Relatório do COAF aponta transações suspeitas entre senador presidente do PP e empresário dono da 7Games.bet, diz revista
Relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), analisados pela CPI das Bets ao longo de sete meses de apuração, revelam uma teia de relações financeiras e políticas entre o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o empresário Fernando Oliveira Lima, conhecido como Fernandin — dono da 7Games.bet, plataforma de apostas online que ficou conhecida por popularizar o jogo do Tigrinho no Brasil.
Com cerca de 120 milhões de acessos mensais, a 7Games.bet é hoje a quinta casa de apostas mais popular do país. De acordo com documentos obtidos pela revista piauí, Fernandin comprou três apartamentos no bairro de São Cristóvão, em Teresina, em um edifício construído pela empresa Ciro Nogueira Agropecuária e Imóveis. Questionado sobre a transação, o senador declarou: “Nunca ouvi falar dessa compra. Não tenho nada a ver com isso.” Ele reconheceu ser sócio da empresa, mas afirmou que “a administração cabe a seu irmão”.
As suspeitas, no entanto, não se limitam ao setor imobiliário. Entre dezembro de 2023 e setembro de 2024, Fernandin transferiu R$ 625 mil para Victor Linhares de Paiva, ex-assessor direto de Ciro Nogueira. Ao ser confrontado pela revista piauí, o senador contou ter procurado Victor para esclarecer a origem dos recursos. Segundo ele: “Ele me disse que foi um relógio que ele vendeu para Fernandin. Eu ainda disse: ‘Relógio caro esse!’ E ele me disse que era um Richard Mille e que estava tudo no Imposto de Renda dele e do Fernandin.”
Ainda durante o mesmo período, Paiva transferiu pouco mais de R$ 30 mil diretamente para o senador. Ciro Nogueira explicou: “Eu desisti da viagem [para Capri, na Itália] e transferi para Victor a reserva [do hotel] que já estava paga, e ele me ressarciu.”
Victor Paiva é figura conhecida no entorno de Ciro. Em 2020, disputou uma vaga na Câmara de Vereadores de Teresina pelo Progressistas — partido presidido por Nogueira — obteve 3.426 votos e ficou como suplente. Atualmente, é secretário do prefeito da capital piauiense.
Além disso, os relatórios apontam para uma escalada impressionante no patrimônio de Fernandin. Entre 2022 e 2023, sua fortuna passou de R$ 36 milhões para R$ 143 milhões — um crescimento de 300% em apenas um ano. O relatório final da CPI, embora não tenha incluído oficialmente os documentos do Coaf, registrou que os bens de Fernandin apresentam “indícios de incompatibilidade patrimonial e ausência de comprovação da origem lícita dos recursos.”
Uma das transações que mais chamaram atenção dos técnicos do Coaf envolve a compra de uma sala comercial de 500 m² em Alphaville, na Grande São Paulo. O empresário pagou R$ 3,7 milhões por um imóvel cujo valor venal era de apenas R$ 450 mil. O cartório de Barueri considerou a diferença excessiva e comunicou a operação como atípica. Três meses depois, a sala foi transferida para a OIG Capital, empresa também de propriedade de Fernandin, por nada menos que R$ 7 milhões — uma valorização de 88% em apenas três meses, considerada anormal até mesmo para os padrões do mercado imobiliário de alto padrão.
As ligações entre Ciro e Fernandin, no entanto, não se restringem ao campo das finanças. Os dois cultivam uma amizade de longa data. No dia 22 de maio, enquanto a CPI ainda estava em curso, o senador embarcou no jato Gulfstream do empresário para assistir à corrida de Fórmula 1 em Mônaco. A revelação da viagem gerou forte repercussão nas redes sociais. Embora a proximidade entre parlamentares e empresários não seja ilegal, a situação ganha outra dimensão quando o político em questão participa da comissão que investiga justamente os negócios do amigo. Até hoje, Ciro Nogueira “nunca falou publicamente sobre o assunto.”
Outro episódio que escancara os vínculos entre o senador e o empresário ocorreu logo após o depoimento de Fernandin à CPI. O empresário tentou se aproximar da senadora Soraya Thronicke, relatora da comissão. Para isso, recorreu à ajuda de Victor Luiz de Oliveira Freitas, “assistente parlamentar pleno” no gabinete de Ciro Nogueira. O assessor procurou o lobista brasiliense Silvio de Assis para intermediar o contato com Soraya. O lobista, no entanto, “não topou fazer a ponte.”
Apesar do volume e da gravidade dos indícios, os dados fornecidos pelo Coaf não foram incluídos no relatório final da CPI das Bets. A própria senadora Soraya Thronicke justificou a exclusão por questões de segurança: “Por receio das ameaças que vinha recebendo, a senadora Soraya Thronicke, relatora da CPI, decidiu não incluir os dados oficiais.”
