As declarações, terça-feira (06/11), no Congresso Nacional, do sr. Augusto Heleno contra a anistia – que foi há 40 anos! – somente podem surpreender àqueles que não conhecem o seu passado.
Da mesma forma, o seu apoio às declarações de Eduardo Bolsonaro, propugnando a volta do AI-5 (v. HP 06/11/2019, Fala de ministro apoiando novo AI-5 “é gravíssima”, afirma Orlando Silva).
Porém, antes de continuar, uma revelação: disse o sr. Augusto Heleno ao suplemento do jornal “Valor Econômico” que sua relação com Bolsonaro é antiga: “eu me encontrava muito com ele na praia porque morava ao lado de sua casa na Barra” (cf. Heleno – Um general no olho do furacão, Caderno EU & Fim de Semana, Valor 21/06/2019).
Será que Heleno também era vizinho do Ronnie Lessa, o assassino de Marielle Franco e Anderson Gomes?
Voltemos, então, ao depoimento de Augusto Heleno, na terça-feira, durante audiência pública da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia, na Câmara dos Deputados.
Em 1977, Augusto Heleno era homem de Sílvio Frota. Era seu ajudante de ordens, quando o presidente Geisel demitiu Frota, que era ministro do Exército – e, na esteira de uma fracassada tentativa de golpe, demitiu mais 100 oficiais “frotistas” e os transferiu para longe de Brasília (cf. Diário Oficial da União, 18/10/1977).
Um desses oficiais era Augusto Heleno.
Frota, que queria ser presidente na marra, não somente por cima do povo, mas por cima de Geisel e das Forças Armadas, tinha como programa de governo a negação de qualquer anistia e a manutenção do AI-5 – ou seja, a manutenção da ditadura baseada no terror de Estado, na tortura, no assassinato de democratas e patriotas, na cassação de mandatos e direitos políticos, no exílio de oposicionistas.
Era esse o programa que Heleno, ajudante de ordens de Frota, então defendia – contra a maioria do Exército, a começar pelo seu Alto Comando, como frisou Geisel posteriormente.
Como sabemos que Heleno era, não somente ajudante de ordens, mas adepto e seguidor de Frota?
Porque ele mesmo disse (“Me orgulho muito de ter sido ajudante de ordens de Frota”, disse ele, na entrevista ao suplemento do “Valor”) e continua dizendo, como aconteceu na terça-feira, ao manifestar-se contra a anistia assinada pelo presidente Figueiredo em 1979.
O grupo de Frota, além de reacionário, fascista, e com alguns doentes que povoaram os porões da ditadura, era muito estúpido. A descrição de Geisel do manifesto então lançado por Frota, foi precisa: “O manifesto é muito radical, faccioso e mentiroso. (…) Frota dizia que o meu governo estava caminhando para a comunização, que eu era tolerante com o comunismo” (cf. Ernesto Geisel, orgs. Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, FGV, 1997, pp. 407-408 ).
O manifesto era tão imbecil que Geisel autorizou – contra a opinião de seu Chefe da Casa Militar, Hugo Abreu – que ele fosse divulgado publicamente.
Esse era o grupo de Heleno, no momento em que se decidia o destino do país – isto é, se voltava ou não à democracia.
Na terça-feira, o sr. Augusto Heleno disse que a anistia “levou uma terrorista à Presidência da República”.
Está errado. Dilma era uma cidadã como qualquer outra (ou outro) e, ainda que não tenha feito bom proveito do mandato (aliás, dos dois mandatos), foi presidente porque teve votos para ser presidente.
Além disso, o fato de não gostarmos de seus governos não nos faz esquecer que ela jamais foi “terrorista” – e, apesar disso, foi barbaramente torturada aos 19 anos de idade, pelos terroristas que Frota, chefe de Heleno, queria eternizar no país.
Porém, segundo disse Heleno, se dependesse dele a anistia jamais teria existido.
Esse tipo de espírito (?), totalmente oposto ao de Caxias, é, exatamente, o que faz com que Heleno se identifique e se submeta ao miliciano Jair Bolsonaro, um sujeito que envergonhou a instituição da qual fazia parte – e que não conseguiu ficar dentro dela (v. HP 16/08/2018, Terrorismo de baixa potência).
Heleno nem ao menos se lembra que o outro lado – o daqueles que cometeram crimes na repressão contra a resistência à ditadura, inclusive torturas e assassinatos – também foi anistiado em 1979.
Mas não lembrou disso apenas porque continua ressentido por seu fracasso de 41 anos atrás. O que faz alguém ser contra a anistia, que abriu o caminho para o fim da ditadura, senão ser a favor da ditadura, com todo o seu cortejo de crimes e a sua inclassificável burrice?
Portanto, o seu ressentimento é para com o povo brasileiro, que derrubou a ditadura, inapelavelmente.
Heleno, aliás, questionado pela deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), acabou por dizer que “há duas visões da História do Brasil. Para mim, [1964]não foi golpe, foi contrarrevolução”.
A História do Brasil é uma só. Não existem duas visões. Existe o que é verdade e o que é mentira.
E a verdade é que, em 1964, sob a égide dos EUA, foi destituído um presidente eleito constitucionalmente e instalada uma ditadura que durou 21 anos – 10 anos sob o famigerado AI-5.
Não havia qualquer risco para a democracia no governo Jango. Tanto assim que foram seus opositores que rasgaram a Constituição, mutilaram o Congresso, suspenderam as leis e acabaram com a democracia no país – por mais de duas décadas.
Heleno – agora promovido, segundo o presidente da Câmara, a ajudante do Olavo de Carvalho – não tem vergonha alguma de, depois de manifestar-se contra a anistia e a favor do AI-5, dizer à deputada Sâmia que “essa radicalização política não interessa a ninguém”.
Como se fosse a deputada – e não ele – quem está contra, até hoje, a anistia, ou que é a favor do AI-5, ou que foi ajudante de ordens de Sílvio Frota.
E, quando a deputada pediu que ele “repudiasse” explicitamente as declarações de Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5, disse o sr. Augusto Heleno:
“A senhora vai me torturar porque eu não quero falar?”
É provável que Heleno ache muito divertido essa espécie de coisa – sem notar o que isso revela sobre si mesmo.
CARLOS LOPES