Decisão do Conselho de Ética da Alesp de dar pena branda a assediador foi rechaçada pela vítima. Parecer ainda será julgado pelo Plenário
A deputada estadual Isa Penna (PSOL) classificou como ‘inaceitável’ a decisão do Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) de sugerir uma punição atenuada ao deputado Fernando Cury pela importunação sexual contra ela. O colegiado aprovou a proposta de suspensão do mandato por 119 dias.
“Abre a porta para os assediadores. É um recado principalmente para quem assedia. É a legalização do assédio. É um rito que abre um precedente que é político, mas também é jurídico. Abre um precedente para um aprofundamento, um avanço ainda maior dessa cultura do assédio”, disse em entrevista. “Não é qualquer coisa o que aconteceu hoje. Isso mancha a história da Assembleia Legislativa”.
O relator Emídio de Souza (PT) havia sugerido suspender Fernando Cury por seis meses e cortar a verba de seu gabinete durante o período. Pelo placar de 5 votos a 4, a sugestão de Wellington Moura (Republicanos), de afastar o deputado por 119 dias e manter o subsídio de seu escritório, acabou prevalecendo.
Penna diz esperar que o caso, que agora vai para plenário, onde precisa de maioria simples dos 94 deputados estaduais para ter a punição confirmada, tenha apoio das mulheres da Casa.
Para Isa Penna, o resultado é ‘quase um presente’ para o deputado. “Tem horas que esses deputados falam que querem economizar, diminuir o Estado. Agora querem manter 23 pessoas trabalhando para um deputado que não existe, para um deputado que está suspenso”, criticou. “Se o gabinete funciona, o mandato funciona. Ele vai ter direito a emenda, R$ 4,5 milhões”, acrescentou.
O resultado, no entanto, não é definitivo. O parecer aprovado no Conselho de Ética ainda será levado ao plenário da Assembleia e precisa de maioria simples para ser referendado. Como não houve previsão de cassação, a votação deixa de ser secreta e passa a ser nominal.
Na avaliação de Isa Penna, a mudança é favorável para articular uma punição mais dura, já que os colegas precisarão se manifestar abertamente. “Os deputados devem isso à sociedade, eles devem se posicionar sobre esse caso abertamente. E isso pode ser até mais importante para as mulheres e para os assediadores do que uma eventual cassação que a gente sabe que não aconteceria”, explica.
O prazo de afastamento ainda pode ser ampliado por se tratar de um projeto de resolução, o que abre margem para aprovação de substitutivo ao texto original votado no conselho.
“Vai ter volta. No plenário é uma correlação de forças diferente do que no Conselho de Ética. A nossa estratégia no conselho era justamente de fazer o processo ir para o plenário, porque a gente estava correndo o risco dele sequer ir para o plenário. Indo para o plenário a gente já tem uma articulação de mulheres de todos os espectros políticos que se solidarizaram. A gente tem deputado como o Barros Munhoz, que é da base do governo, mas que é um deputado que banca suas posições. Só estamos começando. O nosso objetivo nós cumprimos, não da forma como nós gostaríamos, mas o processo foi para o plenário. Esse era o objetivo”, avalia a deputada.
Questionada sobre a convivência com Cury após o afastamento, a deputada afirma que a presença dele vai ‘incomodar’ para sempre. “Não só dele, mas também dos que deram continuidade ao assédio que ele começou”, diz.
“Nós temos uma salinha de café, que não tem câmera. Eu não vou mais nessa salinha de café, porque imagina se eu encontrar o Fernando Cury ou o Wellington Moura. Eu não vou pegar o corredor de acesso para o plenário mais, imagina se o Fernando Cury vem na minha direção. Não vou mais, porque eu sei que esses espaços não têm câmera. Se ele é capaz de fazer aquilo na frente da câmera, imagina o que ele não é capaz de fazer comigo sozinha em um lugar sem câmera. Seja do ponto de vista físico, seja do ponto de vista psicológico, seja do ponto de vista de tentar me desestabilizar de tentar desestabilizar minha atuação a todo momento”.
Em depoimento ao Conselho de Ética no último dia 24, Cury pediu desculpas à colega de parlamento ‘por qualquer tipo de constrangimento e por qualquer tipo de ofensa’ que ele tenha causado. De acordo com o deputado, o abraço foi ‘um gesto de gentileza’ por interromper a conversa dela com o presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB).
Perguntada sobre o pedido de desculpas, Isa Penna disse que tem ‘asco muito profundo’ do deputado. “O deputado Fernando Cury é um covarde que estava bêbado e que vê as mulheres como objeto e tinha provavelmente visto meu vídeo dançando”, disse. “Eu com certeza não fui a primeira. Tenho certeza absoluta. Daria um braço”.
Votaram a favor da proposta mais branda, além do próprio Wellington Moura, os deputados Delegado Olim (Progressistas), Adalberto Freitas (PSL), Alex de Madureira (PSD) e o corregedor da Casa, Estevam Galvão (DEM). “Sobre os cinco votos, eu quero dizer que eu acho que ali é o crème de la crème da escória da Assembleia Legislativa”, disse Isa.
O CASO
Fernando Cury foi denunciado ao Conselho de Ética da Alesp por Isa Penna após abordá-la pelas costas e passar a mão em seu corpo, em 16 de dezembro. Na ocasião, os deputados votavam o orçamento do estado em sessão plenária na Alesp, e uma câmera da Assembleia flagrou a abordagem de Cury.
Em 10 de fevereiro, o conselho aprovou, por unanimidade, a admissibilidade da denúncia contra Cury por quebra de decoro.
Para os deputados, livrar o acusado de qualquer punição mancharia a imagem da Alesp, em razão da repercussão midiática e pressão da sociedade civil no caso.
Fernando Cury foi afastado do Cidadania que não compactou com o crime. “O fato é grave. É evidente que o partido não pode admitir coisas desse tipo, assédios desse tipo”, afirmou o presidente do partido, Roberto Freire.