Documentos entregues pela farmacêutica Pfizer à CPI da Pandemia mostram que o governo Bolsonaro ignorou pelo menos 10 emails enviados entre agosto e setembro oferecendo 70 milhões de doses de vacina e pedindo uma resposta.
Os emails da Pfizer, datados de 14 de agosto até 12 de setembro, e que o jornal Folha de S. Paulo teve acesso, provam que o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mentiu à CPI em seu depoimento, pois disse que não deixou de responder a farmacêutica.
Também alegou que a sua equipe estava negociando com a empresa. Os emails comprovam a mentira e nem ele e nem a equipe estavam negociando nada.
O presidente mundial da Pfizer, Albert Bourla, enviou a primeira proposta de venda de vacinas no dia 14 de agosto. Havia duas opções: 30 milhões e 70 milhões de doses, ambas com início das entregas em dezembro.
Depois de fazer a oferta, a farmacêutica enviou emails por três dias seguidos tentando conseguir uma resposta do governo brasileiro e fez uma ligação para a Secretaria de Ciência, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.
Mesmo assim, não teve resposta. Um dos emails, enviado pela funcionária da Pfizer Cristiane Santos depois da ligação, diz:
“Desculpe, a ligação caiu e não consegui mais contato. Espero que esteja tudo bem com vc! Só queria confirmar se vcs receberam ontem uma comunicação enviada em nome do presidente da Pfizer, Carlos Murillo, com a proposta atualizada de um possível fornecimento de vacinas de Covid-19. Vc me avisa?”.
“A validade das propostas continua sendo a mesma, até 29 de agosto de 2020, e gostaria de saber, com urgência, do interesse deste ministério em iniciar conversações sobre aspectos legais e jurídicos da presente proposta”.
No dia 26 de agosto, outro funcionário da Pfizer, Alejandro Lizarraga, ligou novamente para o Ministério da Saúde e pediu, por email, uma resposta para a oferta de vacinas. O email foi enviado para o assessor especial para assuntos internacionais do Ministério, Flávio Werneck.
A farmacêutica enfatizou “a importância de termos um posicionamento quanto ao interesse na aquisição de nossa potencial vacina de modo a contribuir com os esforços de atendimento da demanda no país neste tema”.
Depois do dia 29 de setembro, quando a primeira proposta expirou, o presidente mundial da Pfizer, Albert Bourla, enviou outra carta para Jair Bolsonaro, com cópia para seus ministros, na qual ele diz que não teve resposta para a oferta feita.
“Minha equipe no Brasil se reuniu com representantes de seus Ministérios da Saúde e da Economia, bem como com a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Apresentamos uma proposta ao Ministério da Saúde do Brasil para fornecer nossa potencial vacina que poderia proteger milhões de brasileiros, mas até o momento não recebemos uma resposta”, disse Albert Bourla.
“Sabendo que o tempo é essencial, minha equipe está interessada em acelerar as discussões sobre uma possível aquisição e pronta para se reunir com Vossa Excelência ou representantes do Governo Brasileiro o mais rapidamente possível”, acrescentou.
As negociações entre o Ministério da Saúde e a Pfizer só começam efetivamente no final de outubro, com uma reunião entre o secretário-executivo do Ministério e a farmacêutica.
“Gostaria de reforçar que um diferencial da nossa proposta, em linha com que o excelentíssimo senhor presidente Jair Bolsonaro tem comentado, é que o acordo só é efetivado a partir da aprovação da vacina da Anvisa, sem qualquer risco/prejuízo financeiro ao país caso nossa vacina não receba o registro regulatório”, disse o CEO da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, em email.
No dia 24 de novembro, a Pfizer acrescentou ao contrato que o pagamento só precisaria ser feito dez dias depois da assinatura do contrato definitivo, ou seja, após a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Somente em dezembro o Ministério disse à Pfizer que era preciso que fosse publicada uma medida provisória (MP) autorizando aquela compra.
Entre agosto, quando a Pfizer ofereceu as doses de vacina, e dezembro, quando o governo Bolsonaro assinou o memorando de entendimento, morreram pelo menos 80 mil pessoas por Covid-19.
Frases de Bolsonaro contra as vacinas:
“Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”
Agosto de 2020
“O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem. Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina”
Outubro de 2020
“Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem”.
Outubro de 2020
“Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”
Novembro de 2020
“Lá no contrato da Pfizer, está bem claro: ‘nós [a Pfizer] não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré, é problema seu”
Dezembro de 2020
“A pandemia, realmente, está chegando ao fim. Temos uma pequena ascensão agora, que chama de pequeno repique que pode acontecer, mas a pressa da vacina não se justifica”
Dezembro de 2020
“Eu não posso falar como cidadão uma coisa e como presidente outra. Mas como eu nunca fugi da verdade, eu te digo: eu não vou tomar vacina. E ponto final. Se alguém acha que a minha vida está em risco, o problema é meu. E ponto final.”
Dezembro 2020