Seis anos depois do rompimento da barragem em Mariana em Minas Gerais, vítimas ainda esperam por moradia. O 5 de novembro, dia em que é relembrada a tragédia ambiental causada pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP, foi marcado por uma manifestação contra a impunidade na praça central da cidade.
A tragédia matou 19 pessoas e jogou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos no rio Doce, atingindo cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo. Até hoje, vítimas continuam sem receber reparação integral e sem a conclusão do reassentamento.
Centenas de pessoas se reuniram na tarde da última sexta-feira (5) na Praça Minas Gerais, em Mariana, em manifesto aos 6 anos do rompimento da barragem da Samarco na cidade. Aos gritos de “não vamos recuar”, o grupo, liderado pelo Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), denuncia a impunidade e pede justiça pelos danos causados. No caso dos moradores, desde a tragédia, as duas comunidades situadas na zona rural da cidade que foram devastadas – Bento Rodrigues e Paracatu – ainda estão sendo reconstruídas e não têm prazo para conclusão das obras.
A integrante do MAB, Letícia Oliveira ressalta que a tragédia não pode cair no esquecimento e que muito pouco foi feito para os atingidos.
“Esse é um ato principalmente por conta da demora na entrega dos reassentamentos. As pessoas estão falecendo e não conseguem voltar para as comunidades. Seis anos depois é um absurdo não termos nenhuma casa pronta em Paracatu de Baixo, em Gesteira e apenas dez em Bento Rodrigues e não há prazo para que essas comunidades sejam finalizadas”, pontuou.
Além de Mariana, o MAB explica que outro protesto em Governador Valadares, na região do Rio Doce, também ocorreu na sexta-feira. Ainda pela manhã, integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST) protestaram em frente à sede da Samarco, também em Mariana, por conta dos seis anos da tragédia. Os manifestantes chegaram a fechar completamente a MG-129, rodovia importante que corta a cidade.
Às 16h, hora do rompimento da barragem, uma missa foi celebrada em Bento Rodrigues.
10 casas
Os reassentamentos previstos também não foram concluídos. O vice-presidente da associação de moradores de Bento Rodrigues, Mauro Marcos da Silva, que perdeu a casa, avalia que eles estão à mercê da sorte.
O primeiro prazo para entrega dos assentamentos foi março de 2019, o que não foi concluído. A responsável pela construção e retomada da região, a Fundação Renova, criada pelas mineradoras Vale e BHP, com chancela da ex-presidente Dilma Rousseff para administrar a reparação dos atingidos, afirma ter feito o aporte de R$ 15 bilhões nas obras, mas nos seis anos após a tragédia, construiu apenas 10 casas.
O reassentamento de Bento Rodrigues está com 10 casas concluídas de 203 previstas. Já das 83 casas previstas para o reassentamento de Paracatu de Baixo, apenas 11 começaram a ser construídas em setembro de 2021.
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) já pediu a extinção da Fundação Renova por considerar que a instituição não atende às demandas dos atingidos. O pedido ainda está em análise na Justiça.
Sobre a responsabilidade criminal dos responsáveis pela barragem, ainda sequer foi definida a competência para julgar o caso, se é da justiça estadual ou federal. Enquanto isso, a Samarco e sua dona, a mineradora privatizada Vale faturaram cerca de R$ 7,6 bilhões de dólares em lucro, revertido aos acionistas.
Agora, o Poder Público aposta em fechar um novo acordo com as empresas até fevereiro de 2022, tendo como referência o acordo fechado com a Vale pelo rompimento da barragem de Brumadinho. Nessa nova negociação, o Ministério Público pede uma reparação de R$ 155 bilhões.
Porém, os atingidos reclamam que continuam sem ter direito a participar diretamente das negociações. O representante da Cáritas, organização ligada à Igreja Católica, que presta assistência técnica para os atingidos em Mariana, Gladston Figueiredo, destacou que há pouca confiança na nova negociação.
Outra consequência do rompimento da Barragem do Fundão foi a redução das atividades econômicas da região. O produtor de leite de Paracatu de Baixo, subdistrito de Mariana, Marino D’Angelo, chama a atenção para o empobrecimento dos produtores locais por conta dessa situação.
Outra queixa frequente dos moradores da Bacia do Rio Doce é em relação à contaminação do solo, água e fauna causada pela lama dos rejeitos da mineração. Para a representante dos atingidos do município de Barra Longa, Simone Silva, é preciso dar acesso à saúde às vítimas do rompimento.
Um estudo de 2019, feito pelas empresas Ambios e Technohidro detectou concentrações acima dos valores considerados seguros de ferro, cobre, arsênio, entre outros metais, tanto nas poeiras dentro das casas das comunidades de Mariana e Barra Longa, quanto no solo e nos alimentos produzidos na região.
Indenizações
Além dos problemas do reassentamento, outro problema está em voga, envolvendo as indenizações. Em julho de 2020, a Ramboll, uma das consultorias externas independentes que assessoram a atuação do Ministério Público Federal (MPF), indicou que apenas 34% das famílias cadastradas em toda a bacia haviam recebido algum valor indenizatório.
Esse cenário mudou muito pouco até os dias atuais, com a criação do novo sistema indenizatório simplificado, a partir de uma série de sentenças proferidas pelo juiz federal Mário de Paula Franco Júnior. As primeiras delas, em setembro de 2020, beneficiaram os municípios de Naque (MG) e Baixo Guandu (ES). A partir de então, milhares de atingidos de outros municípios solicitaram adesão e foram atendidos.
Entre os indenizados estão trabalhadores informais, que até então não haviam sequer sido reconhecidos no processo de reparação, como revendedores de pescado, comerciantes, artesãos, agricultores, carroceiros, areeiros, ilheiros e lavadeiras.
Eles devem receber quantias que variam entre R$ 71 mil e R$ 161,3 mil. São valores referentes a danos materiais e morais e lucros cessantes, isto é, os ganhos financeiros que o trabalhador deixou de obter. Também foram arbitrados valores entre R$ 17,4 mil e R$ 54 mil a moradores que pescavam ou plantavam para subsistência.
As sentenças fixaram ainda valores para hotéis, pousadas, bares e restaurantes informais, além de donos ou tripulantes de embarcações empregadas na pesca profissional.
O MPF, no entanto, considera alguns valores baixos e vê irregularidades na implantação do sistema. Em uma ação civil pública foi denunciado o reconhecimento de comissões de atingidos ilegítimas. Também foi levantada suspeita de lide simulada, que ocorre quando o processo é aberto após acordo prévio entre advogados de ambas as partes. No entanto, em decisões preliminares, a Justiça manteve o sistema.
Na primeira audiência pública, a moradora de Barra Longa, Cristiane Ribeiro Martins, endossou a denúncia do MPF. “É uma comissão que nunca existiu”, disse ela sobre a entidade que solicitou a inclusão do município no sistema simplificado. Entre os atingidos, há diferentes percepções sobre o sistema indenizatório simplificado. “A lama chegou a 400 metros da minha propriedade e eu não fui considerado atingido. Foi uma luz no fim do túnel de, quem sabe, receber alguma coisa”, disse Alexander da Costa Calderaro, produtor rural em Mariana.
Creusa Fernandes Almeida, moradora do distrito de Revés de Belém, em Bom Jesus do Galho (MG), vê uma pressão da Fundação Renova e também dos advogados particulares para que as pessoas façam a adesão. “Eu aderi porque era considerada um caso de difícil comprovação. E hoje vejo que não era de difícil comprovação. Não tive problema nenhum para entrar e rapidamente me pagaram”.
Uma das principais queixas diz respeito à exigência de assinatura do termo de quitação geral: por meio dele, o atingido concorda em não fazer novas reivindicações indenizatórias. Outra crítica é sobre a interrupção do pagamento do auxílio emergencial, concedido aos trabalhadores que perderam sua fonte de renda.
O repasse, feito mensalmente, não se confunde com a indenização, mas é interrompido uma vez que o atingido adere ao sistema simplificado e recebe os valores.
“Por que dar quitação geral? Por que esse sistema tira do atingido o direito de ter seu auxílio emergencial, seu lucro cessante no final do ano? Por que o juiz e as novas comissões defendem isso e jogam esse problema pra frente? Daqui a pouco acaba o dinheiro e os problemas vão continuar, porque o peixe vai estar contaminado. A pesca sofreu um impacto que nós ainda não conseguimos medir”, diz o capixaba Rômulo Araújo.
O agricultor José Pavuna, de Tumiritinga (MG), não achou o sistema indenizatório atraente. “Eu irrigo cinco hectares. Tinha 4,5 mil pés de café. Perdi tudo. Toda minha vida vem desse pedacinho de terra. Eu não aderi. Minha perda é maior do que o valor que está lá”, contou.