Joias eram malocadas por Nelson Piquet e foram levadas aos EUA. Cid disse ao pai que 25 mil dólares precisavam ser entregues ao “mito” em dinheiro. Exército diz que não compactuará com desvios de conduta de quaisquer de seus integrantes
A Polícia Federal (PF) cumpre nesta sexta-feira (11) mandados de busca e apreensão contra o general Mauro César Cid, pai do “faz-tudo” de Jair Bolsonaro (PL), em Brasília. A PF também faz buscas em endereços de Cid (filho). A operação mira ainda o conhecido advogado de Jair Bolsonaro Frederick Wassef.
OPERAÇÃO LUCAS 12:2
A operação, batizada de “Lucas 12:2”, numa alusão ao versículo da Bíblia que diz: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”, “tem o objetivo de esclarecer a atuação de associação criminosa constituída para a prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro”, disse a nota da Polícia Federal. A PF investiga as joias que vieram de outros países do Oriente Médio, além da Arábia Saudita.
Leia a íntegra do relatório da PF
Segundo as investigações, era o pai do faz-tudo que tentava vender as joias em Miami, nos Estados Unidos. O tenente do Exército Osmar Crivelatti, outro ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também é alvo da operação. A investigação apontou, até o momento, que os valores obtidos dessas vendas ilegais foram convertidos em dinheiro em espécie e ingressaram no patrimônio pessoal do ex-presidente e dos investigados.
Crivelatti foi responsável por “cuidar das joias sauditas e monitorar na fazenda do Piquet”. O acervo no local era composto por mais de 9 mil objetos, ocupam um espaço de aproximadamente 200 metros quadrados na fazenda de Piquet, localizada em região próxima ao lago Sul, área nobre de Brasília. A PF diz que o dinheiro das vendas era recebido por meio de pessoas interpostas e sem usar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores.
A PF também obteve mensagens em que Mauro Lourena Cid (o pai) avisa a Mauro Barbosa Cid (o filho) que 25 mil dólares precisam ser entregues a Jair Bolsonaro em dinheiro, para que a origem não seja identificada. O Rolex e um outro relógio de luxo da marca Patek Philippe foram vendidos pelo general por US$ 68 mil.
Em mensagem de áudio de Mauro Cid, a PF descobriu o seguinte diálogo:
“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em cash aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente, dar abraço nele ´ne? E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (…) Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né”.
“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em cash aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente, dar abraço nele ´ne? E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (…) Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né”.
O gabinete de documentação da Presidência havia informado que era necessário registrar oficialmente a doação do bem ao governo brasileiro e que a venda no exterior também precisaria ser comunicada. Por isso, outro assessor de Bolsonaro, Marcelo Câmara diz a Cid que desistiu de vender um determinado bem nos Estados Unidos e que sua ideia seria leiloar no Brasil posteriormente. Cid responde por mensagem de texto: “Só dá pena porque estamos falando de 120 mil dólares. Hahahahha”. Câmara diz, então: “O problema é depois justificar e para onde foi”.
ROSTO DO GENERAL REFLETIDO NA CAIXA DE JOIA
Segundo a PF, o rosto do general do Exército Mauro Lourena Cid foi identificado pelos investigadores no reflexo de uma foto usada para negociar, nos Estados Unidos, esculturas recebidas pelo governo como presente oficial. Em troca de mensagens, Mauro Cid teria lembrado ao pai que era importante fotografar as joias.
Os investigadores concluíram que, ao fotografar a caixa com os itens para pedir uma avaliação do valor em lojas especializadas, Mauro Lourena Cid acabou deixando seu rosto aparecer no reflexo. A imagem foi um dos elementos anexados à operação desta sexta-feira (11), que faz buscas em endereços ligados a Cid pai, Cid filho e a outros assessores e aliados de Bolsonaro.
De acordo com a PF, após transportarem as esculturas para os Estados Unidos no mesmo avião presidencial que levou Jair Bolsonaro ao país, às vésperas do fim do mandato em 2022, Mauro Barbosa Cid pediu que o pai, Mauro Lourena, fosse às lojas de joias. O pai – general que foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), nos anos 1970 – teria tentado vender as joias nos dias 3 e 4 de janeiro de 2023. Mas não conseguiu, porque descobriu que os itens não eram de ouro maciço, e sim, folheadas.
COAF DETECTOU ENVIO SUSPEITO PARA O EXTERIOR
O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) identificou o envio suspeito de valores para o exterior, de forma fracionada, pelo general Mauro Lourena Cid. Os recursos foram enviados para uma conta própria nos Estados Unidos em quatro transferências de US$ 3.000 (mais de R$ 15 mil, com variações a depender da data) durante os dias 10, 11, 16 e 18 de janeiro de 2023. Elas totalizaram R$ 62.683.
Relatório do Coaf aponta também que o general Mauro César Lourena Cid movimentou quase R$ 4 milhões em contas bancárias entre fevereiro de 2022 e maio de 2023.
A operação da PF revelou que o coronel Mauro Cid conseguiu concluir a venda do relógio, enquanto o general Lourena Cid recebeu os fundos em sua conta pessoal, sendo então incumbência do advogado da família Bolsonaro, Fred Wassef, efetuar a recompra.
É que o TCU havia apontado que esse tipo de presente recebido por autoridades no exercício do cargo não pertencem ao presidente, mas à União. Deu prazo para a devolução. Wassef, então, entrou em campo para recomprar o relógio. Segundo investigação, o valor pago na recompra foi maior que o obtido na venda.
TIVERAM QUE RECOMPRAR O ROLEX PARA DEVOLVER
O Rolex de diamantes já tinha sido vendido a uma joalheria e estava exposto para ser revendido em Miami quando o TCU deu cinco dias para que Bolsonaro devolvesse as joias. Cid havia encaminhado e-mails para joalherias na tentativa de recomprar o relógio, contudo, ainda não se tinha conhecimento de que o mesmo já havia sido efetivamente vendido.
Sabe-se também que foi o ex-auxiliar de Bolsonaro Fabio Wajngarten, quem, segundo a Polícia Federal (PF), orientou a operação de recompra do relógio Rolex por Mauro Cid, nos Estados Unidos.
Questionado sobre as denúncias envolvendo o general Mauro Lourena Cid e outros militares, o Exército afirmou em nota que acompanha as investigações em curso e destaca que instituição não compactua com nenhum comportamento de seus integrantes que desrespeite as leis do país. O Exército “não compactua com eventuais desvios de conduta de quaisquer de seus integrantes”, diz a nota.