Enquanto a pandemia do Covid-19 se espalha pelo país – com mais de 82 mil contágios e 811 mortos (cerca de 45 por milhão, uma cifra que é quatro vezes a da Argentina), na quinta-feira, 28 – e o ministro de Saúde do Chile, Jaime Máñalich, reconhece que seus modelos sobre como controlar a propagação do vírus falharam, a promessa do presidente Sebastián Piñera de entregar 2.5 milhões de cestas de alimentação nas regiões mais necessitadas também falhou, provocando o desespero e a revolta nos bairros de Santiago, com os vizinhos erguendo barricadas e protestando nas ruas.
Em dezenas de vilas da capital, em Puente Alto e La Pintana, por exemplo, centenas de pessoas saíram às ruas nos últimos dias. Dia e noite, apesar toque de recolher e da presença de carabineiros e de militares, os moradores saem a protestar contra a carência provocada pelo descaso governamental, para pedir maior pressa do governo na prometida entrega de alimentos, e ajuda econômica para enfrentar a grave crise de desemprego que a pandemia está provocando.
A comunidade de El Bosque, ao sul de Santiago esteve entre as primeiras nas quais chilenos se reuniram para erguer barricadas, acender fogueiras e partir para o enfrentando-se com as forças de segurança que, de acordo com fotos e testemunhas nas redes sociais, circulam até em tanques e veículos blindados por alguns setores e não têm duvidado em disparar contra os manifestantes.
Com cartazes com dizeres como “Se não nos mata o vírus, nos mata a fome”, muitos manifestantes bateram panelas enquanto bloqueavam o trânsito.
Gonzalo Durán, prefeito de Independencia, município ao norte de Santiago, que, como muitos outros, leva dois meses entregando ajuda social de emergência por conta própria, disse em entrevista ao jornal mexicano La Jornada que a ajuda que o presidente Piñera disponibilizou tem sido extremadamente lenta e “em nível nacional estamos abaixo de 50 mil cestas básicas. Nesta prefeitura, transcorrida uma semana desde a promessa, o governo distribuiu 2 mil cestas e prometeu outras 500 na quinta-feira. Desse jeito, a este ritmo nós demoraríamos pelo menos três meses para aliviar minimamente os problemas da população”.
A cooperação do governo, assinalou Durán, permitirá chegar a 25% da população vulnerável. “É um mecanismo lento demais e propusemos transferir de maneira direta às famílias uma contribuição que lhes permita comprar nos comércios locais, estimulando as economias dos territórios, mas o governo persiste na entrega casa por casa, o que significa que para chegar à totalidade vão passar vários meses, o qual se contrapõe ao sentido de urgência da medida”, afirmou.
Porém o que mais indignou e preocupou os chilenos foi a declaração do ministro Máñalich, que durante uma visita a um hospital privado, na quarta-feira, 27, disse que “todos os exercícios epidemiológicos, as fórmulas de projeção com as que eu fiquei seduzido em janeiro, vieram abaixo como um castelo de cartas” e, já que não têm outras opções, concluiu, em declaração tardia, que “o distanciamento físico é nossa única esperança”.
O ministro de Saúde, publicamente apoiado por Piñera, acrescentou: “Temos que dizer com franqueza, navegamos numa sorte de escuridão na qual cada dia vale: quantos pacientes novos há, falecidos, hospitalizados, o número de respiradores; temos que ser obsessivos em enfrentar a complexa condição à que está submetido todo o aparato sanitário do país: a realidade tem superado qualquer modelo”.
E, neste quadro, sindicatos de trabalhadores, economistas, algumas entidades empresariais, centros de estudos, expressaram seu temor de que ao final do ano o desemprego no Chile fique entre 18 e 20%. Hoje está em 8,2%, o maior nível em 10 anos. O que significa uma quantidade de 2 milhões de trabalhadores sem emprego, e em condições sociais muito precárias no país com 19,1 milhões de habitantes e uma população economicamente ativa de cerca de 10 milhões de pessoas.
“Os dados que nos entrega a Universidade de Chile, refletem o que vínhamos assinalando desde 17 de março. Quando apresentamos o Plano Nacional de Emergência advertimos que se não fossem tomadas medidas preventivas não só em relação à crise sanitária, mas também no que tange à crise social e econômica, o que teríamos que enfrentar é um fracasso na proteção da vida, e um fracasso na proteção do emprego”, frisou a presidenta da Central Unitária de Trabalhadores (CUT), Bárbara Figueroa.
O Centro Cultural, Social e Esportivo “Isaac Tapia” e a Junta de vizinhos “Ángela Davis” da capital, Santiago, decidiram unir-se às iniciativas de refeitórios comunitários, mesmo na situação de risco de sair do isolamento social. Joceline Parra, presidenta do Centro Cultural, afirmou que “vemos todos os dias a necessidade de nossos vizinhos e vizinhas devido à pandemia. Não adianta cobrir o sol com a peneira, as pessoas não recebem nenhuma ajuda do governo, tem fome, seus filhos choram. Em sua maioria vendedores ambulantes ou trabalhadores temporários, muitos resultaram demitidos de seus trabalhos, mal chamados suspensos”.