O governo federal publicou um decreto nesta quinta-feira (13), que na prática autoriza a destruição de cavernas brasileiras, com a flexibilização e redução da proteção de todas essas formações geológicas em todo o país.
O decreto presidencial nº 10.935/2022 permite impactos negativos irreversíveis em cavernas vistas de grande importância, caso o empreendimento seja considerado de “utilidade pública”, não haja alternativa locacional e não provoque a extinção de espécie que ocorre na cavidade. Além disso, o documento altera normativa anterior e limita os próprios critérios que determinam o que é uma cavidade de máxima relevância. Os tais empreendimentos, podem ser, por exemplo, rodovias, ferrovias, mineradoras e empresas, em áreas de cavernas.
A medida beneficia a expansão do garimpo, atividade protegida e incentivada pela gestão Jair Bolsonaro, que por meio da Agência Nacional de Mineração (ANM) tem liberado – inclusive lavras de garimpo para traficantes.
“Antes, as cavernas de máxima relevância não podiam sofrer nenhum tipo de impacto. Esse decreto altera essa redação e permite que cavernas de máxima relevância possam ser impactadas se o órgão licenciador julgar que há interesse nesse impacto, critica Enrico Bernard, presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (SBEQ), voltada para pesquisa sobre morcegos. “Isso é um desastre. A comunidade espeleológica está em choque”, continua.
Para obter a licença da ANM basta à mineradora “demonstrar”, por exemplo, que os danos causados decorrem de atividade ou de empreendimento e utilidade pública. Isso abre uma margem perigosa para a exploração desenfreada das cavernas, avalia Enrico.
Para outro especialista em caverna ouvido pelo site Política por Inteiro, que participou em 2008 da elaboração do Decreto 6640/08, que trata do tema, é importante resgatar que outro Decreto (99.556/90) considerava todas as cavidades naturais como intocadas e, por isso, não passíveis de supressão.
A normativa de 2008 já trazia uma grande flexibilização ao restringir esse status de proteção a um grupo seleto de cavernas que apresentassem atributos significativos para justificar sua preservação, observa. Para ele, o que está sendo proposto agora representa simplesmente o fim da proteção desse grupo seleto de cavernas, permitindo sua destruição, sem qualquer salvaguarda.
Segundo o estudioso, a medida simplesmente retira a proteção desse grupo seleto de cavernas, permitindo sua destruição, sem qualquer salvaguarda, “Agora você pode destruir tudo que for de caverna, desde que o licenciamento diga que pode”, diz.
Além do potencial arqueológico e de turismo que deve ser prejudicado com a nova lei, o coordenador do Centro de Estudos em Biologia Subterrânea da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Rodrigo Lopes Ferreira, aponta para o risco de extinção de espécies ainda pouco estudadas, provocando consequência ambientais e medicinais irreversíveis. “Muitos desses animais podem produzir medicamentos e até cura de doenças”.
Ele cita um estudo recente da UFLA, realizado em parceria com o Departamento de Microbiologia. Os pesquisadores identificaram um fungo em uma caverna que tem produzido substâncias anticarcinogênicas, capazes de matar células cancerígenas. “Existe um potencial biotecnológico gigantesco em cavernas, úteis para a saúde humana”, diz o biólogo.
“Não conheço um retrocesso maior na legislação espeleológica brasileira quanto esse, essa possibilidade de destruição de caverna de máxima relevância é danoso ao país. O que o governo está fazendo nesse momento é permitir a extinção de espécies”, continua. “Por mais que esteja redigido no decreto que não possa ser destruída uma caverna que leve uma espécie em extinção, a partir do momento que ele permite a supressão de uma caverna de máxima relevância, que tem uma espécie que vive em ambiente subterrâneo, isso já está condenando uma espécie a extinção”, conclui.
O presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), José Roberto Cassimiro, informou que a entidade está articulando várias frentes de ações para derrubar o decreto. “Em breve, será apresentado um Projeto de Decreto Legislativo para sustar o Decreto 10.935/2022.
“Faremos uma representação junto ao Ministério Público Federal e estamos articulando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN). Estamos desenvolvendo uma frente ampla de comunicação, para que a sociedade saiba o mal que este decreto pode causar para nosso país”.