O governo de São Paulo foi obrigado pela Justiça a recuar da nefasta decisão de abandonar o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Nesta quarta-feira (16), o juiz Antonio Augusto Galvão de Franca, autor da sentença, também determinou urgência da medida liminar pela “iminência do escoamento do prazo para escolha das obras do PNDL, que irá se encerrar na semana que vem, em 23/08/2023”.
O retorno não imediato ao programa “poderá importar na impossibilidade de os estudantes do ensino fundamental receberem as obras do PNLD”, avaliou o magistrado. Em nota, a Secretaria da Educação informou que voltará a aderir ao programa.
Na semana passada, o governo do bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou que estava abandonando o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para os anos finais do ensino fundamental e do médio a partir de 2024.
Na decisão, que atendeu pedido de parlamentares, a Justiça suspendeu ato da gestão estadual ao proferir que “ante o exposto, defiro a liminar, nos exatos moldes postulados, suspendendo todos os efeitos do ato administrativo de retirada do Estado de São Paulo do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD”.
O magistrado sustentou que a “retirada, pelo Governo do Estado de São Paulo, de sua adesão ao PNLD já configura, em princípio e em tese, patente violação ao princípio constitucional da gestão democrática que deve pautar o sistema de educação pública”. E ainda, que a medida exigiria um “profundo e amplo debate com representantes da comunidade acadêmica, dos estudantes, Conselhos Escolares, dentre outros agentes e gestores do sistema educacional” da rede estadual de ensino. “A abrupta desconstituição administrativa da adesão ao programa é, em tese, apta a gerar sérios prejuízos à formação escolar dos estudantes e, também, ao erário estadual”, completou o juiz.
ESCOLHA DE LIVROS É DEMOCRÁTICA
A deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP), uma das proponentes do pedido, disse ao G1 que a decisão é “importantíssima para barrar esse ataque, essa destruição do direito à educação dos nossos estudantes, que já sofreram com uma política de abandono durante o pior período da pandemia e agora precisam ter o seu direito à educação protegido”.
Segundo a parlamentar, “os livros didáticos que são fornecidos há mais de 80 anos, são escolhidos de modo democrático, com critérios científicos, são utilizados em diversas escolas públicas e particulares, livros que trazem o direito à igualdade no acesso dos nossos estudantes”
No “recuo”, a secretaria informou que “vai aderir ao PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) para 2024, pois, “dessa forma, os alunos terão à disposição tanto o material baseado no Currículo Paulista quanto os livros didáticos fornecidos pelo MEC (Ministério da Educação). O ofício de adesão ao PNLD 2024 foi enviado ao MEC na tarde desta quarta-feira (15)”, disse a nota.
O Ministério Público e a Defensoria já haviam se manifestado favoravelmente à ação dos parlamentares (o deputado Carlos Gianazzi, também do PSOL, assinou o pedido) e, nesta quarta-feira protocolaram uma ação civil pública contra a decisão do governo de ficar de fora do PNLD.
Os autores dos dois órgãos apontaram “inconstitucionalidade e ilegalidade na decisão, especialmente por falta de adequada motivação e desrespeito aos princípios de gestão democrática, liberdade de cátedra, de aprendizagem, de pesquisa e de valorização dos profissionais da educação.”
Segundo o MP e a Defensoria, também houve violação a normas que garantem expressamente a participação do magistério e dos Conselhos de Escola nas deliberações sobre escolhas de materiais didáticos e progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa às unidades escolares.
“O Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação), do MP pretende assegurar que a rede de ensino paulista, por suas professoras e professores, tenha o direito de participar do processo de escolha de obras didáticas já em curso no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação”.
A Folha de São Paulo apurou que o anúncio do retorno ao programa federal seria feito somente nesta quinta-feira (17). Porém, foi antecipado com a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.
MATERIAIS EXCLUDENTES
A decisão anterior de não fazer parte do programa do MEC, substituindo as obras didáticas por apostilas eletrônicas, era inédita. A medida enfrentou resistência de vários setores, especialmente da comunidade educacional. O governo Tarcísio anunciou no início do mês que usaria materiais próprios e 100% digitais. Professores e especialistas criticaram com veemência a decisão já que os livros didáticos passam por avaliação do MEC, sendo avaliados por professores, mestres e doutores que fazem parte do banco de avaliadores do Ministério. Só depois de serem aprovados, os materiais são incluídos no catálogo ao qual as escolas têm acesso.
O secretário da Educação e proprietário da empresa de tecnologia Multilaser, Renato Feder, que demonstra uma obsessão por parafernálias eletrônicas para substituir a presença do professor na sala de aula e por terceirizar funções da educação repassando recursos públicos para o mercado, alegou que os materiais distribuídos pelo PNLD para 2024 são “rasos” e “superficiais”. Feder Multilaser também usou a desculpa de que os livros do MEC não eram consumíveis, ou seja, os alunos não poderiam fazer anotações neles.
Após ser enxovalhado de críticas de todos os lados – até ser forçado pela Justiça a declinar da decisão – o secretário privatista de Tarcísio se saiu com essa: “A decisão de permanecer no programa no próximo ano se deu a partir da escuta e do diálogo com a sociedade, que resultou no entendimento de que mais esclarecimentos precisam ser prestados antes de que a mudança seja efetivada”.
JOSI SOUSA