Com o recente corte de orçamento para pesquisa no país, sendo mais de R$ 600 milhões que seriam destinados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a ciência brasileira toma um duro golpe e agrava o seu cenário de escassez que persiste desde o início dos anos 2000 e se acelerou a partir de 2016, afirma o ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva.
“A única esperança da ciência no Brasil é conseguir sobreviver até o fim desse governo”, afirma.
No mês de outubro, a pedido do Ministério da Economia, o Congresso Nacional aprovou projeto que retirou o valor do orçamento e destinou o dinheiro para outras áreas. Parte da verba viria de recursos contingenciados do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Oliva diz que os cortes ocorrem há anos. “O único ano em que o recurso do FNDCT foi repassado integralmente ao MCTI foi 2010. Antes e depois disso sempre tivemos valores contingenciados: 20%, 30%. Mas de 2016 para cá só aprofundou, chegando a 60% e agora a pouco mais de 90%”. O orçamento da pasta já havia sido cortado em 29% em relação ao ano passado.
Um estudo realizado pela economista Fernanda De Negri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que o orçamento do CNPq e do FNDCT, somados, são menores do que eram no início dos anos 2000.
O orçamento do CNPq em 2021 ficou em R$ 1,21 bilhão, o menor valor dos últimos 21 anos. O órgão não lançava desde 2018, por exemplo, o Edital Universal, que é considerado um dos principais processos da ciência brasileira por se tratar de um chamamento geral, da iniciação científica ao pós-doutorado.
Uma nova chamada foi lançada em setembro deste ano. Dos R$ 250 milhões estimados para fazer o edital acontecer, R$ 200 milhões viriam dos recursos que foram cortados.
“Não dá para esperar nada desse governo. Nossa esperança é que esse governo mude e que a gente possa ter algum diálogo com quem quer que seja eleito, que a gente sente conjuntamente para dar uma outra trajetória para a ciência brasileira”, diz Oliva, que também é vice-presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC).
Os valores das bolsas de mestrado e doutorado não recebem correção desde 2013. Hoje, um bolsista de mestrado recebe cerca de R$ 1.500, e de doutorado, de R$ 1.800 a R$ 2.200.
Essa redução no orçamento e os frequentes cortes na área da ciência e tecnologia já demonstram problemas e trazem prejuízos a curto e longo prazo. Segundo o pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mario Montenegro Campos, o Centro Nacional de Vacinas corre o risco de não sair do papel.
Dos R$ 80 milhões previstos para construção e implementação do espaço, R$ 50 milhões sairão dos cofres do MCTI. “Com esse último corte não será possível implementar o projeto, mas esperamos que ele seja revertido”, afirma Campos.
O centro ajudaria o Brasil a produzir vacinas nacionais para combater vírus como o coronavírus. No ano passado, o país foi o primeiro a sequenciar o genoma da Covid-19, mas não tinha tecnologia para desenvolver uma forma de mitigá-lo. “Com o centro, não dependemos de tecnologia externa, e não precisamos depender da vacina de outros países, por exemplo”, explica o pró-reitor.
Para Campos, a maior preocupação do país deve ser a perda de “cérebros pesquisadores e cientistas”. Com a falta de investimento e consecutivos cortes, o pró-reitor disse que tem visto muitos brasileiros procurando fazer suas pesquisas fora do país.
“Se faltar combustível no país, os carros param, mas pesquisas não morrem de imediato. Daqui a três anos veremos o efeito mais drástico dela”, afirma.
9.8 BILHÕES A MENOS
Neste ano, o orçamento empenhado dos dois institutos que fomentam a pesquisa no Brasil é de cerca de 3,6 bilhões. Em 2015, essa soma foi de 13,4 bilhões. Somados, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o CNPq, os institutos tiveram, desde 2015, uma redução real de 9,8 bilhões de reais em seus orçamentos.
O valor de 3,6 bilhões de reais de orçamento em 2021 representa, já considerando a inflação, uma diminuição de 73,4% com relação ao número em 2015, e é o resultado de sucessivos cortes que ocorreram no segundo governo Dilma e nos governos Temer e Bolsonaro.
As instituições são as duas principais agências federais de incentivo à pesquisa e à ciência no Brasil. O corte nas verbas, além de interromper pesquisas em andamento, prejudica no longo prazo o desenvolvimento econômico e científico do país.
93,8% do orçamento da Capes e 70,9% do CNPq são destinados a bolsas de estudo, capacitação, entre outras verbas relacionadas ao fomento da ciência. O restante se refere a pagamento de funcionários e aposentados, gastos administrativos, pagamento de juros e dívidas e gastos com avaliações. Este último grupo de despesas é mais difícil de ser cortado, e sofreu uma diminuição menor, de 28,4% no período.