Os ministros Cristiano Zanin e Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF), votaram contra o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Com os dois votos, o status do julgamento é de quatro votos contra e dois a favor.
Em uma manifestação aguardada com grande expectativa, Zanin expressou seu posicionamento alinhado às teses defendidas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva e os setores progressistas.
Zanin declarou: ‘Verifica-se a impossibilidade de se importar qualquer tipo de marco temporal em desfavor dos povos indígenas, que possuem a proteção da posse exclusiva desde o Império e, em sede constitucional, a partir de 1934’.
A decisão de Zanin foi celebrada pelos povos indígenas que acompanhavam a sessão tanto dentro quanto fora do Supremo. Ele também acrescentou: ‘Ademais, o regime jurídico previsto na Constituição de 1988 elimina qualquer dúvida quanto à necessidade de garantir a permanência dos povos indígenas nas terras tradicionalmente ocupadas para a concretização de seus direitos fundamentais básicos’.
Em seu voto Barroso divergiu de Alexandre de Moraes, afirmando que este não é o momento ideal para se discutir indenizações. Mesmo assim, considerou que, se vencido neste ponto, propõe que a indenização a ser paga ao proprietário de terra não deve ser prévia, uma vez que a medida impossibilitaria a demarcação.
“Não existe um marco temporal fixo e inexorável. A ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área, por mecanismos diversos”, afirmou Barroso.
Com os votos contrários ao marco temporal, Zanin e Barroso se uniram aos votos já proferidos pelos ministros Edson Fachin, relator do caso, e Alexandre de Moraes, que também se posicionaram contra o marco temporal. Do outro lado, a favor do marco temporal, encontram-se os ministros Nunes Marques e André Mendonça.
Os ministros enfatizaram que a Constituição de 1988 é clara ao estabelecer que a garantia da permanência dos povos indígenas nas terras historicamente ocupadas é fundamental para a realização de seus direitos fundamentais básicos.
Zanin também concordou com o relator no que diz respeito à autorização de indenização pelas benfeitorias resultantes de ocupações de terras indígenas feitas de boa-fé. No entanto, ele foi além, argumentando que também deve haver indenização pelo valor da terra nua em casos de titulação indevida concedida por entidades públicas a particulares de boa-fé. Zanin destacou que a responsabilidade civil não deve se limitar à União, mas abranger todos os demais entes federados que sofreram danos devido a titulações indevidas, devendo ser avaliada individualmente em cada caso.
Barroso também concordou com o relator. “É razoável prever a quitação dessa indenização por ato ilícito, a ser paga de forma direta mediante pagamento à parte ou depósito judicial, e não por via de precatório. Mas não concordo com o direito de retenção porque isso impossibilitaria a demarcação de terras indígenas, porque a disputa pela demarcação se prolongaria indefinidamente”, afirmou.
Para Barroso, a questão da indenização deve ser enfrentada na próxima ação em pauta no Supremo. A ação em análise agora trata de pedido de reintegração de posse feito por uma fundação estadual ambiental. No caso que será analisado em seguida, um grupo de centenas de agricultores privados pede a anulação de uma portaria que expandiu a terra indígena.
“Não há qualquer questão de indenização em jogo”, disse o ministro. “Tampouco se coloca a questão de compensação ou permuta de terras. Não há aqui, nessa ação, agricultores com títulos legítimos de propriedade se contrapondo à expansão de terra indígena, que é o objeto de outra ação.”
A questão central em discussão no julgamento do STF é a necessidade de comprovar que os indígenas ocupavam a terra no momento da promulgação da Constituição de 1988 para que uma área seja reconhecida como território indígena. No total, 214 processos relacionados a esse tema estão suspensos, aguardando um veredicto do Supremo, uma vez que o caso em análise possui repercussão geral.
O marco temporal foi levado ao STF por meio de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também habitam indígenas Guarani e Kaingang.
A interpretação da tese do marco temporal baseia-se no artigo 231 da Constituição, que afirma: ‘São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, opinião e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens’.