
“O caso brasileiro sublinhou que a defesa de princípios, soberania e democracia requer intervenção ativa e que os governos democráticos possuem a capacidade de agir”, afirmou Marietje Schaake do Centro de Política Cibernética da Universidade americana
A pesquisadora de política internacional no Centro de Política Cibernética da Universidade Stanford (Califórnia, EUA), Marietje Schaake, afirmou que o Brasil foi exemplo para o mundo no enfrentamento dos “golpes” das big techs.
“O mundo inteiro estava observando o que estava acontecendo no Brasil”, destacou a pesquisadora que também foi integrante do Parlamento Europeu.
“O caso mostrou que as instituições democráticas, quando determinadas, ainda podem exercer poder, mesmo sobre um bilionário da tecnologia”, acrescentou a especialista em regulação de tecnologia e IA em entrevista à Bloomberg Línea. “A suspensão do X por Alexandre de Moraes no fim de 2024 mostrou os limites de publicações na plataforma em respeito às leis do país e reafirmou o dever das instituições democráticas”, prosseguiu Marietje Schaake.
Segundo ela, a resposta do Brasil na disputa com Musk não foi apenas um caso jurídico doméstico, mas um ponto de virada importante e global, em que o mundo observou as ações do sistema de justiça brasileiro com grande interesse porque representou um teste significativo do Estado de direito.
“O caso revelou duas coisas cruciais: em primeiro lugar, expôs o flagrante desrespeito de Elon Musk pelas estruturas legais e sua arrogância ao desafiá-las.” “Em segundo lugar, demonstrou que, quando as autoridades democráticas estão dispostas a afirmar seu poder, elas podem ser muito eficazes. Apesar do desafio de Musk, o ministro acabou prevalecendo”, disse.
A reportagem salientou que o embate recente entre o ministro Alexandre de Moraes e Elon Musk sobre os limites de publicações na rede social X, que levou ao bloqueio do antigo Twitter no final do ano passado, serviu como um exemplo de como os Estados nacionais podem retomar sua soberania diante das big techs.
Schaake é autora do livro The Tech Coup: How to Save Democracy from Silicon Valley. Ela é natural da Holanda e soou o alarme de que as big techs têm assumido o poder e funções do Estado em várias partes do mundo.
Para a ex-parlamentar, o episódio serve como um lembrete de que as autoridades democráticas talvez tenham sido muito hesitantes em afirmar seu poder sobre as corporações de tecnologia. “Essa timidez pode decorrer de uma crença equivocada de que uma abordagem de não-intervenção à regulamentação fomentaria a democratização. Isso foi um mal-entendido fundamental”, disse. Schaake explicou que o comportamento das big techs mudou drasticamente na última década.
“O caso brasileiro ofereceu uma forte ‘contranarrativa’, sublinhando que a defesa de princípios, soberania e democracia requer intervenção ativa e que os governos democráticos possuem a capacidade de agir”, afirmou a ex-parlamentar holandesa.
A presença de Elon Musk dentro do governo dos EUA, com o DOGE foi destacado como o contrário do que aconteceu no Brasil. “O contraste é gritante. Enquanto o Judiciário do Brasil afirmou sua autoridade, os EUA estão na direção oposta — convidando líderes de tecnologia para o núcleo do governo, dando a eles acesso a dados, poder de decisão e legitimidade sem responsabilização”, disse a pesquisadora.
“Os EUA estão se afastando da democracia, do estado de direito e em direção a uma autocracia tecnológica politizada. É profundamente preocupante”, denunciou. “No Brasil, houve uma defesa clara e baseada em princípios da legitimidade institucional. Nos EUA, vemos uma celebração da desregulamentação e uma transferência de funções governamentais essenciais para empresas privadas — sem nenhuma salvaguarda”, apontou a pesquisadora.
Segundo Marietje Schaake, “é crucial desafiar as alegações simplistas de que qualquer regulamentação inerentemente equivale à censura. Regular a conduta possibilitada pela tecnologia não é o mesmo que suprimir o direito fundamental à expressão”.
“O Judiciário brasileiro não estava fechando a liberdade de expressão — estava afirmando sua autoridade constitucional. Há uma grande diferença entre manter a ordem pública e suprimir a expressão.” “O que é perigoso é a ideia de que os proprietários de plataformas podem definir a liberdade de expressão de maneiras que atendam a seus próprios interesses políticos ou econômicos”, completou.