Bolsonaro revogou nesta sexta-feira (5) a condecoração da Ordem Nacional do Mérito Científico que havia concedido na quinta-feira ao infectologista Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, que demonstrou, de maneira pioneira, a ineficácia do uso da cloroquina contra o coronavírus. A revogação da homenagem consta em edição extra do Diário Oficial da União.
No mesmo ato, Bolsonaro também retirou da lista de homenageados a sanitarista e ex-diretora do departamento de HIV/Aids do Ministério da Saúde, Adele Schwartz Benzaken, exonerada pelo seu governo.
Ontem, a concessão da honraria aos 22 cientistas foi ofuscada pela notícia de que o próprio Bolsonaro, ao mesmo tempo em que rejeitou a ciência no combate à pandemia e atua contra a vacinação da população, ter concedido o título de Grão-Mestre, o mais alto da Ordem Nacional do Mérito Científico, a si próprio.
A Ordem Nacional do Mérito Científico premia personalidades nacionais e estrangeiras que fizeram contribuições relevantes para a ciência e a tecnologia.
A lista de quem serão os condecorados, assinada por Bolsonaro, ontem, é escolhida por um comitê científico. Neste colegiado, o governo tem minoria: são três membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC), três da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e três de livre escolha do ministro da Ciência e Tecnologia.
Na prática, o governo Bolsonaro tem minoria para escolher os homenageados, visto que sozinho não é capaz de barrar nomes e as duas entidades que compões o comitê são fortes defensoras da ciência no Brasil e opositoras do governo Bolsonaro.
O infectologista Marcus Vinícius de Lacerda é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e coordenou o estudo no Amazonas que concluiu que o uso da cloroquina não é eficaz para a Covid-19. Lacerda também se manifestou abertamente contra o uso do medicamento e foi vítima de ameaças.
Já Adele Schwartz Benzaken, hoje diretora da Fundação Oswaldo Cruz Amazônia, era diretora de DSTs e Aids do Ministério da Saúde desde o governo Temer, quando foi demitida em janeiro de 2019. Quando no cargo, a médica sanitarista, que tem atuação internacional na área de doenças transmissíveis, autorizou a produção de uma cartilha dirigida a homens trans.
Com a decisão de Bolsonaro de revogar a honraria para os dois cientistas, o epidemiologista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas, recusou o título da grã-cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.
“A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora, mas ativamente boicota como recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva não me parece pertinente” , escrito Victora em carta aberta. “Como cientista e epidemiologista, tenho tornado pública, através de palestras e artigos científicos, minha completa conhecida à forma como a pandemia de Covid ‐ 19 tem sido enfrentada por esse governo”.
O historiador Luiz Felipe de Alencastro, agraciado pela comenda em 2001, anunciou nas redes sociais que também renunciaria a ela, como forma de protesto.
A concessão do título de comendador, o segundo mais importante na ordem do mérito científico, estava na gaveta do Ministério da Ciência e Tecnologia desde 2019. É provável que Bolsonaro tenha assinado o decreto sem ler e procurar saber a quem estava concedendo a homenagem.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também repudiou a cassação dos títulos concedidos aos cientistas. Segundo a entidade, “seus nomes foram propostos, seguindo as normas do decreto que regula a condecoração, por uma comissão técnica na qual a SBPC e a ABC eram majoritárias”.
“Fica evidente que o governo federal fez a cassação depois de saber que os dois cientistas renomados conduziam pesquisas cujos resultados contrariavam interesses de políticas governamentais, agindo como censor da pesquisa, sem o devido respeito à verdade científica e à diversidade”, ressalta a SBPC.