Ministério Público Federal apontou suspeitas de vazamento e de interferência indevida de Bolsonaro no inquérito e solicitou a remessa do caso ao STF (Supremo Tribunal Federal)
O advogado Frederick Wassef, que defende Jair Bolsonaro (PL) e família, afirmou, na sexta-feira (24), que Bolsonaro não mantém contato com o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e que ele não recebeu informações privilegiadas sobre o caso que levou à prisão de Ribeiro.
Wassef minimizou o áudio em que o ex-ministro relata que o presidente lhe disse que tinha “pressentimento” de que ele seria alvo de operação de busca e apreensão e disse que é Ribeiro que precisa explicar a fala.
Horas após a divulgação do áudio, sem Bolsonaro e nenhum outro membro do governo ter comentado o caso, Wassef foi até o Palácio do Planalto para falar com a imprensa e rebater as suspeitas de que Bolsonaro teve acesso antecipado à investigação.
A entrevista coletiva improvisada foi realizada no estacionamento do Palácio do Planalto. O advogado criticou o vazamento dos áudios e evitou comentar seu conteúdo.
Bolsonaro tenta esconder o óbvio e veja porquê.
MILTON E FILHA
Em diálogo com sua filha, captado em uma gravação feita com autorização da Justiça, Milton Ribeiro revela que recebeu ligação de Bolsonaro.
Milton: A única coisa meio… hoje o presidente me ligou… ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? E que eu tenho mandado versículos pra ele, né?
Filha: ah! Ele quer que você pare de mandar mensagens?
Milton: Não! Não é isso… ele acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa… sabe… e… é muito triste. Bom! lsso pode acontecer, né? se houver indícios né…
Filha: Ah!
Quando percebe que a revelação é comprometedora, a filha interrompe a fala do pai e diz que está ligando de um telefone “normal”, ou seja, que não é secreto. A Polícia Federal descobriu outros telefones de Milton Ribeiro que não estavam entre os relacionados. Ou seja, sabiam que estavam fazendo coisas ilegais. Veja:
Filha: Ah pai! Não… essa voz não é definitiva… eu não sei se ele tem alguma informação… eu tô te ligando do meu… eu tô te ligando no celular normal, viu pai?
Milton: Ah é? Ah, Então depois a gente se fala então! Tá?
PALAVRAS AO VENTO
Wassef afirmou, no entanto, que Bolsonaro não tem “acesso a nenhum tipo de informação privilegiada”:
“O presidente não tem nenhuma informação sobre nenhuma investigação. Isto é um crime. O que estão perguntando é se o presidente faz crime. Não, o presidente Bolsonaro é vítima de crimes”, disse. Pouca gente acredita numa afirmação como essa diante do óbvio.
Ele “não comete crimes, não tem acesso a nenhum tipo de informação privilegiada, não interfere na Polícia Federal”, acrescentou. Além de pastor, então, Ribeiro é vidente ou advinha. Como ele ficou sabendo da operação, pela PF, de busca e apreensão na casa dele, em Santos?
Questionado sobre o áudio de Ribeiro, o advogado disse também que Bolsonaro e o ex-ministro “não mantém contato”.
“Não existe nada entre o presidente e o ex-ministro, eles não têm contato, eles não se falam. O presidente cuida do Brasil. Ele não é advogado e nada tem que ver com seu ex-ministro e [com] investigações contra seu ex-ministro”, disse ignorando a existência de um áudio que mostra o contrário.
EX-MINISTRO INGÊNUO
Para Wassef, o ex-ministro precisa explicar porque “usou o nome” de Bolsonaro “sem o seu conhecimento”.
“Se o ex-ministro usou o nome do presidente Bolsonaro, usou sem seu conhecimento, sem sua autorização, ele que responda. Compete ao ex-ministro se explicar o que ele fala”. Se usou é porque tem toda a intimidade para usá-lo. Ele só não esperava ser pego num grampo autorizado pelo Justiça.
Milton Ribeiro foi preso na última quarta-feira (22), acusado de participação em esquema de corrupção no Ministério da Educação. O ex-ministro foi liberado na quinta-feira (23), por decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federação da 1ª Região).
Nesta sexta-feira (24), o Ministério Público Federal apontou suspeitas de vazamento e de interferência indevida de Bolsonaro no inquérito e solicitou a remessa do caso ao STF (Supremo Tribunal Federal).
INTERFERÊNCIA NA PF
Não é a primeira vez que Bolsonaro interfere em ações da Justiça e mostra ter acesso ilegal a processos.
Por sinal, o ex-juiz Sérgio Moro deixou o Ministério da Justiça porque Bolsonaro queria interferir na Polícia Federal.
O ex-ministro Moro disse que Bolsonaro cobrou informações sobre investigações da Polícia Federal.
Moro afirmou que Jair Bolsonaro havia ameaçado demiti-lo caso não conseguisse trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, onde sua família cometeu crimes.
A prova de que estava falando a verdade veio à tona com a divulgação do vídeo da reunião ministerial, em maio de 2020, por determinação do STF.
Na gravação, Bolsonaro diz: “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”.
Desesperado para tentar proteger os segredos de sua família, Bolsonaro chegou a falsificar a assinatura do então ministro Sergio Moro para demitir o então diretor-geral da PF, Alexandre Valeixo.
Bolsonaro teve acesso a um inquérito sigiloso sobre ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ocorrido em 2018. E o vazou em uma live.
Em 4 de agosto deste ano, Jair Bolsonaro divulgou em suas redes sociais a íntegra de um inquérito sigiloso da PF sobre uma suposta invasão a sistemas e bancos de dados do TSE, que tramitava na corte desde 2018 em conjunto com uma investigação da Polícia Federal. Segundo o TSE, a invasão não representou riscos às eleições de 2018.
Bolsonaro divulgou dados deste inquérito porque tentava criar um clima de desconfiança nas urnas eletrônicas. Ele chegou a levar em uma de suas lives semanais um pseudo especialista para “provar” que as urnas eletrônicas não eram seguras. Depois soube-se tratar-se de um militar bolsonarista sem nenhuma experiência na área.
M. V.