Após quatro anos de sua sanção, completos na última terça-feira (13), a reforma trabalhista não cumpriu com nenhuma das promessas feitas por seus defensores. Uma das principais promessas feitas na época era a de que, com a chamada “flexibilização” das regras trabalhistas, eufemismo para precarização do vínculo e da proteção social aos trabalhadores, se teria condições de alavancar o número de contratações no país num curto espaço de tempo.
Poucos dias após a aprovação do texto da reforma, em julho de 2017, o então presidente, Michel Temer, afirmou que agora, os “setores produtivos estimam que a modernização na lei trabalhista criará, a curto prazo, mais de 2 milhões de empregos […] Sobretudo para os mais jovens”.
Os defensores da reforma chegaram a falar depois em 3 milhões, chegando a 6 milhões de vagas. Naquele momento, a taxa de desocupação era de 13,7%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad-Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Hoje, quatro anos após a sanção da nova norma, o número de desempregados no país alcançou recorde histórico, atingindo 14,4 milhões (14,7%) dos brasileiros, no trimestre encerrado em fevereiro de 2021, o maior contingente desde 2012 (Pnad-Contínua).
Somando desempregados, os que trabalham menos horas do que gostariam de trabalhar e os que não estavam procurando emprego nos dias antecedentes à coleta de dados da Pnad-Contínua, 32,641 milhões de brasileiros estão subutilizados. Desde o início da pandemia, momento em que o desemprego se agravou, foram 7,8 milhões de postos de trabalho fechados e 6 milhões de pessoas desistiram de procurar emprego, o chamado desalento. A pesquisa mostrou ainda que o percentual de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar no mês de fevereiro era de 48,6%, um recuo de 5,9 pontos percentuais em relação a igual trimestre do ano anterior (54,5%). Ou seja, metade da população em idade de trabalhar não estava empregada no fim do primeiro trimestre de 2021.
Em entrevista à Carta Capital, o cientista social Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), explicou que mesmo em momentos de crescimento econômico no país a suposta geração de empregos não se aplicou. De lá para cá, houve momento de pequenas variações positivas que nunca se concretizaram em aumento da ocupação, efetivamente.
“Todos os números mostram que os empregos não só não foram gerados, como também a taxa de desemprego cresceu. Se a gente pegar os números, mesmo antes da pandemia, em momentos de crescimento econômico, essa taxa de desemprego só cresceu desde a reforma”, explica.
Fausto, lembra ainda que a reforma promoveu mudanças na forma de arrecadação sindical, ao torná-las não obrigatórias, o que fez com que as receitas dos sindicatos fossem reduzidas a praticamente zero nos últimos 4 anos. Além disso, o poder de participação e intervenção sindical foram enfraquecidos por outras mudanças na legislação, como a priorização da negociação individual e a não obrigatoriedade da participação dos sindicatos na homologação das demissões.
“Isso reflete todo um movimento implícito de enfraquecimento. Não é declarado, a estrutura sindical segue existindo na Constituição e no discurso a narrativa é de que elas foram fortalecidas pela Lei, o que não é verdade”, afirma.
Com a mudança do texto, outro efeito prático da “reforma” trabalhista se expressou na redução no volume de processos na Justiça do Trabalho. A partir de sua aprovação, os custos processuais passam a ser de responsabilidade de quem perder a ação, assim, se o trabalhador perder a ação terá que arcar com honorários dos advogados das partes, de possíveis perícias, etc, se tornando uma barreira, por vezes intransponível, para que ações sejam ajuizadas nos tribunais de primeira instância. Desde sua aprovação até 2020, de acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), as ações trabalhistas caíram cerca de 32%, passando de 2,2 milhões para 1,5 milhão de ações.
Para a desembargadora Marlene Suguimatsu, esse é, justamente, o principal ponto negativo da reforma. “Reduziram-se as demandas, não porque os empregadores passaram a cumprir integralmente suas obrigações, mas porque os trabalhadores passaram a ser onerados”, destacou.
A mudança é alvo inclusive de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), com julgamento marcado para ocorrer no dia 7 de outubro de 2021.
Outro ponto alvo de ações no STF é o trabalho intermitente, modalidade na qual o trabalhador fica à disposição da empresa para quando ela precisar de seus serviços, mas só é pago pelos dias em que efetivamente trabalhar. Em dezembro do ano passado, o ministro da Suprema Corte, Edson Fachin, relator dos processos envolvendo a matéria, manifestou voto pela inconstitucionalidade da modalidade.
Além de não gerar empregos, de enfraquecer as estruturas sindicais e de criar impeditivos para que os trabalhadores acionem a Justiça do Trabalho em busca de seus direitos, a reforma trabalhista criou a possibilidade de contratações baseadas em relações mais precarizadas e com uma menor proteção social.
A chamada “pejotização” das relações de trabalho, modalidade cujos trabalhadores são contratados como empresa, geralmente como Microempreendedores Individuais (MEI’s), cresceu no último período, assim como a informalidade.
“Essa reforma criou mecanismos que acabaram por incentivar a pejotização”, avalia. “Esse vínculo mais fraco pode até parecer positivo em um primeiro momento, mas o custo no médio e longo prazo será alto. Do ponto de vista de produtividade e qualidade, por exemplo, essa empresa sem dúvidas terá uma redução significativa”, destaca.
Jorge Luiz Souto Maior, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15º Região e professor de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP, afirmou, quando a “reforma” completou seus três anos ela “trouxe para a ‘formalidade’ modos informais de exploração do trabalho”.
“O que nós temos então são pessoas incluídas formalmente, mas que do ponto de vista social e econômico se encaixam perfeitamente entre os excluídos”, defendeu em entrevista ao ConJur.
Na ocasião, Souto Maior avaliou que o “balanço, do ponto de vista do conjunto da sociedade brasileira e, sobretudo, da classe trabalhadora, é extremamente negativo — aliás, como já era possível prever”, de lá para cá, a situação dos trabalhadores e do mercado de trabalho só piorou, com o advento da pandemia.
“Como a gente já denunciava na discussão da reforma, lá em 2017, que todas aquelas iniciativas legislativas baseadas em flexibilização, redução de custos, redução de direitos dos trabalhadores, levariam a uma piora geral da economia, das condições de trabalho e da distribuição e produção da riqueza; uma piora do ponto de vista da renda dos trabalhadores e das trabalhadoras. O efeito que se produziu era um efeito imaginado, um efeito que foi por diversas vezes expresso e denunciado”, disse.