Para Mauro Lúcio Costa, “falar que desmatamento é para a produção, gerar emprego, é um discurso bobo”. “O emprego gerado é de péssima qualidade”
O pecuarista Mauro Lúcio Costa, de Paragominas (PA), afirma que o posicionamento de Bolsonaro em relação ao desmatamento “inflamou a vontade de desmatar de algumas pessoas”.
Ele é ex-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas.
Para Mauro Costa, o desmatamento é completamente desnecessário. “Existe um escudo de falar que desmatamento é para produção, gerar emprego, mas é um discurso abstrato, bobo. O emprego gerado é de péssima qualidade”.
“O único sucesso que existe é imobiliário. O foco do desmatamento é o ganho imobiliário que as pessoas têm. A produção é só um escudo”, disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.
Mauro Costa acredita que o aumento recente do desmatamento, apontado pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), se dá pelos posicionamentos do governo Bolsonaro em relação ao assunto.
Quando o Inpe divulgou os dados que apontavam no sentido do aumento do desmatamento, Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmaram que os dados eram falsos e que o então presidente do Instituto, Ricardo Galvão, era financiado por ONGs internacionais. Galvão foi exonerado do cargo.
“O Inpe é um órgão do governo e mostrou. Quem está no campo vê. Aquilo não tem mentira, mas o governo fica tapando o sol com a peneira. Não está coibindo [o desmatamento]”, disse Mauro.
Ele diz não acreditar que Bolsonaro apoia os desmatadores, mas ressalva que a “posição dele inflamou a vontade de desmatar nas pessoas. Isso vai dar trabalho, terão de criar ações mais radicais para poder parar com isso”.
Para o pecuarista, as formas do governo impedir estão cada vez mais sucateadas. “Desde o último ano do governo Dilma, há falta de verba, e a ação do Ibama já estava bem menor. Com o Temer, foi a mesma coisa”.
“Eles falam muito: ‘A Amazônia é nossa’. Mas não é porque ela é nossa que nós temos de acabar com ela, fazer as coisas de qualquer maneira”.
A forma de desenvolver a produção no campo, afirma Mauro, não é desmatando e gerando empregos precários, mas desenvolver tecnologia e aumentar a produtividade.
“Precisamos gerar emprego de melhor qualidade, que consiga elevar o nível de vida, intelectual das pessoas. Não é pagar para o cara ir com machado, motosserra, botar fogo, quase morrer queimado”.
“Para a produção, o caminho mais eficiente é melhorar aquilo que já temos aberto. É aumentar a eficiência dessas áreas. Não temos necessidade nenhuma de avançar sobre reserva indígena, unidade de conservação. Para falar a verdade, não temos necessidade de avançar sobre as reservas legais. Precisamos melhorar o processo produtivo das áreas que já estão abertas”, afirmou.
Se o desmatamento continuar como está, “em poucos anos, vamos ter avançado em tudo, só não vamos ter avançado no melhoramento tecnológico da produção. Estaremos fadados a abrir pastos de má qualidade com um PIB em torno de R$ 500 o hectare, um PIB de fome. O produtor não sobrevive, o funcionário pior ainda, o gado é maltratado, e o Estado quebra”.
“Ninguém consegue me provar que desmatamento hoje seja uma coisa lucrativa”. “Essa questão de que a parte ambiental engessa o negócio é fake, isso não é fato, é conversa. Para fazer diferente, para ter eficiência, você tem que sair da zona de conforto, não é na cadeira que você faz, você tem de trabalhar melhor, melhorar as pessoas que trabalham com você, investir em treinamento, em capacitação, aí você muda bastante”.
O pecuarista é um crítico da produção rural não sustentável, à custa de queima de florestas e destruição permanente da floresta tropical. O que ele chamou de “fertilidade das cinzas” numa entrevista em 2015 para a norte-americana “Américas Quartely”.
Mauro Costa acredita que sua posição está cada vez mais comum entre os produtores rurais. “Não me sinto isolado. Tenho visto mais pessoas virem pro meu lado”.
Por fim, Mauro não vê sentido no argumento de Jair Bolsonaro de que ONGs internacionais atuam em território brasileiro para atrapalhar nosso desenvolvimento. “O Brasil, uma nação desse tamanho, se eu disser que uma ONG vai acabar com a soberania nacional, a conversa é mais idiota que possa existir”.
“São pessoas boas, muito trabalhadoras, que às vezes têm uma visão diferente da minha”, conta Mauro Costa. “Tenho uma visão de produtor, e eles têm uma visão um pouco mais de conservar, mas isso não quer dizer que eles venham a ser meus inimigos”, prossegue.
“Convivi e convivo com pessoas que trabalham em ONGs, foram elas que mais me ajudaram enquanto eu fui presidente do sindicato de Paragominas. Um Cadastro Ambiental Rural custava entre R$ 5.000 e R$ 7.000 por propriedade. Nós conseguimos fazer por R$ 500, e quem ajudou foi uma ONG, que conseguiu as imagens e o profissional”.
O líder pecuarista também faz críticas à atuação da bancada ruralista no Congresso e às entidades que deveriam representar os produtores rurais.
“A maior revolta que todo produtor tem hoje é contra a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), contra as federações, esse modelo que a gente tem não representa o produtor em si. As pessoas que têm acesso aos deputados levam aquilo que serve para eles, e não o que faz bem para o produtor. Infelizmente, nós, produtores, somos uma classe extremamente desunida”, lamenta.
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