No Meia Noite em Pequim da TV Grabois, desta semana, o pesquisador e escritor Elias Jabbour debate o encontro em tom respeitoso entre os presidentes Xi Jinping e Joe Biden, à margem da cúpula do G20, e que possibilidades podem se desdobrar a partir daí nas relações China-EUA.
Jabbour lembra que o G20 foi criado em meio àquelas constantes crises financeiras da década de 1990, como uma forma de pegar as 20 maiores economias do mundo, reunir seus ministros das finanças, visando buscar uma nova segurança econômica global.
O que, diga-se, não se conseguiu. A financeirização continua avançando, as crises continuam a ocorrer, a crise de 2008 aconteceu. O mundo não consegue em certa medida sair daquela crise, principalmente depois da pandemia, e o G20 não cumpre o papel que deveria cumprir, que é a busca por uma nova configuração da economia internacional, assinala o pesquisador.
Não cumpre – acrescenta – justamente porque aqueles que criam as crises internacionais é que ocupam o poder de países como os EUA. Isso impede ações mais efetivas, como buscar com que os sistemas financeiros e o sistema financeiro internacional sejam mais regulados do que são.
Ao não tocar nessas feridas o G20 acaba virando uma reunião dos chefes de Estado: se reúnem, trocam ideias, mas não chegam a acordo nenhum sobre nada, ele destaca.
Jabbour faz referência a recente artigo dele para a Rádio Internacional da China, em que diz que o mundo precisa de dois movimentos: “um novo Bretton Woods”, ou seja, um novo acordo como o feito em Bretton Woods em 1944, onde se desenhou uma nova ordem econômica mundial capaz de evitar uma nova Guerra Mundial. Ou seja, organismos como o FMI e o Banco Mundial passaram a ser estabilizadores da economia mundial e de economias nacionais, foi adotado um câmbio fixo e muitos países se utilizaram do câmbio fixo para os seus projetos nacionais de desenvolvimento.
Isso muda na década de 70, quando o Banco Mundial e o FMI passam a ser abertamente instrumentos de dominação dos EUA em relação ao mundo e instrumentos de implantação do neoliberalismo mundo afora.
O “outro ponto” – sublinha Jabbour – é que “essa globalização financeira, neoliberal, que todo mundo conhece, deve ser substituída por outra globalização, que é a globalização que está sendo encaminhada pela China, como disse o professor Javier Vadell, uma globalização produtiva, uma globalização inclusiva, uma globalização voltada à recuperação por parte dos 148 países subdesenvolvidos do Cinturão e Rota em receber investimentos em infraestrutura da China”.
Vai ao encontro do discurso famoso de Xi Jinping em Davos em 2017, em que ele lança a proposta de “futuro compartilhado”, que é uma coisa que a tradução é muito fácil. Dá para todo mundo ganhar dinheiro, dá para todo mundo enriquecer, dá para todo mundo reduzir desigualdade, desde que os países parem de fazer guerra, parem de querer impor seus modelos a outros países e que tenha fim a interferência estrangeira em assuntos internos de terceiros países.
O discurso dele em Davos é histórico no sentido de mostrar a ideia que a China tem para o futuro da Humanidade, a ideia de futuro compartilhado. O Cinturão e a Rota como um instrumento de globalização chinesa, como a gente tem chamado.
Jabbour observa que os norte-americanos reagiram a esse discurso de Xi Jinping “dobrando a aposta em guerras, em intervenções e no caos”. E no bullying e guerra tecnológica, especialmente em relação aos microchips.
Sobre essa relação China-EUA, para o pesquisador interessaria aos dois uma “competição com convivência”. Mas Washington insiste na hegemonia.
Ele faz referência ao livro do professor Moniz Bandeira, já falecido, em que este descreveu a desordem mundial, e no qual elabora que a forma histórica atual do capitalismo não é mais só exportar capital, extrair valor, não é somente isso, é uma governança, a manutenção de uma ordem mundial controlada por si mesmo só que baseada no caos.
“Então o caos é na Ucrânia, é na Palestina, é em Hong Kong, é na Amazonia, é o garimpo ilegal, é o traficante de drogas, o traficante de madeira, tudo isso interessa para a governança mundial exercida pelos EUA, a sobrevivência dos EUA depende do sucesso dessa política”.
Jabbour observa que o norte-americanos tão comprando uma briga com a China com o bullying tecnológico que não é pequena; eles dependem muito da China para manter a sua inflação baixa, fora o fato da China comprar 300 bilhões de dólares de chip, tudo isso também coloca em questão a própria saúde da economia norte-americana.
A China se entranhou tanto no mundo capitalista que qualquer movimento que vá contra os interesses da economia chinesa ela tem uma capacidade muito grande de mexer nas estruturas de oferta e demanda no mundo todo, inclusive nos EUA, daí a pouca inteligência dos americanos de conduzir as coisas da forma que estão conduzindo, ele ressalta.
“Do meu ponto de vista, para os chineses interessa a competição com convivência; eles são muito claros em relação a isso, eles fazem isso. E os EUA, que poderiam aplicar uma política semelhante, preferem dobrar a aposta na dominação mundial através do caos”, conclui Jabbour.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.