A compra da Fibria pela Suzano, ocorrida em março deste ano e que criou uma gigante do setor de celulose, está ameaçada de ser barrada no âmbito judicial. O centro da questão envolve a participação da BNDESPar, braço do BNDES, que é um banco público, como acionista majoritário da Fibria, o que levanta dúvidas sobre a necessidade de licitação para a venda da empresa, o que não ocorreu. No final de junho deste ano, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar (decisão provisória) impedindo que o governo venda, sem autorização do Legislativo, o controle acionário de empresas de economia mista, como é o caso da Fibria, quarto maior investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em empresas brasileiras.
A Fibria foi criada em setembro de 2009, a partir da fusão da Aracruz e da Votorantim Celulose e Papel (VCP). A formação da empresa contou com forte impulso do BNDES. Para tanto, o BNDESPar assumiu o controle da operação. Na época, o banco detinha 34,9% da Fibria, deixando o Votorantim com 29,3%. Em troca, o BNDES liberou 2,4 bilhões de reais para que o Votorantim pudesse comprar a Aracruz. Atualmente, o banco possui 30,45% das ações ordinárias da Fibria, maior produtora de celulose de eucalipto do mundo.
De acordo com João Roberto Lopes Pinto e Felipe Fayer Mansoldo, autores do artigo intitulado “A Fibria e o ‘Novo” Papel do Estado no Capitalismo Brasileiro: Do ‘Estado Empresário’ ao ‘Estado-Empresa’”, até final de 2015, a União, por meio do BNDES e de sua subsidiária BNDESPar, tinha a maioria das ações com direito a voto da FIBRIA, o que poderia caracterizar uma sociedade de economia mista, sujeita ao direito administrativo público – com controle externo via TCU, concurso público para admissão de pessoal, e regime de contratação por licitação.
Mas o acordo de acionistas entre a Votorantim Industrial (VID) e BNDESPAR assegura o controle acionário à VID. Pelo dito acordo, a Votorantim tem o direito de nomear 5 representantes no Conselho de Administração da empresa e o BNDESPAR apenas 2.
Contudo, em artigo sobre o “Controle das empresas semiestatais”, o procurador federal Murillo Giordan Santos afirma que, “ainda que o Estado detenha a maioria do capital votante, a empresa poderia ser controlada por particulares detentores de parcelas minoritárias do capital votante, caso houvesse acordo de acionistas nesse sentido. No entanto, esses acordos de acionistas não têm o condão de alterar o regime jurídico aplicável a essa espécie de empresa, pois elas permanecerão públicas, de acordo com o disposto no art. 5, III, do Decreto-Lei 200/67”.
PREJUÍZO AOS ACIONISTAS
Segundo João Roberto Lopes Pinto e Felipe Fayer Mansoldo, “embora com presença minoritária no Conselho, o BNDESPAR tem direito de veto sobre um conjunto de matérias, da aprovação do orçamento anual até operações acima de R$ 20 milhões”.
“Vale dizer que os limites ao exercício do interesse público, quando da participação majoritária ou minoritária do Estado em empresas de capital aberto, também estão dados pela própria Lei das Sociedades Anônimas”, afirmam os autores no estudo. Em seu Art. 115, a Lei das S.A. estabelece que “o acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas”.
Nesse sentido, o Fundo de Investimento Versa já se manifestou contrário à fusão das duas empresas, argumentando que a combinação das operações da Fibria e Suzano traz prejuízo e fere os interesses aos acionistas minoritários da Fibria.
Segundo o Versa, “somados a parcela em dinheiro e ações, o valor oferecido pela Suzano não chega a R$ 65/ação, abaixo do valor de mercado da Fibria (R$ 71,6/ação) e abaixo da oferta existente da Paper Excellence (R$ 71,5/ação). Se considerarmos que a fusão gerará os R$ 10 bilhões em sinergias, o valor total chega em R$ 68,2/ação.
“Acreditamos que a decisão pode até ser questionada nos tribunais de justiça, pois o Artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas diz: o acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas”, avalia a empresa de fundo de investimentos.
DINHEIRO PÚBLICO
Com uma carteira de mais de R$ 110 bilhões em participações acionárias, a BNDESPar, empresa de participações do BNDES, é o mais poderoso investidor nacional. E também o centro de uma polêmica sobre o uso de dinheiro público em investimentos de empresas privadas.
Em 2011, quando veio à tona que o governo daria ajuda financeira à fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour, através do BNDES, a então ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann disse que não se tratava de dinheiro público. Para apoiar sua tese, a ministra saiu com uma explicação absurda: “Essa é uma operação enquadrada pelo BNDES. Não é uma operação de crédito do BNDES. Portanto, ela não tem recurso público envolvido, nem FGTS, nem Tesouro. É uma ação de mercado realizada pelo BNDESPar e não tem nada a ver com decisão de governo”.
A afirmação, equivocada, foi duramente criticada por diversos setores da sociedade, principalmente especialistas da área econômica. Isso porque o dinheiro para a fusão entre as duas empresas viria da BNDESPar, que é uma empresa pertencente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é um banco pertencente ao Tesouro Nacional. O BNDES é público e opera única e exclusivamente com dinheiro público, inclusive com verbas do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT.
Portanto, a BNDESPar tem como principal fonte de captação o próprio banco que a controla. Este, por sua vez, para se manter capitalizado, tem recorrido seguidamente ao Tesouro Nacional, que tem como fonte única de recursos os impostos pagos pelos cidadãos e as dívidas que assume. Mais dinheiro público que isso impossível.
Para financiar investimentos de longo prazo na economia brasileira, o BNDES dispõe de diversas fontes de recursos, detalhadas na página do banco na internet: “Fontes governamentais, como os fundos FAT e PIS-PASEP e o Tesouro Nacional, representam parcela significativa da estrutura de capital do BNDES, respondendo por 80% dos recursos totais ao fim do exercício de 2017.
“Recursos de outros fundos governamentais – como o Fundo da Marinha Mercante (FMM), o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do seu fundo de investimento (FI- FGTS); captações no exterior – via organismos multilaterais ou emissão de títulos (bonds); emissão pública de debêntures da BNDESPAR e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) complementam a estrutura de capital.”
A então ministra foi desmentida pelo próprio diretor da BNDESPar na época, Julio Raimundo, que afirmou: “Os recursos são públicos até o último fio do cabelo. Toda movimentação de recursos do BNDES é do Tesouro”.
“O dinheiro sempre é público. Um certo mito está sendo criado de que os aportes do Tesouro estão sendo direcionados para esses investimentos. Isso não é verdade. A própria atividade da BNDESPar vai gerando recursos. O que não significa dizer, e não é isso que estamos dizendo, que os recursos da BNDESPar não são públicos. Eles são públicos até o último fio do cabelo. Toda movimentação de recursos do BNDES é, em última instância, de recursos do Tesouro. O que dizemos é que não é dinheiro subsidiado.”
No entanto, o que vinha acontecendo no governo petista desmente essa afirmação de Julio Raimundo de que o dinheiro não era subsidiado. O BNDES tira seu dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), um fundo público e, como vinha acontecendo nos últimos anos, de endividamento público. O Tesouro lança títulos, fica endividado. O BNDES, então, empresta esse dinheiro a juros menores que os pagos pelo Tesouro. Parte do custo, portanto, é subsídio.
APORTES DO GOVERNO FEDERAL
De 2008 a 2014, o governo do PT colocou mais de R$ 700 bilhões nos cofres do BNDES, retirando dinheiro do FAT, do PIS/PSP e do Tesouro Nacional. Do FAT, PIS/PASEP e FGTS saíram cerca de R$ 243 bilhões para o BNDES. Do Tesouro Nacional, foram repassados R$ 473 bilhões ao banco. Toda essa montanha de dinheiro não foi utilizada para cumprir o objetivo maior do BNDES, que é o desenvolvimento da economia nacional.
A situação ainda se mostra mais distorcida quando se verifica que esses empréstimos do BNDES foram realizados com juros subsidiados pelos contribuintes brasileiros. Durante o governo petista, o BNDES optou por emprestar dinheiro a juros baixos para grandes conglomerados, alguns em dificuldades financeiras, e para governos duvidosos, em detrimento da opção de financiar a inovação empresarial e a inovação tecnológica, que são fundamentais para o desenvolvimento da economia nacional.
Concedidos desde 2009, esses empréstimos do Tesouro servem como fonte de recursos para a concessão de crédito pelo banco às empresas com taxas mais baratas. Os aportes, no entanto, aumentam o custo da dívida pública e são motivo de duras críticas de economistas e políticos da oposição, além de preocupação crescente das agências internacionais de classificação de risco.
Os empréstimos são corrigidos pela Taxa de Juros de Longo prazo (TJLP), bem mais baixa que a taxa Selic, que serve de base para o financiamento do Tesouro junto ao mercado. Essa diferença entre as taxas é bancada pelo Tesouro na forma de subsídios. Em 2015, por exemplo, foi de R$ 30 bilhões o custo com os subsídios dos empréstimos já concedidos desde 2009.
Os repasses de dinheiro do Tesouro ao BNDES, feitos por meio de títulos públicos, têm ajudado indiretamente a reforçar o lucro do banco e, consequentemente, os dividendos. O banco ganha com a rentabilidade dos títulos no período de manutenção dos papéis em carteira. Os papéis do governo rendem ao banco mais do que as operações de crédito, por causa do diferencial de taxas.
A dívida do BNDES com o Tesouro somava, em 2014, R$ 451,1 bilhões, o equivalente a 8,9% do PIB. Os empréstimos não têm impacto na dívida líquida do setor público, mas são responsáveis pelo aumento da dívida bruta do governo.
Em 2015, conforme reportagem publicada na revista Época, o Ministério Público apontou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) recebeu, de forma supostamente irregular, cerca de R$ 500 bilhões do Tesouro Nacional por um período de seis anos. O documento contém uma análise preliminar do MP, que pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) a investigação dos repasses, com sinalização de que o dinheiro público pode ter sido destinado às contas de empresas que receberam empréstimos no Brasil e no exterior.
Os repasses considerados irregulares pelo MP tiveram início em 2008, no segundo mandato do governo Lula, e foram feitos até 2014, no mandato de Dilma. “A operação foi desenhada como um subterfúgio para lançar mão de recursos que, por lei, não poderiam ser destinados a empréstimos ao BNDES […]. Configura verdadeira fraude à administração financeira e orçamentária da União”, diz a representação do MP, apontando os fatos investigados como “graves”.
Hoje, boa parte da economia brasileira roda com dinheiro das empresas que enchem o tanque no posto do BNDES. É gasolina batizada, segundo o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União.
Os repasses considerados irregulares pelo MP começaram em 2008, no segundo mandato de Lula, e prosseguiram até 2014, no primeiro mandato de Dilma. Em 2008, o governo passou a usar dinheiro da conta única do Tesouro – uma espécie de cofrinho de emergência do país – para financiar as operações do BNDES. A conta única é abastecida com dinheiro de operações feitas pelo Banco Central. Quando, por exemplo, o BC tem lucro com a compra ou a venda de moedas, esse dinheiro vai para a conta única. O cofrinho só pode ser quebrado, segundo o MP, para que o governo pague suas dívidas. Para quebrá-lo, o governo fez uma malandragem: passou a emitir títulos de dívida ao banco estatal. Com eles, o BNDES conseguia pegar o dinheiro e emprestá-lo às empresas.
Assim, segundo o MP, o BNDES virou credor e o Tesouro, devedor, o que é proibido, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. O correto seria o Tesouro captar recursos no mercado ou arrecadar impostos com os contribuintes e repassar esse dinheiro para o BNDES, contabilizando em seu orçamento. Mas não foi o que ocorreu.
Em dezembro de 2014, o governo liberou R$ 60 bilhões BNDES, através da emissão, pelo Tesouro Nacional, de títulos da dívida pública, impactando a dívida do país. Em 2009, o aporte do governo federal ao BNDES foi de 100 bilhões de reais e, em 2010, 80 bilhões de reais. Em 2011 e em 2012, os volumes baixaram para 55 e 45 bilhões de reais, respectivamente, e, em 2013, somaram 39 bilhões de reais.
Entre 2008 e 2014, o governo federal emprestou ao BNDES cerca de R$ 450 bilhões para que o banco pudesse injetar esse dinheiro na economia por meio de empréstimos subsidiados a empresas. Ao longo dos anos, foram dezenas de contratos e renegociações entre ambos.
Economistas, políticos de oposição e jornalistas – inclusive os da conceituada revista The Economist – afirmam que seu grande volume de desembolsos, viabilizado por crescentes aportes do Tesouro Nacional, tem elevado de forma perigosa a dívida bruta do país, que hoje ultrapassa os 60% do PIB.
DÍVIDA COBRADA
Em fevereiro de 2018, o BNDES informou que, após quitar parte dos juros e principal das dívidas, ainda deve ao governo R$ 513,6 bilhões em valores corrigidos pela inflação.
Os empréstimos a juros baratos acabaram beneficiando grandes empresas em sua maioria e deixou uma outra dívida de subsídio estimada em R$ 214 bilhões que o governo paga por essas operações.
Para o governo, os R$ 100 bilhões – que seriam pagos R$ 40 bilhões em 2016 e R$ 30 bilhões em cada um dos próximos dois anos – poderiam ser usados para abater a dívida bruta do setor público, já que o governo emitiu títulos da dívida para repassar recursos ao banco.
Mas o atual presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), Paulo Rabello de Castro, já disse que a devolução de todo o dinheiro exigido do banco pelo Tesouro Nacional em 2018 é “materialmente muito improvável”. Este montante é considerado exagerado pelo banco, que acredita que a devolução poderia comprometer sua capacidade de empréstimo, justamente no momento em que a economia dá sinais de retomada.
O MOVIMENTO MONOPÓLIO, NÃO!, pretende estimular seus membros a entrarem na justiça para impedir este crime contra os acionistas minoritários, sobretudo ao poder público e contra a livre concorrência, aos trabalhadores, aos fornecedores, aos consumidores e sociedade em geral. São dois milhões de hectares envolvidos, área maior que alguns países do mundo. Essa concentração fundiária será importante tema da eleição presidencial deste ano. O suposto ESCÂNDALO DA SUZANO começou a ganhar espaço da mídia e a estranha relação desta empresa com o BNDES pode chegar às páginas policiais se provar a similaridade com a fraude da JBS e o evidente tráfico de Influência perante as instituições financeiras.
(OpovoNews, 01/08/2018)