O Atlas da Violência 2021, lançado na terça-feira (31), revela que em 2019, no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, houve um aumento de 35% nas mortes violentas por causa indeterminada (MVCI), se comparado com o ano anterior. O Brasil não sabe a causa de 17 mil de suas mortes violentas em 2019.
Segundo com os organizadores do Atlas da Violência, essas mortes entram nas estatísticas como indefinidas e provavelmente puxam os registros de homicídios do país para baixo. O estudo calculou que as MVCI sofreram um salto de 12.310 para 16.648 entre os anos de 2018 e 2019, um aumento de 35%.
De acordo com o estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), ligado ao governo do Espírito Santo e reúne dados do Ministério da Saúde, principalmente do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), essas mortes podem ter sido provocadas por agressões, assassinatos, acidentes ou suicídios.
Os dados preliminares de 2020 já apontam 22.950 mortes sem explicação e isso quer dizer que entre o último ano do governo Michel Temer e os dois anos de mandato de Bolsonaro, o aumento foi de 86%.
O crescimento das mortes violentas com causa indeterminada mostra que a queda de 21% nos homicídios, no mesmo período, pode estar subestimado. De 2018 para 2019, os homicídios caíram de 57.956 para 45.503 – Esse é o menor número de assassinatos no Brasil desde 1995, início da série histórica.
O Atlas da Violência ainda aponta que a qualidade das informações do Ministério da Saúde vinham melhorando há 15 anos, mas que desde 2018 sofre uma grave piora. E com essa piora, as MVCI dobraram, elas passaram de 6% do total, para 12% em dois anos, pior patamar desde 1979.
O Ministério da Saúde não exigiu dados tão aprimorados dos estados nos últimos anos, segundo dizem pesquisadores. A hipótese levantada por eles é de que em meio às mortes sem explicação haja “homicídios ocultos”, que ficam fora das estatísticas. Essa é uma das explicações para a taxa de homicídios de 2019 (21,7 por 100 mil habitantes) ser a menor dos últimos 10 anos.
Ainda de acordo com os pesquisadores, é responsabilidade do Ministério da Saúde exigir que os estados entreguem ao Sistema de Informações sobre Mortalidade, os dados corretos sobre as mortes ocorridas durante casa ano, assim como analisá-los e, se necessário, devolvê-los para correção ou aprimoramento.
Sob o governo Bolsonaro, este processo ficou “desleixado” com a divulgação de dados sem correção ou cobranças,
O governo Bolsonaro não tem qualquer zelo pelo dados apresentados em quaisquer áreas. Paulo Guedes, ministro da Economia, por exemplo, já atacou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na divulgação da mais recente taxa de desemprego no país (14,6%), o ministro afirmou que a pesquisa do instituto “está metodologicamente atrasada”, com “métodos que não são os mais eficientes”.
Bolsonaro está, sempre que pode, durante a pandemia colocando em dúvida os dados de mortes causadas por covid-19 sem apresentar provas.
Para Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenadora do Atlas da Violência 2021, esses episódios não são casos isolados.
“Dizer que o dado da Saúde está piorando é dizer que mais uma fonte de dados está precarizada. Não dá para dizer se é uma decisão institucional, de reduzir a informação, ou simplesmente uma aversão à evidência científica. Eu acho que é um desrespeito à informação, por parte dos ministérios, o que é até mais grave, porque a precarização é total”.
Com a falta de credibilidade dos dados do SIM, explica a pesquisadora, o Brasil pode enfrentar um período de esvaziamento de informações com possível impacto em políticas públicas de segurança.
“Se não há informação científica, para reforçar um argumento ou provar alguma causalidade, toda a discussão fica no campo ideológico. Parece uma estratégia deliberada de um governo negacionista, no sentido de nos tornar ainda mais carentes de informação”, afirmou Samira Bueno.
Além disso, a secretaria de segurança de cada estado define o critério de “mortes a esclarecer”. No sistema de Saúde, as informações são unificadas nacionalmente.
“Se tais dados deixam de ser confiáveis, o mais confiável torna-se aquele dado que vem da polícia. Quando as polícias perceberem isso, eu acho que podemos ter mais dificuldades no acesso à informação e maior precarização dos dados”, avalia.
O pesquisador Daniel Cerqueira, um dos coordenadores do Atlas da Violência, avalia que é uma “responsabilidade dupla” a ser dividida entre o Ministério da Saúde e os estados.
“É uma falta de compartilhamento de informação entre os órgãos estaduais, porque a secretaria de saúde quer descobrir uma informação e a polícia não passa, por exemplo. E isso é confortável para os estados, porque muitas dessas mortes violentas por causas indeterminadas são homicídios que ficam escondidos nas estatísticas”.
O Rio de Janeiro é um exemplo desta situação. No Estado, as mortes sem explicação subiram 332% nos últimos dois anos, sob os governos Witzel/Castro. O aumento mortes violentas por causa indeterminada foi de 1.400, em 2018, para 6.200, em 2020.
“Temos de cobrar os governadores dos estados que têm percentual maior dessas mortes sem causa definida, para que expliquem o motivo e implantem processos de revisão. E também cobrar o Ministério da Saúde, porque não dá para aceitarmos dados precários como se fosse verdade”, afirmou Samira.