indiscriminada de Israel é inadmissível e constitui um dos mais trágicos episódios desse longo conflito”.
“As perdas humanas e materiais são irreparáveis. Não podemos banalizar a morte de milhares de civis como mero dano colateral”, diz Lula na postagem, feita ao mesmo tempo do seu discurso na 37ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo da União Africana, em Adis Abeba, Etiópia, neste sábado (17).
DISCURSO
No discurso na Cúpula da União Africana, o presidente também condenou os ataques de Israel contra os palestinos. Ele disse que a criação de um estado palestino “livre e soberano” é a única forma de conseguir paz na região.
“A solução para essa crise só será duradoura se avançarmos rapidamente na criação de um Estado palestino. Um Estado palestino que seja reconhecido como membro pleno das Nações Unidas”, disse em discurso.
Na fala, Lula criticou os ataques do Hamas contra Israel, realizados no dia 7 de outubro, pediu a libertação dos reféns e rechaçou a “resposta desproporcional de Israel, que vitimou quase 30 mil palestinos em Gaza – em sua ampla maioria mulheres e crianças – e provocou o deslocamento forçado de mais de 80% da população”.
O presidente ainda voltou a falar que a ONU e seu Conselho de Segurança devem ser fortalecidos através da maior representação, com membros permanentes, de países africanos e da América Latina.
O presidente se reuniu com o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Mohammad Shtayyeh, e discutiu os ataques que Israel tem realizado contra o povo palestino e formas de conseguir um cessar-fogo.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Shtayyeh afirmou que os ataques feitos por Israel desde o dia 7 de setembro configuram genocídio. “Se isso não é genocídio, não sei o que é”, falou ao lembrar dos mais de 30 mil mortos e 9 mil desaparecidos na Faixa de Gaza.
O primeiro-ministro palestino agradeceu Lula por suas palavras em defesa do cessar-fogo e pelo apoio à ação movida pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça denunciando Israel por genocídio.
Ele ainda agradeceu o gesto de plantar uma oliveira, símbolo nacional palestino, na Embaixada da Palestina no Brasil.
A reunião durou cerca de uma hora e, do lado brasileiro, participaram o presidente Lula e os ministros das Relações Internacionais, Mauro Vieira, da Ciência, Luciana Santos, e dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, Wellington Dias e Anielle Franco além de outros membros do governo.
GOVERNANÇA
No discurso feito aos líderes da União Africana, o presidente Lula disse que “precisamos criar uma nova governança global, capaz de enfrentar os desafios do nosso tempo”.
Segundo ele, “já não vigoram as teses do Estado mínimo. Planejar o desenvolvimento agrícola e industrial voltou a ser parte das políticas públicas em todos os quadrantes. As transições energética e digital demandam o incentivo e a orientação dos governos”.
O presidente defendeu a “multipolaridade” na geopolítica como “componente inexorável e bem-vindo do século XXI” e citou o BRICS “como principal espaço de articulação dos países emergentes é um avanço inegável”.
“Sem os países em desenvolvimento não será possível a abertura de novo ciclo de expansão mundial, que combine crescimento, redução das desigualdades e preservação ambiental, com ampliação das liberdades”, falou.
Lula ainda destacou que “a alternativa às mazelas da globalização neoliberal não virá da extrema direita racista e xenófoba (…). Só um projeto social inclusivo nos permitirá erigir sociedades prósperas, livres, democráticas e soberanas. Não haverá estabilidade nem democracia com fome e desemprego”.
Ele disse que, na presidência do G20, o Brasil vai “apoiar” discussões sobre o Pacto Digital Global, na Organização das Nações Unidas. Segundo o presidente, a inteligência artificial “não pode se tornar monopólio de poucos países e empresas”, nem se constituir em “terreno fértil para discursos de ódio e desinformação”.
“[A inteligência artificial não pode] causar desemprego e reforçar vieses de raça e gênero, que acentuam injustiças e discriminação”, ressaltou.
Leia na íntegra o discurso do presidente na Cúpula da União Africana:
É com grande alegria que volto pela vigésima primeira vez à África, agora novamente como presidente do Brasil, para me dirigir aos líderes da União Africana. Venho para reafirmar a parceria e o vínculo do nosso país e do nosso povo com este continente irmão.
A luta africana tem muito em comum com os desafios do Brasil. Mais da metade dos 200 milhões de brasileiros se reconhecem como afrodescendentes. Nós, africanos e brasileiros, precisamos traçar nossos próprios caminhos na ordem internacional que surge.
Precisamos criar uma nova governança global, capaz de enfrentar os desafios do nosso tempo.
Já não vigoram as teses do Estado mínimo. Planejar o desenvolvimento agrícola e industrial voltou a ser parte das políticas públicas em todos os quadrantes.
As transições energética e digital demandam o incentivo e a orientação dos governos.
Tentativas de restituir um sistema internacional baseado em blocos ideológicos não possuem lastro na realidade. A multipolaridade é um componente inexorável e bem-vindo do século XXI. A consolidação do BRICS como principal espaço de articulação dos países emergentes é um avanço inegável.
Sem os países em desenvolvimento não será possível a abertura de novo ciclo de expansão mundial, que combine crescimento, redução das desigualdades e preservação ambiental, com ampliação das liberdades.
O Sul Global está se constituindo em parte incontornável da solução para as principais crises que afligem o planeta.
Crises que decorrem de um modelo concentrador de riquezas, e que atingem sobretudo os mais pobres – e entre estes, os imigrantes. A alternativa às mazelas da globalização neoliberal não virá da extrema direita racista e xenófoba. O desenvolvimento não pode ser privilégio de poucos.
Só um projeto social inclusivo nos permitirá erigir sociedades prósperas, livres, democráticas e soberanas. Não haverá estabilidade nem democracia com fome e desemprego.
O momento é propício para resgatar as melhores tradições humanistas dos grandes líderes da descolonização africana.
Ser humanista hoje implica condenar os ataques perpetrados pelo Hamas contra civis israelenses, e demandar a liberação imediata de todos os reféns. Ser humanista impõe igualmente o rechaço à resposta desproporcional de Israel, que vitimou quase 30 mil palestinos em Gaza – em sua ampla maioria mulheres e crianças – e provocou o deslocamento forçado de mais de 80% da população.
A solução para essa crise só será duradoura se avançarmos rapidamente na criação de um Estado palestino. Um Estado palestino que seja reconhecido como membro pleno das Nações Unidas.
De uma ONU fortalecida e que tenha um Conselho de Segurança mais representativo, sem países com poder de veto, e com membros permanentes da África e da América Latina. Há dois anos a guerra na Ucrânia escancara a paralisia do Conselho. Além da trágica perda de vidas, suas consequências são sentidas em todo o mundo, no preço dos alimentos e fertilizantes.
Não haverá solução militar para esse conflito. É chegada a hora da política e da diplomacia.
Senhoras e senhores, com seus 1 bilhão e 500 milhões de habitantes, e seu imenso e rico território, a África tem enormes possibilidades para o futuro. O Brasil quer crescer junto com a África, mas sem ditar caminhos a ninguém.
O povo brasileiro está recuperando sua soberania política e econômica. Estamos adotando um projeto de transformação ecológica, que nos permitirá dar um salto histórico. Estamos resgatando nossa democracia, tornando-a cada vez mais participativa.
Com o Bolsa Família e outras políticas públicas bem-sucedidas voltaremos a sair do mapa da fome, retirando milhões de brasileiros da pobreza. Falar de “Educação Inclusiva”, tema desta Cúpula, é falar de futuro. No mundo, quase 250 milhões de crianças estão fora da escola. No Brasil, estamos implantando escolas em tempo integral, além do pagamento de uma poupança para os alunos mais pobres do ensino médio, como forma de reduzir a evasão escolar.
Tenho o orgulho de dizer que milhares de africanos concluíram seus estudos no Brasil. Mas vamos fazer ainda mais. Vamos ampliar o número de bolsas ofertadas para receber estudantes africanos em nossas instituições públicas de ensino superior.
Estamos dispostos a desenvolver programas educacionais na África e a promover intenso intercâmbio de professores e pesquisadores. Vamos colaborar para que a África possa se tornar independente na produção de alimentos e energia limpa.
São 400 milhões de hectares espalhados por mais de 25 países, com potencial de fazer deste continente um grande celeiro para o mundo, viabilizando políticas de combate à fome e produção de biocombustíveis.
Quero igualmente estender nossa parceria para a área da saúde. Há muito a aprender com as estratégias sanitárias de ambos os lados, e a possibilidade de estruturar sistemas públicos robustos e de alcance amplo.
Vamos trabalhar com o Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças para enfrentar doenças tropicais negligenciadas. Teremos como meta a ampliação do acesso a medicamentos, evitando a repetição do “apartheid” de vacinas que vimos na COVID-19.
Cuidar também da saúde do planeta é nossa prioridade. O imperativo de proteger as duas maiores florestas tropicais do mundo, a Amazônica e a do Congo, nos torna protagonistas na agenda climática.
Os instrumentos internacionais hoje existentes são insuficientes para recompensar de forma eficaz a proteção das florestas, sua biodiversidade e os povos que vivem, cuidam e dependem desses biomas.
Com a recuperação de áreas degradadas, podemos criar um verdadeiro cinturão verde de proteção das florestas do Sul Global. Em conjunto com parceiros africanos, o Brasil quer desenvolver e construir uma família de satélites para monitorar o desmatamento.
Para levar adiante todas essas iniciativas vamos criar um posto avançado de cooperação junto à União Africana em setores como pesquisa agrícola, saúde, educação, meio ambiente e ciência e tecnologia.
Nossa representação diplomática em Adis Abeba contará em breve com funcionários de órgãos governamentais como a Agência Brasileira de Cooperação, a EMBRAPA e a FIOCRUZ, nossos órgãos de pesquisa e desenvolvimento em agropecuária e saúde.
Senhores e senhoras, nossos caminhos vão se reencontrar no G20, no Rio de Janeiro, e na COP 30, em Belém. A presença da União Africana como membro pleno do G20 será de grande valia. Mas ainda é necessário a inclusão de mais países do continente como membros plenos. Temos agendas comuns a defender.
É inadmissível que um mundo capaz de gerar riquezas da ordem de US$ 100 trilhões de dólares por ano conviva com a fome de mais de 735 milhões de pessoas. Estamos criando no G20 a Aliança Global contra a Fome, para impulsionar um conjunto de políticas públicas e mobilizar recursos para o financiamento dessas políticas.
Cerca de 60 países, muitos deles na África, estão próximos da insolvência e destinam mais recursos para o pagamento da dívida externa do que para a educação ou a saúde. Isso reflete o caráter obsoleto das instituições financeiras, como o FMI e o Banco Mundial, que muitas vezes agravam crises que deveriam resolver.
É preciso buscar soluções para transformar dívidas injustas e impagáveis em ativos concretos, como rodovias, ferrovias, hidroelétricas, parques de energia eólica e solar, produção de hidrogênio verde e redes de transmissão de energia. Precisamos acompanhar passo a passo a evolução das novas tecnologias.
A Inteligência Artificial não pode tornar-se monopólio de poucos países e empresas. Mas podem também constituir-se em terreno fértil para discursos de ódio e desinformação, além de causar desemprego e reforçar vieses de raça e gênero, que acentuam injustiças e discriminação.
O Brasil vai promover a interação do G20 com o Painel de Alto Nível criado pelo Secretário-Geral da ONU para apoiar as discussões sobre o Pacto Digital Global.
Esperamos, com isso, contribuir para uma governança efetiva e multilateral em Inteligência Artificial e que incorpore plenamente os interesses do Sul Global.
Minhas amigas e meus amigos, quero terminar dizendo que não há Sul Global sem a África.
Retomar a aproximação do Brasil com a África é recuperar laços históricos e contribuir para a construção de uma nova ordem mundial, mais justa e solidária. Permite-nos, sobretudo, somar esforços na superação dos desafios que temos à frente.
Muito obrigado.
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