Caso não ampliemos número de leitos, “pobres morrrerão nas portas dos hospitais, alertou Miguel Srougi, da USP
O professor da Universidade de São Paulo, Miguel Srougi, criticou a forma como o governo Bolsonaro tem conduzido a crise do coronavírus. Segundo ele, a infraestrutura hospitalar sinaliza que os mais vulneráveis ficarão sem atendimento no pico da pandemia.
“O problema do Brasil está muito claro: existem no governo federal pessoas que estão flertando com as trevas”, afirmou em entrevista ao jornal “O Globo”. Para o médico, Bolsonaro, “de forma incompetente e imoral, menosprezou a gravidade da pandemia”.
Até a manhã desta segunda-feira, as secretarias estaduais de Saúde contabilizam 1.629 infectados em todos os estados do Brasil. Foram registrados 25 mortos no país, 22 deles no estado de SP.
O cirurgião alertou para a o risco da falta de leitos quando a curva da epidemia ascender
“Quando um país passa de cem casos, a curva que vinha subindo de forma lenta de repente empina e, a cada dois ou três dias, dobra os números dos casos. Nessas horas isso desorganizou todos estes países do ponto de vista de recursos e de capacidade para atender os doentes. Aqui no Brasil a gente está assistindo a este processo como espectador, no mundo inteiro morrendo gente, todo mundo assustado, e o Brasil otimista”.
Segundo ele, a falta de ação de setores do governo pode prejudicar o combate à pandemia. “O Brasil pôde assistir ao que ocorria na China e na Itália, e perdeu tempo de se preparar, por exemplo, transformando fábricas para fazer respiradores”.
“O problema do Brasil está muito claro: existem no governo federal pessoas que estão flertando com as trevas. O presidente, de forma incompetente e imoral, menosprezou a gravidade da pandemia, julgou que com palavras poderia desviar a atenção popular e impedir uma constatação óbvia: a ruína da assistência médica no Brasil, principalmente a dos mais necessitados. Os grupos mais bem posicionados socialmente vão sobreviver, pois têm mecanismos de defesa mais fortes”.
FALTA DE LEITOS
Miguel considerou que a falta de leitos será o principal gargalo no sistema de saúde. “Há um estudo muito curioso: nos países com mais de 10 leitos hospitalares por mil habitantes, todos tiveram baixo índice de mortes no coronavírus, coisa de 0,2% a 0,3%. Nos países que têm menos de 4 ou 5 leitos para cada grupo de mil habitantes, todos estão tendo alta mortalidade. Hong Kong tem 14 leitos para cada mil habitantes, o Japão, tem 10 leitos para cada mil habitantes e nestes países não morreu quase ninguém. A Itália tem 3,2 leitos para cada grupo de mil habitantes e foi esse desastre. O Brasil tem 1,95 leitos para cada mil habitantes. Estes números mostram que na hora que chegarmos no pico, não vai ter hospital para colocar este pessoal, não há leitos”, analisou.
“Nos últimos dez anos foram fechados de 40 mil a 50 mil leitos no país do SUS, por falta de recursos”, relembrou.
O professor considerou a iniciativa de criar leitos hospitalares de emergência, como no caso da Prefeitura de São Paulo, que está criando leitos no Estádio do Pacaembu, no Complexo do Anhembi e nos CEUS, como correta. “É a forma que se tem agora de rapidamente melhorar a assistência. Quem vai sofrer mais são os pobres, mais vulneráveis. Eles vão morrer nas portas dos hospitais, não vão conseguir entrar, muito menos receber um tubo para respirar e sobreviver à pneumonia. O pobre vai morrer na calçada”, alertou.
Miguel criticou ainda a política de privatização defendida pelo ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes.
“Na área política vai surgir um consenso claro: só as empresas privadas não conseguem fazer um país progredir. É importante ter um Estado forte também. Estamos vendo isso agora. Estado forte consegue conter esta ameaça à nação e estados que não são fortes não conseguem. Aquela história de entregar tudo para as empresas privadas não dá certo”, disse.
“A grande consequência social é que as pessoas vão aprender que a solidariedade e a compaixão são muito importantes dentro de qualquer sociedade. A gente não pode mais ficar impassível quando um morro despenca e morrem pessoas simples, que não têm capacidade para sobreviver dignamente, que moram nestes locais por absoluta falta de opção. Acho que o coronavírus vai unir a sociedade e deixar as pessoas um pouco mais solidárias e dotadas de compaixão. Agora mesmo os fortes estão ameaçados, os pobres vão morrer mais, mas os ricos também vão morrer”, concluiu.