Medida significa um rompimento da interlocução do governo com o representante oficial do maior parceiro comercial do Brasil, além de representar a submissão do país aos interesses do governo Donald Trump
O presidente Jair Bolsonaro baixou uma ordem proibindo que qualquer integrante de sua equipe ministerial receba em audiências o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. A informação foi publicada pelo jornal “O Globo” deste domingo (06). Com esta decisão, Bolsonaro busca respaldar as recentes estultices de Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo contra o país asiático.
Na segunda-feira (23/11), Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, afirmou que o Partido Comunista Chinês faria espionagem, caso a empresa Huawei entrasse no mercado brasileiro de telefonia móvel com tecnologia 5G.
A embaixada da China rebateu as afirmações do deputado dizendo que a postagem do filho do presidente Jair Bolsonaro “não tem qualquer fundamento e prejudica muito a relação entre os dois países”.
“Na contracorrente da opinião pública brasileira, o deputado Eduardo Bolsonaro e algumas personalidades têm produzido uma série de declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira e do mútuo benefício que ela propicia, solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil. Acreditamos que a sociedade brasileira, em geral, não endossa nem aceita esse tipo de postura”, diz a mensagem.
“Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema direita americana (…) Caso contrário, irão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil”, concluiu o protesto da parte chinesa.
No dia seguinte, o Ministério das Relações Exteriores, chefiado por Ernesto Araújo, que acaba de discursar na ONU atacando o multilateralismo e desfiando um rosário de teorias da conspiração, disse que a resposta da embaixada da China ao deputado federal (PSL-SP) foi de conteúdo “ofensivo e desrespeitoso” e “prejudica a imagem da China junto à opinião pública brasileira”.
Ou seja, o chanceler se somou às agressões de Eduardo Bolsonaro, que nada mais são do que mera subserviência a Donald Trump e à extrema direita americana que nos últimos tempos têm tido verdadeiros ataques de nervos com a constatação de que foram suplantados pela China na tecnologia 5G. A Casa Branca está tentado vencer a disputa com a Huawei na base da força, proibindo que países sob sua influência contratem a empresa asiática.
Deputados federais protocolaram na quinta-feira (02) um requerimento pedindo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que paute o “afastamento imediato” do deputado Eduardo Bolsonaro da presidência da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Casa, após os ataques gratuitos do deputado contra a China. Uma comissão foi criada na Câmara para fiscalizar a atuação do governo nas discussões sobre a implantação da tecnologia 5G no Brasil.
O governo Trump vem convencendo o governo Bolsonaro a banir a Huawei, empresa fornecedora de equipamentos de telefonia já instalada no Brasil, com o pretexto de que a empresa estaria a serviço da espionagem chinesa. O banimento da Huawei do Brasil traria como consequência o atraso da implantação do sistema no país, já que a empresa chinesa, que nega as acusações, já atua no Brasil há anos e é fornecedora de equipamentos para todas as teles que estão presentes no mercado brasileiro.
Em nota, as teles alertaram o governo de que a medida significará elevação de custos e será extremamente prejudicial ao país. O que Eduardo Bolsonaro faz não é outra a não ser agir como porta-voz dos interesses geopolíticos dos EUA no Brasil.
O ex-diplomata Roberto Abdenur, que atuou como embaixador em Pequim (1989 a 1993) e nos Estados Unidos (2004 a 2006) alertou para os equívocos cometidos pelo governo ao adotar essa posição. “O Brasil está metendo os pés pelas mãos de maneira desarrazoada e contraproducente. Eduardo Bolsonaro fala como deputado, como filho do presidente e como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. É de uma imensa irresponsabilidade, agora ameaçando causar danos graves aos interesses do Brasil com a China”, afirmou Abdenur.
Com essa atitude de Bolsonaro, o governo brasileiro suspende unilateralmente a interlocução com o representante oficial da China, simplesmente maior parceiro comercial do Brasil. A China respondeu por 84% do saldo comercial brasileiro no primeiro semestre de 2020.
Segundo o Comexstat (site oficial de estatísticas de comércio exterior), as exportações brasileiras para a China nunca foram tão grandes. Enquanto as exportações brasileiras totais, em jan/mai de 2020, caíram 7%, as vendas para a China subiram 12%, fazendo com que a participação chinesa nas exportações brasileiras totais chegasse a 34%, um recorde histórico. O superávit do Brasil com China soma R$ US$ 28,8 bi de janeiro a setembro, diz FGV.
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