Parlamentares denunciam tentativa de golpe. Projeto foi apresentado na semana passada. Nesta terça-feira (30), o líder do PSL, Major Vitor Hugo (GO), autor da proposta, tentou aprovar que a matéria fosse a plenário em regime de urgência. Oposição rechaçou a iniciativa golpista. Projeto foi retirado da pauta. Pelo artigo 84 da Constituição, a Mobilização Nacional somente pode ser decretada em caso de agressão estrangeira, isto é, guerra com outro país, e uma lei, obviamente, como acentuaram alguns deputados, não pode mudar a Constituição.
O líder do PSL na Câmara dos Deputados, Major Vitor Hugo (GO), apresentou na semana passada o PL (Projeto de Lei) 1.074/21. A iniciativa deixou claro que o parlamentar, como disse o jornalista Camarotti, da Rede Globo, com a iniciativa, cumpriu o papel de fantoche de Bolsonaro. Disse o Camarotti: “quem acredita que esse deputado obscuro, de primeiro mandato, iria apresentar esse projeto, se ele não fosse de Bolsonaro?”, insinuando que nem capacidade para isso, por si só, o deputado tem.
Na proposição, o autor inclui a atual pandemia entre as situações que abrem a possibilidade de decretação de mobilização nacional, que aumenta os poderes do presidente da República.
Esse Estado pode ser decretado pelo Poder Executivo se houver autorização do Congresso. Ou decretado e apenas referendado pelo Legislativo, se for no período de recesso.
O líder bolsonarista defendeu, nesta terça-feira (30), em reunião de líderes partidários, a votação no plenário em regime de urgência, que se aprovado fosse, daria ao presidente Jair Bolsonaro o poder de acionar, durante a pandemia, o dispositivo da chamada “mobilização nacional”.
ALTERAÇÃO NA LEI DE 2007
Se aprovado fosse o projeto, a Lei 11.631/07, que trata do tema, passaria a ter a seguinte redação:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a Mobilização Nacional a que se refere o inciso XIX do caput do art. 84 da Constituição Federal e cria o Sistema Nacional de Mobilização – SINAMOB.
Art. 2º Para os fins desta Lei, consideram-se:
I – Mobilização Nacional o conjunto de atividades planejadas, orientadas e empreendidas pelo Estado, complementando a Logística Nacional, destinadas a capacitar o País a realizar ações estratégicas:
a) no campo da Defesa Nacional, diante de agressão estrangeira;
b) no campo da Saúde Pública, diante de situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente de pandemia; e
c) no campo da Defesa Civil, diante de catástrofes de grandes proporções, decorrentes de eventos da natureza combinados ou não com a ação humana.
A mobilização nacional, nos termos do projeto de Vitor Hugo, dá ao presidente da República a possibilidade de designar órgão de coordenação. Permite que haja interferência em fábricas privadas e convocação de civis e militares.
Eis as situações estipuladas na lei atual:
I – a convocação dos entes federados para integrar o esforço da Mobilização Nacional;
II – a reorientação da produção, da comercialização, da distribuição e do consumo de bens e da utilização de serviços;
III – a intervenção nos fatores de produção públicos e privados;
IV – a requisição e a ocupação de bens e serviços; e
V – a convocação de civis e militares.
PODERES DO PRESIDENTE
O presidente da República já tem muitos e variados poderes. O chefe do Poder Executivo pode editar medida provisória, com força de lei; pode editar proposições — projetos de lei e PEC —, e um sem número de medidas infraconstitucionais para dar vazão ao processo político-legal-institucional.
De acordo com o texto constitucional de 1988, cabe ao PR as tarefas de chefe de Estado e de governo e de comandante-em-chefe das Forças Armadas. O presidente tem vasto poder, por isso, o Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Bolsonaro não precisa de mais poderes, pois já os têm suficientemente. O que Bolsonaro precisa é ser contido pelas instituições republicanas, que ele ameaça dia sim e outro também. Esse projeto do líder do PSL margeia essa seara golpista.
Ou então o deputado não vê o que o presidente faz em relação à pandemia? Se o PR quisesse ajudar a resolver os problemas ocasionados pela Covid-19 não tentava, todos dos dias, sabotar decisões e protocolos de combate à virose que vai consumindo a cada dia mais vidas de brasileiras e brasileiros.
DEPUTADOS DENUNCIAM TENTATIVA DE GOLPE
Deputados contrários ao projeto classificaram a tentativa de pautar a matéria em regime de urgência como “golpe”.
“Tudo aponta para um projeto autoritário e isso nós não aceitaremos”, declarou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). O líder da Minoria, deputado José Guimarães (PT-CE), afirmou que a iniciativa de decretar mobilização nacional “é mais um flerte autoritário com o qual não compactuaremos”.
“Essa escalada autoritária, que tenta mobilizar militares para interesses do PR [presidente], não pode ser tolerada em um Estado Democrático. Os brasileiros não querem mais um golpe!”, escreveu Guimarães em uma rede social.
MOBILIZAÇÃO NACIONAL “NÃO FOI CRIADA PARA DISCIPLINAR CRISE SANITÁRIA”
Em uma rede social, o deputado Fábio Trad (PSD-MS) ressaltou que a mobilização nacional “não foi criada para disciplinar crise sanitária, mas situação de guerra”.
Segundo ele, o projeto “pode ser manipulado para a inadmissível tentativa de concentração absoluta de poderes por parte do Executivo, excluindo governadores e prefeitos do combate à pandemia”.
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) também criticou a proposta. “A aprovação do projeto da mobilização nacional permitiria que Bolsonaro assumisse imediatamente o comando de todos os servidores civis e militares, e até convocar quem não é servidor. Isso significa assumir o comando das polícias civis e militares. Não tem outra palavra: GOLPE!”, escreveu em uma rede social.
Em discurso na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Vitor Hugo disse que não se trata de “um golpe sanitário, já que não há golpe que seja avalizado pelo Congresso”.
Segundo o parlamentar, a lei permitiria, por exemplo, que o Executivo “reorientasse” fabricação de produtos e a realização de serviços que estivessem em falta num momento de pandemia, como cilindros de oxigênio ou kits de intubação.
“Não existe qualquer intenção de nossa parte para aviltar qualquer previsão constitucional no sentido das garantias e das liberdades individuais. Pelo contrário. Modificar essa lei para incluir também a previsão de decretação de mobilização nacional em caso de pandemia é, na verdade, criar um instrumento jurídico que antecede a necessidade de decretação de estado de defesa, estado de sítio, ou de intervenção federal”, afirmou Vitor Hugo.
“BARRAMOS ESSE ABSURDO”
O líder do PSL confirmou que defendeu o projeto durante reunião de líderes na manhã desta terça-feira, mas, segundo ele, a matéria “precisa ser explicada com maior detalhamento”.
“Não foi possível chegar a esse grau de profundidade na explicação, mas tenho certeza de que, com tempo, conseguiremos chegar a essa profundidade”, disse.
Na avaliação do deputado Alexandre Padilha (PT-SP), Bolsonaro tenta usar “artifícios para atrapalhar a boa atuação de prefeitos e governadores que não negam a ciência”.
“Barramos este absurdo no colégio de líderes. Bolsonaro diz ‘não’ para toda forma de conter a pandemia, inclusive vacinas, mas tenta usar artifícios para atrapalhar a boa atuação de prefeitos e governadores que não negam a ciência”, disse Padilha.
“VIOLÊNCIA CONTRA AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS”
Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), o projeto representa uma “violência contra as instituições democráticas brasileiras”. Na avaliação dele, a matéria permite a Bolsonaro aprovar um “instrumento legal para promover um golpe de estado no Brasil”.
A deputada Fernanda Melchionna (PSol-RS) também se manifestou contra o projeto e disse haver uma mobilização para impedir a votação da proposta.
“Enquanto Bolsonaro faz queda de braço com os comandantes das Forças Armadas, no Congresso o líder do PSL quer votar com urgência um PL para o presidente decretar ‘Estado de Mobilização Nacional’ mesmo que não estejamos em guerra. Estamos mobilizados para impedir este absurdo”, disse.
CONTRA PODERES IRRESTRITOS DO PR
O deputado Alex Manente (Cidadania-SP) se disse contrário a “qualquer modificação da Lei de Mobilização Nacional, que prevê poderes irrestritos ao presidente da República em período de guerra”.
“O deputado Vitor Hugo quer, neste momento, ampliar esse poder com a crise sanitária que o Brasil vive, dando possibilidades e, inclusive, margem de interpretação, para que o presidente possa utilizar dessa lei para avançar em qualquer processo de golpe de estado. Não concordaremos e não permitiremos”, afirmou Manente.
Questionado sobre o projeto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que não conhecia o teor da matéria, mas defendeu que o foco do Congresso Nacional, neste momento, sejam propostas que visem a redução do número de mortos e ampliação da vacinação da população.
“É muito importante neste momento que tenhamos um foco. O nosso foco no Congresso é, de maneira absoluta, o enfrentamento à pandemia, à redução do número de mortos, à melhoria do atendimento médico e à ampliação da vacinação”, afirmou em entrevista à imprensa.
TRAMITAÇÃO DO PROJETO
Atualmente, governadores e prefeitos têm autonomia para implantar medidas restritivas de distanciamento social, como toque de recolher.
Para ser votado diretamente no plenário sem passar pelas comissões temáticas, é necessária antes a aprovação de um requerimento de urgência.
Esse pedido já foi apresentado e conta com o apoio do chamado Centrão, bloco que representa 355 deputados. Segundo líderes, porém, também não houve consenso nem para a votação do requerimento nesta terça.
Assim como a decretação de estado de defesa ou estado de sítio, a mobilização nacional só pode ocorrer após pedido do presidente da República e aprovação do Congresso Nacional.
M. V.
Com informações dos portais Poder360 e G1