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De acordo com testemunhas, homem estava desarmado quando foi alvejado pelos disparos
Em entrevista ao Jornal da Cultura, o repórter cinematográfico que filmou o tiroteio que matou um homem durante a visita do candidato Tarcísio de Freitas (Republicanos) a Paraisópolis, capital paulista, revelou que logo após gravar as imagens, foi abordado por um servidor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O homem, que integra a segurança do candidato que fazia campanha no local, pediu para ele apagar todas as imagens do confronto, relatou.
“Você tem que apagar! Essa imagem que você filmou aqui também. Mostra o pessoal saindo, tem que apagar essa imagem. Não pode divulgar isso, não!”, disse o segurança para o repórter.
De acordo com o The Intercept Brasil, o homem que mandou que o jornalista apagasse as imagens foi Fabricio Cardoso Paiva, um agente da ABIN licenciado que acompanha Tarcísio desde o Ministério da Infraestrutura. Além de exigir que as imagens do tiroteio fossem delatadas, também o impediu de gravar a vítima do tiroteio.
Ao Intercept, quatro testemunhas relataramque policiais à paisana que faziam a segurança do candidato, apoiado por Jair Bolsonaro ao governo de São Paulo, mataram a tiros o homem, que estava desarmado. Elas estavam na rua em que o caso aconteceu, no último dia 17.
Os relatos obtidos pelo Intercept na quinta-feira (27) na comunidade desmentem a versão apresentada pelos policiais no boletim de ocorrência registrado na 89ª DP, na região. Os agentes afirmam que avistaram criminosos portando armas longas em motos logo após ouvirem uma rajada de tiros de metralhadora.
Para tirar proveito político do ocorrido, Tarcísio chegou a afirmar que ele e sua equipe foram vítimas de um atentado. Depois, percebendo que os eleitores não acreditaram na mentira, negou o que disse, mas reiterou que a situação ocorrida era “um recado do crime”.
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra o corpo de Felipe da Silva Lima, de 28 anos, caído no chão, com uma perfuração no peito, cercado por policiais militares fardados. Não há sinal de qualquer arma perto dele.
Além disso, o boletim de ocorrência informa que os agentes não entregaram nenhuma arma que estivesse em posse da vítima à Polícia Civil. No entanto, duas armas de policiais militares que trabalham à paisana e estão entre os suspeitos de atirarem – um fuzil Imbel 5.56, e uma pistola .40 – foram apreendidas.
Outra testemunha, que assim como as outras não teve a identidade revelada por medida de segurança, diz que no último dia 17, uma segunda-feira, Tarcísio esteve na sede de um projeto social que inaugurava um polo universitário em Paraisópolis.
Os coordenadores do projeto divulgaram um convite aberto nas redes sociais, sem fazer qualquer menção ao candidato do Republicanos. Porém, ficaram surpresos ao tomarem conhecimento, na noite anterior, que Tarcísio estaria presente.
De acordo com o site, ainda no domingo à noite, um membro da equipe de campanha foi informado de que a presença do candidato não era bem-vinda em função da sua ligação ao presidente Bolsonaro, de quem foi ministro, e que publicamente defende grupos de extermínios.
Durante esta campanha, Bolsonaro, que concorre à reeleição pelo PL, afirmou que uma comunidade no Rio de Janeiro em que o ex-presidente Lula fazia uma passeata “só tinha marginal”.
Na segunda-feira, após a chegada dos primeiros membros da equipe do candidato chegarem na parte da manhã para inspecionar o local, compareceram os policiais fardados, com armas de grosso calibre. Começaram a vistoriar os carros estacionados na rua Antonio Manoel Pinto. A atitude hostil dos PMs gerou constrangimento nos convidados do evento a ponto de um coordenador do projeto pedir a um membro da equipe de Tarcísio que intercedesse.
Depois de uma discussão ríspida entre o membro da equipe de Tarcísio e o comandante da guarnição militar, os PMs uniformizados foram retirados do local e se posicionaram a quilômetros de distância, na entrada da comunidade, informa o Intercept.
No fim da manhã, o candidato do Republicanos chegou ao local sob uma forte escolta de seguranças e assessores. A previsão era de que ele ficasse no local por 10 minutos, mas ele permaneceu por muito tempo mais.
Passados 30 minutos da chegada de Tarcísio, Felipe Silva de Lima e um outro homem, identificado como Rafael, chegam de moto e se dirigem a um segurança, um policial à paisana, posicionado a 100 metros do prédio e dizem que “a comunidade não quer vocês aqui, vão embora”.
Após isso, os dois homens foram para a esquina da rua. Em seguida, ouviu-se então uma rajada de tiros distante do evento, mas nenhum disparo direcionando à equipe de Tarcísio, sustentam as testemunhas.
Foi quando Felipe e Rafael retornaram na moto para falar com a equipe de segurança e foram recebidos a tiros. Felipe foi atingido no peito, enquanto Rafael conseguiu fugir. Seguranças da equipe de Tarcísio continuaram a atirar.
A reportagem informou que encontrou marcas de balas em carros e trailers na direção do local onde Felipe foi atingido, a cerca de 100 metros da sede do projeto social. Criminosos locais que estavam na esquina voltaram armados para tentar resgatar o corpo de Felipe. Com a chegada de policiais militares fardados o tiroteio que continuava, cessou.
Ainda segundo o relato das testemunhas, o corpo de Felipe foi colocado numa viatura e levado para um posto de gasolina. O veículo ficou estacionado no posto por minutos antes de levar Felipe, já morto, ao hospital.
VERSÃO OFICIAL
De acordo com o site, os policiais militares disseram na delegacia que Felipe e Rafael atiraram neles, e que logo vieram outros suspeitos que também dispararam, o que contraria os relatos das testemunhas.
Antes, ainda na versão dos policiais, os dois suspeitos haviam filmado os seguranças do candidato, postados em frente ao local do evento em que Tarcísio estava. Com a chegada de reforços, os policiais à paisana da segurança do político passaram a perseguir Felipe e Rafael, e um deles o matou com um tiro de fuzil.
Vale ressaltar que a presença de policiais militares – inclusive à paisana – na segurança de candidatos não é comum. “Não tenho policial militar à minha disposição como ele tem. Não me foi colocado à disposição. Sou tão candidato quanto ele”, afirmou à Rádio CBN na segunda-feira (24) Fernando Haddad, do PT, que disputa o segundo turno com Tarcísio.
Em nota, a Abin alegou que há apenas um servidor licenciado atuando para o candidato na campanha eleitoral, mas imagens feitas pelo repórter mostram que há outro funcionário trabalhando no local. Nas imagens feitas pelo cinegrafista, é possível ver Campetti na hora da confusão em Paraisópolis, o que faz aumentar o enigma envolvendo o caso.
“O agente federal que até então se identificava como assessor do Tarcisio, é o policial federal Campetti”, revela o repórter cinematográfico. Danilo Cesar Campetti, servidor da Agência é o mesmo policial federal que estava em Juiz de Fora (MG) quando ocorreu o episódio da facada em Bolsonaro. Após a eleição de Bolsonaro à Presidência da República, Campetti foi contratado pela Abin.
DEMISSÃO
O cinegrafista, que fazia a cobertura para a Jovem Pan e teria a sua demissão pedida por Tarcísio de Freitas, se desligou da emissora, alegando não haver clima para que continuasse trabalhando lá. Ele também teme possíveis represálias.
“Eu tenho medo não por mim, mas pela minha família. Minha esposa grávida, pouco menos de um mês, a nossa filha pode nascer. Estava fazendo meu trabalho. Nós, jornalistas, não temos arma. A nossa arma é o aparelho celular, uma câmera, um papel e uma caneta”, concluiu.
INDÍCIOS DE EXECUÇÃO
Na quarta-feira (26), o grupo Tortura Nunca Mais enviou à Ouvidoria da PM um ofício pedindo que o caso fosse investigado. Para o grupo, a morte de Felipe Silva de Lima tem “fortes indícios” de execução.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que não realiza a segurança pessoal dos candidatos – apenas a segurança pública no local em que ocorrem as agendas, conforme a necessidade.
Sobre o tiroteio em Paraisópolis, a instituição afirmou que a Corregedoria da Polícia Militar e o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil estão investigando o caso e não recusa “qualquer informação ou dados que possam contribuir para elucidação das questões de ordem penal ou administrativa”.
Os depoimentos feitos pelo Intercept Brasil, que serviram para a reconstituição dos fatos, foram colhidos separadamente e em momentos diferentes, para evitar possível influência de uma testemunha sobre a outra.