O governador do Acre, Gledson Cameli (PP) decretou, nesta sexta-feira (23), estado de emergência “em razão do desastre classificado e codificado como incêndio florestal”.
O decreto aponta atribuições especiais à secretaria estadual do Meio Ambiente, à Defesa Civil, às Polícias Civil e Militar e ao Corpo de Bombeiros. De acordo com o decreto, o governo do estado está liberado para fazer compras relacionadas ao combate das chamas sem licitação pública.
A Polícia Militar foi orientada a atuar “de forma repressiva, segundo a legislação vigente” nos incêndios. Já o Instituto do Meio Ambiente do Acre (Imac) desenvolverá campanhas de conscientização da população “quanto ao uso do fogo como crime ambiental”. Os bombeiros do estado serão direcionados para o enfrentamento das chamas.
Ainda de acordo com o decreto, os agentes públicos estão autorizados a entrar nas casas dos cidadãos acreanos sem ordem judicial para determinar a pronta evacuação dos imóveis em caso de risco. Ppropriedades privadas poderão ser usadas por agentes públicos “em caso de iminente perigo público”.
O Acre não é o primeiro estado a realizar um decreto por causa das queimadas e do desmatamento. No início de agosto, o governo do Amazonas já havia decretado estado de emergência para Manaus e municípios do sul do estado.
As queimadas clandestinas incentivadas pelas declarações de Bolsonaro e pelo desmantelamento dos órgãos de fiscalização do Ibama foram agravadas pela estiagem que atinge a região neste ano. Muitos fazendeiros aproveitam esta época do ano para ampliar as áreas de pastagens para o gado, fazendo a derrubada e queimando as áreas florestais.
O decreto cita “risco de colapso no sistema de abastecimento” de água nos municípios de Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia, Xapuri, Capixaba, Senador Guiomard, Rio Branco, Porto Acre, Acrelândia, Bujari, Sena Madureira, Manoel Urbano, Feijó, Tarauacá, e Cruzeiro do Sul diante da seca que atinge o Estado, fator que contribui para o descontrole dos incêndios.
‘Culpa não é da Bolívia nem do Peru, o problema é aqui’
Em seu discurso, o governador Gladson Cameli disse que não transferiria a culpa para outro estado ou país – se referindo sobre alegações de que a fumaça também saem da Bolívia e Peru. Aproveitou também para dizer que a questão ambiental está sendo muito politizada.
“De uma forma direta ou indireta estão politizando como a presidência, em alguns aspectos, está interpretando alguns dados. Não vim pra dizer que o culpado é o estado vizinho, país vizinho, eu não vou fazer isso, vou enfrentar o problema olhando pra ele. A culpa não é da Bolívia, nem do Peru, o problema é aqui e vamos resolver aqui mesmo”, declarou.
Queimadas aumentaram 190%
De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente, o número de queimadas aumentou consideravelmente no Acre, se comparado ao ano passado. De janeiro até 22 de agosto do ano passado, foram registradas 852 queimadas. Este número saltou para 2.498 entre janeiro até 20 de agosto deste ano – um aumento de mais de 190%.
Se considerados apenas os dias de agosto o acréscimo é relevante. De 1º a 22 de agosto de 2018, foram 408 focos de queimadas, que subiram para 2.123, aumentando em mais de 400% o número de registros.
ÁREAS AMBIENTAIS
O fogo está progredindo mesmo em áreas de proteção ambiental: 68 incêndios foram registrados em territórios indígenas e áreas de conservação somente nesta semana, a maioria deles na região amazônica. O estado de Mato Grosso, na região centro-oeste do Brasil, lidera as queimadas com 13.682 focos de incêndio em 2019 – um aumento de 87% em relação ao mesmo período do ano passado -, segundo o INPE. Mesmo entre julho e setembro, quando é proibido promover queimadas naquele Estado, houve um aumento de 205% no número de incêndios.
O desmatamento e as queimadas ganharam repercussão internacional, principalmente depois que São Paulo, a cidade mais industrializada do país, a 3.000 quilômetros da Amazônia, viu o céu escurecer na última segunda como consequência do mau tempo misturado à fumaça das queimadas vindas do Norte e da região central. Um teste realizado pelo Jornal Nacional mostrou que a água da chuva daquele dia estava contaminada com fuligem de fogo.
Segundo Inpe “os dez municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento. Estes municípios são responsáveis por 37% dos focos de calor em 2019 e por 43% do desmatamento registrado até o mês de julho. Esta concentração de incêndios florestais em áreas recém-desmatadas e com estiagem branda representa um forte indicativo do caráter intencional dos incêndios: limpeza de áreas recém-desmatadas”.
“A Amazônia está queimando mais em 2019, e o período seco, por si só, não explica este aumento. O número de focos de incêndios, para a maioria dos Estados da região, já é o maior dos últimos quatro anos. É um índice impressionante, pois a estiagem deste ano está mais branda do que aquelas observada nos anos anteriores. Até 14 de agosto, eram 32.728 focos registrados, número cerca de 60% superior à média dos três anos anteriores para o mesmo período”, afirma o instituto.
GRILAGEM
Segundo o pesquisador Luís Fernando Guedes Pinto, do instituto Imaflora, em entrevista a revista “Época” as informações já existentes sobre as queimadas mostram que elas fazem parte de um processo de disputa das terras da região amazônica.
“Esse fogo é parte de uma questão de disputa de terras. É um movimento para limpar e ocupar as áreas, e não para aumentar a produção. O objetivo é ocupar, na expectativa de que as terras serão regularizadas depois”, diz ele.
NASA
Pesquisadores da Nasa que monitoram focos de queimada no planeta afirmam que seus dados sobre o Brasil estão consistentes com o aumento abrupto que o Inpe vem denunciando nas últimas semanas.
“Vimos sinais de que o desmatamento está aumentando neste momento”, diz Douglas Morton, chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas do Centro Goddard de Voo Espacial da Nasa, em Maryland, nos Estados Unidos.
“Dez dias atrás, olhei as imagens dos nosso sensores dos satélites em órbita e eles mostravam claramente os focos de calor separados, com colunas de fumaça enormes saindo daquelas áreas da fronteira agrícola, como Novo Progresso, a região da Terra do Meio, no Pará, e o sudeste do estado do Amazonas”, afirma Morton à Folha.
Segundo o pesquisador, é possível correlacionar os principais focos de calor detectados pelos satélites Terra e Aqua da Nasa ao corte raso de floresta na região, e não a outros tipos de atividade que implicam queimadas sem desmatamento, como limpeza de pastos, preparo de plantios ou queima de bagaços.
“Não existe uma quantidade de combustível suficientemente alta para gerar aquelas colunas de fumaça se aquilo for somente limpeza de pasto, por exemplo”, afirmou.