“Você pode me informar o valor que foi depositado esse mês para eu prestar conta?”, diz Queiroz para Danielle da Nóbrega
No dia 6 de dezembro de 2018, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega – a esposa de Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime, um grupo de assassinos por encomenda ligado ao esquema das milícias – trocou as seguintes mensagens com Fabrício Queiroz, faz-tudo de Jair Bolsonaro, colocado no gabinete de seu filho, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro:
DANIELLE: Boa tarde meu amigo. Depois lembra de passar a senha por favor. Outra coisa. Vc sabe quando vai entrar o pagamento? Beijo.
QUEIROZ: Ainda não caiu?
DANIELLE (depois de enviar imagem de seu último contracheque): Dia 30/11.
QUEIROZ: Então vc foi para exonerada.
DANIELLE: Ahhh, me tira de lá. Tem como?
QUEIROZ: Sério. Tá havendo problemas. Cuidado com [o] que vai falar no celular.
DANIELLE: Eu sei.
DANIELLE: Mas há a possibilidade de receber ainda algo?
QUEIROZ: Não.
DANIELLE: Meu Deus.
Queiroz envia a reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” sobre a investigação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), que chegara nele e em Flávio Bolsonaro.
DANIELLE: Não estava sabendo de nada. Mas vc acha que eu volto?
QUEIROZ: Pode ser que sim.
No mesmo dia dessa troca de mensagens, o jornal “O Estado de S. Paulo” revelara que um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontara uma movimentação de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, inclusive um cheque de R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, esposa de Jair Bolsonaro. É essa matéria de “O Estado de S. Paulo” que o faz-tudo de Bolsonaro enviou para Danielle da Nóbrega (v. HP 07/12/2018, “Furna da Onça” vê transação suspeita de R$ 1,2 milhão de assessor de Flávio Bolsonaro).
A movimentação financeira detectada era incompatível com os rendimentos e com o patrimônio de Queiroz.
Em janeiro, há outra troca de mensagens, quando a esposa de Adriano da Nóbrega foi chamada para depor (quase todas as mensagens de Queiroz foram apagadas, mas não as de Danielle, cujo celular é a fonte da maioria das informações deste artigo):
QUEIROZ: [mensagem excluída]
DANIELLE: Que bom.
QUEIROZ: [mensagem excluída]
DANIELLE: Chamaram sim.
QUEIROZ: [mensagem excluída]
DANIELLE: Um policial veio aqui na quinta feira passada. Amanhã será o dia do depoimento.
QUEIROZ: Ah
Danielle envia uma foto da intimação do Ministério Público do Rio de Janeiro.
QUEIROZ: [mensagem excluída]
DANIELLE: Tb
QUEIROZ: [mensagem excluída]
QUEIROZ: Bjs
DANIELLE: Eu já fui orientada. Ontem eu fui encontrar os amigos.
QUEIROZ: Eu sei.
DANIELLE: Fique bem. Todos nós ficaremos bem.
DANIELLE: Beijo no coração.
QUEIROZ: Outro.
Quem são os “amigos” que orientaram Danielle – e que Queiroz conhece tão bem?
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Também em janeiro, a mulher do chefe do Escritório do Crime comentou, outra vez em mensagem, com uma amiga:
DANIELLE: Enfim, amiga… por outro lado, eu não sei se comentei com você, mas eu já vinha um tempo muito incomodada com a origem desse $ na minha vida. Sei lá… Deus deve ter ouvido.
Na mesma época, Danielle conversou com outra amiga, que lembra a ela:
PATY: … mas isso foi ele [Adriano da Nóbrega] que arrumou, nem era uma coisa, digamos assim, legal, então por isso eu acho que ele poderia te dar esse valor. Até mesmo porque você poderia ter se enrolado com isso.
Essas mensagens sucedem o estouro do escândalo. Mas existem outras, também apreendidas pela polícia no celular de Danielle, anteriores ao estouro.
Por exemplo, em janeiro de 2018:
QUEIROZ: Boa noite amiga. Estou de férias e não peguei o seu contracheque. Vc pode me informar o valor que foi depositado esse mês para eu prestar conta? Bom dia.
DANIELLE: Oi, meu amigo, bom dia. Estou na estrada viajando. Assim que parar eu vejo isso e te envio beijo.
A quem Fabrício Queiroz tinha de prestar contas?
Em maio de 2018, Queiroz pede uma cópia da Declaração de Imposto de Renda de Danielle:
DANIELLE: Meu amigo, bom dia. Como posso te entregar o IR [Imposto de Renda]? Só estarei domingo com minha prima. Ela mora em Copacabana.
QUEIROZ: Vamos pensar…, amiga, precisamos da cópia do seu IR.
DANIELLE: Oii, sua filha está no Downtown ainda? Posso deixar lá com ela ou com aquela amiga dela que mora próximo a mim?
FOTO DO CONTRACHEQUE
Um ano antes, em março de 2017, o método era o mesmo, embora em outro sentido (era Queiroz que estava enviando o comprovante de uma suposta renda para Danielle fazer a sua declaração):
QUEIROZ: Vou te enviar o comprovante anual de renda.
DANIELLE: Tá ótimo.
QUEIROZ: E os contracheques que estão aqui.
DANIELLE: Quer meu endereço?
QUEIROZ: Me passa o endereço.
DANIELLE: Ou quer que eu busque com Evelyn [uma das filhas de Queiroz]?
QUEIROZ: A faculdade dela é lá em frente ao BarraShopping. É a mesma faculdade. Mas voltou para onde era antes. Na primeira rua após o posto de gasolina em frente ao BarraShopping. Combina com ela. Vou levar hoje.
DANIELLE: Posso buscar na segunda?
QUEIROZ: Combina com ela. Não sei bem os dias dela de aula.
Mas, no mês seguinte, em abril, Queiroz estava outra vez preocupado em prestar contas do dinheiro que era desviado via salário dos funcionários, nesse caso, uma funcionária inteiramente fantasmática:
QUEIROZ: Consegue fazer seu IR com a foto do contracheque?
DANIELLE: Ainda não chegou. Ah. Você fala em me enviar a foto? Quer me enviar por e-mail? Scaneando?
QUEIROZ: Me passa seu endereço do e-mail e residência. Amanhã coloco no correio todos seus contras.
DANIELLE: Não chegou.
QUEIROZ: Estou te enviando agora pelo e-mail.
DANIELLE: Tá.
QUEIROZ: Calma.
Segue outra troca de mensagens, agora em maio de 2017:
QUEIROZ: Preciso da sua cópia da declaração do IR com aquela declaração.
DANIELLE: Oi, meu amigo. Qd posso deixar com sua filha?
Queiroz envia o contato de uma das suas filhas, Evelyn.
DANIELLE: Tá meu amigo. Eu vou fazer contato com ela. Preciso tirar uma xerox e te enviar né?
QUEIROZ:Isso. E declaração com o recibo.
NOME DE CASADA
Mas havia um problema, mesmo antes que o Coaf e a Operação Furna da Onça descobrissem que a conta de Fabrício Queiroz era uma espécie de ponto radioativo da baixa corrupção praticada no gabinete de Flávio Bolsonaro.
O problema é que Danielle da Nóbrega era casada com Adriano da Nóbrega – chefe do Escritório do Crime, expulso da PM, foragido, e, mais:
“Sob comando de Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão, com passagem pelo BOPE, expulso da PM em dezembro de 2013, depois de preso em 2006, 2008 e 2011, por suspeita de assassinato, a milícia do Rio das Pedras tornou-se a maior, mais atrevida e mais perigosa do Rio de Janeiro. Enquanto isso, a esposa e a mãe do ‘injustiçado’ operavam no gabinete do deputado Flávio Bolsonaro, com salário pago pela Alerj, ao lado de Queiroz, que movimentava em sua conta bancária milhões cuja procedência e destino ele não consegue explicar” (v. HP 24/04/2019, Bolsonaro e as milícias).
Daí, a troca de mensagens, em dezembro de 2017:
QUEIROZ: Quando vc puder, queria te encontrar e entregar seus contras e conversar vc.
DANIELLE: Oi meu amigo. Bom dia. Ah podemos sim. Só me avisar. É conversa boa ou ruim?
QUEIROZ: Sobre seu nome… não querem correr risco, tendo em vista que estão concorrendo e visibilidade que estão … Eu disse que vc está separada e está se divorciando.
DANIELLE: Ah, entendi. Verdade, meu amigo.
QUEIROZ: Vcs estão se divorciando?
DANIELLE: Não.
QUEIROZ: Hummm
DANIELLE: Continuamos casados. Separados de corpos. Você acha que vai pegar alguma coisa?
QUEIROZ: Estão fazendo um pente fino nos funcionários e família deles. Saiu uma matéria já no Globo de domingo.
DANIELLE: Ah, não leio jornal nem vejo tv (jornal). Fico por fora. Mas me segura lá.
QUEIROZ: Tentarei.
Bolsonaro, portanto, achava arriscado que, na campanha eleitoral, se soubesse que a esposa do chefe do Escritório do Crime estava lotada no gabinete de seu filho – local, onde, aliás, ninguém se lembra de tê-la visto, apesar de lá ficar na folha de pagamento durante 11 anos.
Mas existia – e existe – algo tão ou mais comprometedor: a Medalha Tiradentes, maior condecoração do Estado do Rio de Janeiro, concedida ao chefe do Escritório do Crime, Adriano da Nóbrega, por recomendação do deputado estadual Flávio Bolsonaro.
Na época dessa recomendação, Adriano da Nóbrega estava preso por assassinato – logo depois, foi condenado a 19 anos de cadeia.
Nem mesmo é possível aos Bolsonaro atribuir esses rapapés ao chefe do Escritório do Crime a Fabrício Queiroz. Nessa época, ele não estava, ainda, no gabinete de Flávio Bolsonaro, onde somente se aboletou dois anos depois.
E já era a segunda “homenagem” que Flávio Bolsonaro fazia ao chefe do Escritório do Crime.
A primeira foi em 2003, uma “moção de louvor”.
Quanto a Danielle, está claro nas mensagens que foi o próprio chefe do Escritório do Crime quem a colocou no gabinete do filho de Bolsonaro.
Pior do que isso, somente se o assassino da vereadora Marielle Franco morasse na mesma rua de Bolsonaro.
C.L.
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