A assembleia do conselho de acionistas da Embraer aprovou, na terça-feira (26), a venda da fabricante brasileira de aeronaves para a concorrente norte-americana Boeing. A reunião ocorreu após a Justiça Federal de São Paulo derrubar uma liminar concedida sexta-feira (22), que suspendia a Assembleia Geral dos Acionistas a pedido de entidades sindicais dos trabalhadores.
A aprovação, que ocorreu em apenas vinte minutos de reunião, foi feita por apenas 13% dos acionistas com capital votante. A companhia informou que a assembleia contou com participação de detentores de cerca de 67% das ações em circulação e 96,8% dos votos considerados como válidos foram favoráveis ao negócio.
“A assembleia foi realizada na surdina. O Sindicato foi informado que a liminar havia sido suspensa somente às 8h30. O governo foi notificado meia hora antes e, por isso, nenhum representante participou”, denunciou o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Herbert Claros da Silva.
Este foi o penúltimo passo para a criação da empresa NewCo, que agora depende de autorização das autoridades regulatórias. Caso ocorra a fusão, 80% do capital será americano e 20% brasileiro.
O negócio também era questionado pela Associação Brasileira de Investidores (Abradin), que defendia que a transação deveria ter levado a uma oferta pública de ações para todos os acionistas da Embraer.
A Embraer foi privatizada em 1994, quando o governo obteve o poder de decisão sobre a companhia mediante uma “golden share”, que garante a ele o poder de veto. Por isso, acionistas minoritários passaram a semana passada pressionando a ala militar do governo Bolsonaro para que a fusão entre as duas empresas não fosse aprovada.
Os sócios minoritários argumentam que a Embraer sairá muito prejudicada do negócio, já que a empresa pode perder toda equipe de pesquisa e desenvolvimento. Um documento, que foi entregue ao governo por acionistas, mostra que a fabricação da aeronave KC-390 poderá ser feita inteiramente nos Estados Unidos. Isso afetaria basicamente toda a cadeia de produção da companhia.
“A JV KC-390 desenvolverá sua própria marca, ou seja, o KC-390 pode não trazer a marca Embraer”, diz o documento a que a Sputnik Brasil teve acesso.
Os acionistas da Embraer também aprovaram a criação de uma joint venture para promover e desenvolver novos mercados para o modelo. Sob os termos da parceria, a Embraer deterá 51% das ações e a Boeing os 49% restantes.
Outro ponto levantado pelos acionistas minoritários é que a NewCo pode concorrer com a fatia da Embraer que ficou de fora do negócio na produção de jatos executivos.
“A medida abre espaço para a Boeing utilizar propriedade intelectual da Embraer. Resolveram fazer uma operação que é ruim para a empresa, para os acionistas e para a economia brasileira”, disse o presidente da Abradin, Aurélio Valporto.
Segundo ele, apenas em janeiro os acionistas tiveram acesso a um documento de 284 páginas com os detalhes do que se pretende com a criação dessa joint-venture. Antes da assembleia, Valporto havia dito que se algum acionista votasse a favor desses termos “ou ele é incompetente ou ele está agindo de má-fé”.
De acordo com a associação, um dos principais interesses da Boeing é a Eleb, subsidiária da Embraer que projeta trens de pouso e é considerada referência mundial.
A Abradin denuncia ainda que o ministro Paulo Guedes (Economia) possui laços com Sérgio Eraldo de Salles Pinto, vice-presidente do conselho de administração da Embraer. O executivo trabalhou no grupo Bozano, companhia de investimento que teve o ministro como um dos sócios fundadores, chegando a ocupar os cargos de diretor-presidente e diretor-executivo. Guedes deixou a empresa para assumir o ministério.
“O Paulo Guedes é um dos maiores articuladores dessa negociação. Ele não poderia se manifestar porque há interesses conflitantes”, afirmou Valporto.