
Maria Teresa Corujo, representante da sociedade, e a única integrante do CMI (Câmara de Atividades Minerárias) do Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental) de Minas Gerais a votar contra a ampliação das atividades da Vale na região do rio Paraopeba, que inclui a mina Córrego do Feijão, revelou as pressões exercidas sobre os conselheiros pela empresa para retomar as atividades da barragem. “Aquilo virou uma fábrica de licenciamento”, disse ela, em entrevista ao site de notícias UOL. O desastre provocado pela Vale, que ocorreu em Brumadinho, na última sexta (25), deixou até o fechamento dessa edição 65 mortos e 288 desaparecidos.
Desde que a barragem da Mina do Feijão se rompeu, na última sexta-feira (25), Maria Teresa só tira pequenos cochilos. “Não consigo dormir. Fico pensando nas pessoas soterradas”, disse. No dia 11 de dezembro de 2018, em reunião do Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental) de Minas Gerais, ela denunciou os riscos em Brumadinho. Ela votou contra a ampliação das atividades, solicitada pela Vale. Sua posição não conseguiu impedir a aprovação do licenciamento. Pouco mais de um mês depois, a barragem se rompeu causando a morte de pelo menos 65 pessoas.
Ela diz que as empresas que atuam na região “escolheram” não aprender as lições deixadas pela tragédia em Mariana (MG), quando outra barragem, desta vez operada pela Samarco, se rompeu causando a morte de 19 pessoas e resultando num dos maiores desastres ambientais da história do país. “E não é nem uma questão de ter aprendido ou não. Eles escolheram de forma muita consciente não fazer o que tem que ser feito”, afirma.
“Foi uma sensação de muita violência e de dor. Aquilo era uma insanidade. Nós tentamos de tudo para que aquela autorização não saísse. Tem uma história anterior àquela reunião. Ainda em novembro, nós tentamos retirar esse pedido da pauta, mas não conseguimos. Nós sabíamos dos riscos em função da ampliação das atividades ali. Cheguei a enviar uma correspondência à secretaria estadual de Meio Ambiente pedindo que o processo não fosse votado pelo conselho, mas nosso pedido não foi acatado. Agora, imagina como eu me senti sabendo de todos esses riscos e vendo o processo andar mesmo assim”, afirmou.
Para Maria Teresa essas reuniões são todas de cartas marcadas. “Sempre é [jogo de cartas marcadas]. Aquelas cartas estavam marcadas. O Copam já teve 40 reuniões. Todas as reuniões são para licenciar a mineração de qualquer forma. Alguns processos têm mais problemas, outros menos. Mas todos são licenciados. Aquilo virou uma fábrica de licenciamento”, denunciou.
A ambientalista ressaltou que as mineradoras mentem e não pensam nas consequências. “Quando se tem rompimento de barragem com pessoas nas regiões de auto-salvamento [área onde se considera que as autoridades não têm condições de atuar a tempo em caso de emergência] vai ter mortes. A lama desce muito rápido. Quando eu soube do rompimento da barragem eu tive um choro convulsivo. Eu estive em Mariana. Desde 2000 eu trabalho com isso. Vejo de perto como essas empresas mentem, como elas deturpam as informações. Imagina uma pessoa que sabe de tudo isso e vê uma tragédia dessas acontecer… [choro]. É muita dor”, observou.
Ela fez questão de separar os responsáveis por decisões que colocam em risco a vida de pessoas de quem não tem ideia dos riscos que alguma medidas que são tomadas. “A primeira coisa que a gente tem que pensar é nesse termo “nós”. Quem é esse “nós”? O problema não somos nós, a sociedade que sofre as consequências do que está acontecendo lá em Brumadinho. O problema está em todos os atores que têm poder de tratar desse assunto. Foram esses os que não aprenderam nada. E não é sequer uma questão de ter aprendido ou não”, prosseguiu Maria Tereza.
Na entrevista ela destacou que na atividade de mineração deveria haver o princípio da precaução, onde, se não tem certeza que não haverá problema, é melhor não fazer. “Eles escolheram de forma muito consciente não fazer o que tem que ser feito. Inclusive, eles ignoram que no direito ambiental existe um princípio da precaução que diz o seguinte: se você não tem certeza absoluta que não vai ter nenhum problema, então não faça. Resumindo: não é que nós não aprendemos. Por que aquelas pessoas que estão soterradas em Brumadinho, provavelmente, nem sabiam que corriam risco”.
“Ali, havia trabalhadores que jamais imaginariam que aquela barragem estava sob algum tipo de risco. Isso é o mais monstruoso”, denunciou.
Na opinião da especialista houve prepotência na “perspectiva de continuar produzindo muito e aumentar o lucro”. “Eles são tão prepotentes no modo de atuar que, ao fazer as suas operações, eles não fazem o cálculo do pior cenário. Eles trabalham sempre na perspectiva de continuar produzindo muito e aumentar o lucro. Quando eles avaliam a legislação, eles pensam que se ela interferir no negócio, não tem problema. Eles fazem lobby para alterar a legislação e deixar o cenário mais fácil para licenciar as obras. Eles não trabalham na perspectiva de que eles atuam com uma atividade econômica de altíssimo risco. Do contrário, me diga: qual o sentido de ter um refeitório abaixo de uma barragem de rejeitos?”, indagou.
Ela disse que não está conseguindo dormir desde a queda da barragem. “Fico pensando nas pessoas soterradas. Eu tenho que dormir porque, do contrário, eu não darei conta. Mas eu estou indo dormir muito tarde, quase um cochilo. Mesmo antes, logo após Mariana, sempre que chovia aqui na nossa região, eu rezava pedindo: “Senhor! Que não se rompa outra barragem”. Eu conheço muitas pessoas que vivem nessas cidades. Não são desconhecidas para mim”, apontou.
Tem de haver, na opinião da ambientalista, uma denúncia vigorosa do que aconteceu para que não ocorra o mesmo de Mariana, que até hoje não puniu os responsáveis e nem indenizou as famílias. “Não podemos cogitar a hipótese de isso não dar em nada. Estamos fazendo um esforço gigantesco para que isso tenha a maior repercussão possível. Estamos vendo, inclusive, a possibilidade de denunciar esse caso a uma corte internacional por crimes contra a humanidade porque isso não pode continuar acontecendo. Não é possível que a ausência de punição no caso de Mariana se repita agora”, alertou.
Ela afirmou que o crime de Brumadinho deverá obrigar ao arrefecimento dos ataques do governo Bolsonaro aos órgãos de fiscalização. “A magnitude do que aconteceu é tão grave que que eu acho que esse impulso dele vai se arrefecer. Acho que isso vai acontecer em Minas Gerais [em relação à legislação ambiental] e vai acontecer no Brasil. A gente espera que as pessoas comecem a olhar para a questão ambiental de outra forma. Agora, é uma pena que isso tenha que ocorrer com a morte de tantas pessoas”, completou.
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