No último sábado (8), uma das grandes damas da dramaturgia brasileira, a atriz Chica Xavier, nos deixou.
Conhecida do grande público pelos inúmeros papéis que representou na TV – foram 26 novelas e dezenas de minisséries e programas especiais, a maioria na TV Globo -, a atriz foi, além de tudo, uma desbravadora na luta pela representação do negro na arte brasileira.
Imprimiu seu talento, dignidade, elegância e grandeza a todos os personagens que interpretou na TV – em sua maioria escravas e serviçais, o que não é nenhum demérito mas, que se diga, únicos papéis até bem pouco tempo reservados aos atores negros -, e os tornou marcantes em seus 60 anos de carreira.
Mas sua trajetória vai além dos trabalhos na televisão. Sua estreia no teatro foi na peça “Orfeu da Conceição”, em 1956, que pela segunda vez levou atores negros ao palco do Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, com elenco do Teatro Experimental do Negro, dirigido por Abdias Nascimento – a primeira vez foi “O imperador Jones”, de Eugene O’Neill, na estreia do Teatro Experimental do Negro, em 1945.
O musical, uma adaptação do mito grego de Orfeu para a realidade das favelas cariocas, marcou o primeiro encontro dos versos de Vinícius de Moraes com a música de Tom Jobim. A encenação, tanto pela temática, pelo encontro dos dois artistas e por ocupar o palco mais importante da cidade com um elenco de atores negros, marcou um emblemático momento da vida cultural brasileira.
Depois desta estreia, a baiana, que havia chegado ao Rio três anos antes para estudar dramaturgia, logo se consagrou como atriz de teatro, cinema e TV.
No cinema atuou, entre outros filmes, em “Assalto ao Trem Pagador”, de Roberto Farias, em 1962, ao lado de outra grande atriz, Ruth de Souza, companheira nas lutas contra o racismo e pela valorização do negro na cultura nacional.
Na TV, participou, entre outras, das novelas “Sinhá Moça”, “Renascer”, “Dancin’ Days, “Pátria Minha”, “Força de um Desejo”, e a minissérie Tenda dos Milagres, onde interpretou uma mãe-de-santo. Ao todo foram mais de 50 personagens.
Religiosa, Chica Xavier fundou nos anos 80 o seu próprio terreiro, em Sepetiba, onde era mãe de santo.
Muito querida no meio artístico, a atriz foi homenageada por diversos colegas. A atriz Taís Araújo escreveu: “O céu recebe hoje a nobreza. Entre nós vivia uma nobre, uma rainha elegante, sábia, afetuosa, agregadora, ombro e colo para muitos. Salve a rainha Chica Xavier!”.
“Uma precursora, símbolo de gerações de atrizes e atores negros, de representatividade, que trazia em cada cena ou fala traços latentes de baianidade. Nunca negou a origem”, disse a TV Globo em comunicado.
Em 2010, Chica Xavier foi homenageada pelo então Ministério da Cultura com o Troféu Palmares, pelo trabalho de preservação e incentivo à cultura afro-brasileira.
Em 2013 a atriz foi tema da biografia “Chica Xavier: mãe do Brasil”, escrito por Teresa Montero, também biógrafa de Clarice Lispector.
Casada por 64 anos com o também ator Clementino Kelé, a atriz deixou três filhos e três netos.
